Betabloqueador no Paciente com Cirrose

Criado em: 06 de Fevereiro de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Betabloqueadores fazem parte da terapia do paciente com cirrose. A percepção de que existe uma janela terapêutica - um momento certo de iniciar e de retirar esse medicamento - tem crescido. Esse tema foi revisado no Journal of Hepatology em dezembro de 2022 [1]. Trouxemos esse conceito e revisamos os betabloqueadores no paciente com cirrose.

O que é janela terapêutica?

Há 60 anos sabemos que betabloqueadores reduzem a taxa de sangramento digestivo por varizes esofágicas. Contudo, nos últimos anos tem se percebido que em estágios avançados da doença, os betabloqueadores podem agravar outras descompensações. O intervalo onde se inicia o benefício do medicamento até o momento em que a doença está avançada demais precipitando malefícios é chamado de janela terapêutica.

Os betabloqueadores não seletivos, representados principalmente pelo propranolol, surgiram como profilaxia primária e secundária de sangramento varicoso por sua capacidade de reduzir a pressão portal. Esse efeito ocorre devido a redução do fluxo sanguíneo esplâncnico por redução do débito cardíaco (efeito B1) e vasoconstrição esplâncnica (efeito B2).

O efeito benéfico ocorre apenas se há pressão para ser reduzida, isto é, quando existe hipertensão portal clinicamente significativa (HPCS). No passado, considerava-se que a presença de varizes de médio e grande calibre era o definidor de HPCS. O Baveno VII, última diretriz sobre manejo de hipertensão portal, tenta encontrar um momento mais inicial quando já existe benefício (mais detalhes em "Quando iniciar o betabloqueador?") [2].

Conforme a doença avança para ascite refratária, aumenta a vasodilatação sistêmica e a perfusão renal fica mais dependente do débito cardíaco. Nesse momento, a redução do débito cardíaco pelo betabloqueador pode ser deletéria. O exato momento de fechamento da janela terapêutica, definindo assim critérios para retirada dos betabloqueadores, ainda é imprecisa e não consensual entre os especialistas.

Quando iniciar o betabloqueador?

O Baveno VII, publicado em 2022, recomenda o uso de betabloqueadores não seletivos em pacientes com cirrose compensada e HPCS, definida como pacientes com gradiente de pressão da veia hepática maior que 10 mmHg.

Esta recomendação é baseada no trabalho PREDESCI [3]. Esse estudo identificou uma redução no surgimento de ascite em pacientes com essas características que utilizaram betabloqueador. Como 56% da população desse trabalho tinha varizes de pequeno calibre, fica a dúvida se os pacientes sem varizes podem se beneficiar dessa recomendação. Outro apontamento é que a aferição do gradiente de pressão da veia hepática é feita por estudo hemodinâmico, algo de difícil realização. É possível inferir HPCS pela elastografia, mas podem ocorrer imprecisões.

Pacientes com ascite que não estão em uso de betabloqueadores por não conseguirem fechar o critério acima, devem realizar endoscopia de rastreio para varizes esofágicas se plaquetas < 150.000 ou elastografia ≥ 20kPA. Esses parâmetros indicam alta probabilidade de HPCS. Se a endoscopia de rastreio encontrar varizes, o paciente também possui indicação de betabloqueador se tiver algum dos seguintes critérios:

  • Varizes de grande calibre (maiores que 5mm)
  • Qualquer varizes e classificação de Child-Pugh C
  • Presença de sinais de red spots

Caso o paciente não apresente nenhum dos critérios acima, a indicação de betabloqueador deve ser individualizada. O Baveno VII também recomenda betabloqueadores para profilaxia secundária de sangramento por varizes esofágicas, nesses casos em associação com ligadura elástica.

Qual betabloqueador escolher?

Na profilaxia primária, os betabloqueadores indicados são o propranolol, nadolol e carvedilol.

O Baveno VII indica o carvedilol como primeira escolha por sua ação antagonista alfa-1, o que pode potencializar o bloqueio beta, sendo mais efetivo em reduzir o gradiente pressórico. Também é uma droga mais fácil de titular com perfil de eventos adversos similar aos outros betabloqueadores. Essa preferência é respaldada pelo estudo PREDESCI, que encontrou uma pequena vantagem em aderência e em desfecho para o carvedilol quando comparado com propranolol, apesar de não ser esse o objetivo do estudo.

Na profilaxia secundária, o Baveno VII cita que os betabloqueadores podem ser um não seletivo como propranolol ou o próprio carvedilol. Um trabalho retrospectivo de profilaxia secundária para hemorragia varicosa comparou carvedilol com propranolol, encontrando maiores reduções da taxas de gradiente de pressão da veia hepática no grupo carvedilol (média de 20% de redução versus 11% de redução do grupo propranolol) [4]. Além disso, os pacientes em uso de carvedilol permaneceram mais tempo com o gradiente controlado, tiveram menos ressangramento e menos morte associada à hepatopatia.

O betabloqueador deve ser titulado até uma frequência cardíaca de 55 a 60 bpm ou até a dose tolerada, em casos de hipotensão persistente e/ou lesão renal aguda-síndrome hepatorrenal. Nesses casos, deve-se reduzir a dose ou até suspender a medicação. O retorno da droga em caso de resolução das contraindicações é individualizado.

Caso o paciente persista com disfunção renal ou hipotensão, isso significa o fechamento da janela terapêutica e o medicamento não deve ser retornado. Esta é a única indicação de retirada do betabloqueador recomendada pelo Baveno VII. Outros autores entendem que também ocorre o fechamento da janela terapêutica quando o paciente apresenta infecções de repetição ou ascite refratária, porém isso não é consensual.

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