Diretriz ESMO de Neoplasia de Sítio Primário Desconhecido
Pacientes com câncer na maioria das vezes têm o sítio primário identificado. Há casos em que não se identifica a origem da neoplasia, uma situação chamada de câncer de sítio primário desconhecido. Em dezembro de 2022, foi publicada diretriz da European Society for Medical Oncology (ESMO) sobre o tema [1]. Vamos revisá-la neste tópico.
O que é um câncer de sítio primário desconhecido?
É uma neoplasia que inicialmente não tem o sítio primário identificado. O cenário típico é de um paciente que descobre uma metástase de um câncer já avançado.
Os sintomas dependem do local das lesões, por exemplo, dor na metástase óssea ou tosse na metástase pulmonar. As lesões também podem ser encontradas ao acaso, em um exame solicitado por outro motivo.
Entre todos os cânceres invasivos, 2% têm sítio primário desconhecido ao diagnóstico. Avanços na oncologia, como melhores tecnologias, vêm diminuindo a incidência de cânceres de sítio primário desconhecido (CSPD).
A mortalidade desse grupo de neoplasias é alta, contribuindo para uma parcela considerável das mortes por câncer [2]. A sobrevida em 1 ano é em torno de 20% e metade das mortes ocorrem nos primeiros 3 meses.
Como deve ser feita a investigação?
A diretriz destaca que o diagnóstico é definido pelos achados clínicos, patológicos e radiológicos.
A avaliação diagnóstica começa com a biópsia confirmando que a lesão suspeita é de fato neoplásica.
O passo seguinte é definir se é um tumor primário daquela região. Tamanho, localização, características da imagem, fenômenos associados e padrões de disseminação (hematogênico ou linfogênico) ajudam a encontrar essa resposta. A ausência de linfonodos acometidos em localizações próximas da lesão suspeita diminui a chance dela ser primária.
Após a definição de que a lesão não é primária, alguns exames iniciais básicos são recomendados, além da complementação da história e exame físico a partir das hipóteses levantadas (veja a tabela 1).
Marcadores oncológicos séricos podem se elevar de acordo com o tipo histológico:
- Células germinativas: alfa-fetoproteína e beta-HCG
- Próstata: PSA
- Suspeita de primário ginecológico: CA 15-3 e CA 125
- Suspeita de primário trato gastrointestinal: CA 19-9, CEA e CA 72-4
- Neuroendócrino: cromogranina A
Alguns marcadores como CEA, CA 19-9, CA 15-3 e CA 125 se elevam em muitas situações e tem pouco valor diagnóstico. Esses marcadores têm maior utilidade para o acompanhamento clínico e a determinação de resposta ao tratamento.
O próximo passo é determinar a linhagem celular da neoplasia. Isso depende de características histológicas e imunohistoquímicas da biópsia. O patologista avalia a morfologia das células e do tecido e procura marcadores para realizar a identificação.
A diretriz traz quatro grupos de cânceres de sítio primário desconhecido:
- Adenocarcinomas diferenciados - 50% dos casos
- Adenocarcinoma pouco diferenciados ou carcinomas não diferenciados - 30% dos casos
- Carcinomas de células escamosas - 15% dos casos
- Neoplasias indiferenciadas - 5% dos casos
Os tumores neuroendócrinos não estão incluídos nessa diretriz, pois não são mais vistos como câncer de sítio primário desconhecido pela ESMO. Essa foi uma mudança da nova diretriz. A justificativa é de que esses tumores têm subclassificações específicas, independentemente da presença de um sítio primário óbvio, sendo manejados de maneira particular. Algumas referências incluem os tumores neuroendócrinos como um subtipo de origem epitelial, ao lado dos adenocarcinomas e carcinomas escamosos [3].
A diretriz da ESMO também não considera como câncer de sítio primário indeterminado: sarcomas, melanomas, tumores de células germinativas ou hematológicos. Esses tipos histológicos devem ser manejados conforme suas diretrizes específicas.
Conforme o laudo imunohistoquímico, suspeitas mais fortes da origem do câncer são estabelecidas. A partir daí, novos exames podem ser solicitados para investigação. Painéis com alvos moleculares em que há terapias alvo também são solicitados neste momento para definição do tratamento.
Manejo do câncer de sítio primário desconhecido
Caso seja descoberto o sítio primário, o manejo deve seguir de acordo. Se não, deve ser tentado classificar subtipos de câncer que indiquem semelhanças com neoplasias primárias típicas.
Em geral, os pacientes com um dos 7 subtipos favoráveis devem ser tratados com terapias dos sítios específicos (tabela 2). O câncer renal-like foi incluído nessa diretriz como um novo subtipo favorável por causa dos inibidores de tirosina quinase e inibidores de checkpoint. O subtipo “câncer de sítio primário desconhecido localizado” foi reclassificado para também incluir doença oligometastática passível de tratamento ablativo local.
Os pacientes com câncer de sítio primário desconhecido desfavorável são os que não se enquadram nos subtipos da tabela 2. O prognóstico é ruim e os tratamentos são pouco efetivos, mas geralmente esquemas quimioterápicos com platinas são recomendados.
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