Baclofeno para Transtorno por Uso de Álcool
A Cochrane publicou uma revisão em janeiro de 2023 sobre um novo propósito para o baclofeno: tratamento do transtorno por uso de álcool [1]. Essa droga entra no restrito grupo de medicamentos com evidência de eficácia para essa condição que afeta milhões de pessoas no mundo.
Transtorno por uso de álcool: o que é e como suspeitar?
Estima-se que 3,8% das mortes em todo o mundo são decorrentes do uso de álcool. A mortalidade de pessoas com transtorno por uso de álcool é três vezes maior do que a de pessoas sem o problema [2].
A maioria dos pacientes desenvolve o quadro até o fim da terceira década de vida. Dentre os fatores de risco estão:
- Questões culturais
- Disponibilidade e preço do álcool
- Experiências pessoais
- Níveis de estresse
Fatores genéticos contribuem fortemente para o risco de desenvolvimento da doença, além de comorbidades como depressão, insônia, ansiedade, transtorno bipolar e esquizofrenia.
Ingerir diariamente bebidas alcoólicas em pequenas doses não caracteriza por si só o diagnóstico. Devem haver consequências que resultam em sofrimento significativo e repetido ou funcionamento prejudicado.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), documento da Associação Americana de Psiquiatria, teve sua última atualização em 2013, o DSM-V. Em relação ao DSM-IV, houve uma mudança de terminologia e critérios. No DSM-IV havia o diagnóstico de abuso e dependência por álcool, enquanto o DSM-V unificou os critérios, chamando de “transtorno por uso de álcool” (veja a tabela 1).
Quais são os tratamentos com evidência para transtorno por uso de álcool?
Os dois medicamentos de primeira linha são a naltrexona e o acamprosato. Ambos têm resultados semelhantes em reduzir o risco de retorno ao uso (número necessário para tratar de 12 a 20) e o número total de dias de consumo de álcool [3].
A naltrexona deve ser prescrita inicialmente na dose de 50 mg por dia via oral, até uma dose máxima de 100 mg. Pode ser iniciada em pacientes que ainda estão em uso de álcool. O acamprosato que não está disponível no Brasil é usado apenas quando o paciente está em abstinência. Naltrexona e acamprosato podem ser associados. Outras drogas com evidências de benefício estão na tabela 2.
A maior parte dos estudos incluiu pacientes com dependência por álcool pelo DSM-IV, um diagnóstico que é melhor representado pelos quadros moderados ou graves de transtorno por uso de álcool pelo DSM-V.
O que o estudo da Cochrane acrescenta na prática?
A revisão e metanálise da Cochrane avaliou a eficácia e segurança do baclofeno para transtorno do uso de álcool. Foram incluídos 17 ensaios clínicos randomizados controlados em um total de 1818 pacientes, com intervenções que duraram de 3 meses a 1 ano. A maior parte dos estudos durou menos de 12 semanas e teve menos de 100 participantes. Os trabalhos utilizaram o DSM-IV ou CID-10 e incluíram pacientes com diagnóstico de dependência por álcool. A idade média foi de 46 anos, sendo 70% homens.
Em comparação com placebo, o baclofeno reduziu o risco de recaída e aumentou a taxa de dias abstinentes em pacientes que estavam há pelo menos 3 dias sem consumir álcool. Esse efeito não foi visto no subgrupo de pacientes que permaneceram bebendo. Também não houve redução na taxa de dias de consumo pesado, número de doses por dia, fissura por álcool, ansiedade ou depressão.
A redução do risco de recaída foi de aproximadamente 13%. Isso significa que de cada 100 pacientes, 13 pessoas a mais não voltaram a consumir álcool pelo efeito do baclofeno. Além disso, houve aumento do tempo de abstinência em torno de 3 dias por mês.
Apesar de bem tolerado, alguns efeitos adversos ocorreram como fadiga, vertigem, sonolência, boca seca, parestesias e espasmos musculares.
O baclofeno é um agonista do receptor GABA inicialmente aprovado para espasticidade por doenças neurológicas. A hipótese é de que o baclofeno reduza os efeitos de recompensa e adicção induzidos pelo álcool ao suprimir a liberação de dopamina no sistema mesolímbico.
A maior parte dos estudos iniciou com 5 mg/dia, subindo 5 mg a cada 3 dias até doses alvo de 30 mg até 80 mg/dia. No Brasil, a apresentação é de 10 mg por comprimido. A meia vida é curta, necessitando de 3 a 4 tomadas diárias. O medicamento pode ser usado em pacientes com hepatopatia, mas deve-se ter cautela naqueles com doença renal crônica. Há relatos de intoxicação e tentativas de suicído por overdose, o que fez a França não permitir doses diárias maiores do que 80 mg.
Essa revisão não tirou conclusões sobre comparações com outras drogas, porque há poucos estudos. Também não foi possível avaliar os possíveis malefícios do uso concomitante de baclofeno com sedativos, como benzodiazepínicos ou o próprio álcool.
Aproveite e leia:
Tratamento de Tabagismo no Paciente Internado
A hospitalização é uma oportunidade para a cessação do tabagismo, mas a manutenção da abstinência após a alta é um desafio. Uma revisão da Cochrane de maio de 2024 avaliou os efeitos das diferentes estratégias de cessação de tabagismo em pacientes hospitalizados. Este tópico abordará dependência e abstinência à nicotina, assim como os tratamentos disponíveis.
Hepatite Alcoólica
O álcool é uma das principais causas de doença hepática no mundo. Em dezembro de 2022, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou uma revisão de hepatite associada ao álcool trazendo novos conceitos sobre estratificação de risco e tratamento dessa patologia. Neste tópico revisamos esse tema.
Bicarbonato na Doença Renal Crônica
Foi publicada em abril de 2024 a diretriz de doença renal crônica do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO). Não houve recomendação de reposição de bicarbonato de sódio para acidose metabólica por ausência de ensaios clínicos grandes que embasam o uso. Essa mudança revisita a pergunta: será que tem evidência para uso do bicarbonato na doença renal crônica? Este tópico revisa o assunto.
Guia Prático de Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica
Em janeiro de 2023, a American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) publicou recomendações sobre avaliação e manejo da doença hepática gordurosa não alcoólica (nonalcoholic fatty liver disease - NAFLD). Esse tópico revisa os principais pontos da diretriz.
Antipsicóticos de Segunda Geração
Os antipsicóticos de segunda geração, também conhecidos como atípicos, são frequentemente utilizados no tratamento de outros distúrbios neuropsiquiátricos além de esquizofrenia. Este tópico traz os principais aspectos desses fármacos para a prática clínica.