Escore para Identificação de Fibrose na Esteatose Hepática

Criado em: 20 de Março de 2023 Autor: Marcela Belleza

A prevalência da esteatose hepática não alcoólica está crescendo e uma das prioridades no tratamento é identificar a presença de fibrose. Em janeiro de 2023, o British Medical Journal (BMJ) publicou uma metanálise que avaliou a eficácia de um escore para predição de fibrose [1]. Este tópico traz o resultado do estudo e revisa o tema.

Por que identificar fibrose é importante?

A doença gordurosa hepática não alcoólica (DGHNA) é a presença de esteatose hepática quando excluídas outras causas (álcool, infecções, medicamentos, autoimune). Está fortemente associada à síndrome metabólica, obesidade e diabetes. A prevalência de DGHNA no mundo é estimada em 25-30% e é a principal causa de transplante hepático entre mulheres [2].

A presença de fibrose hepática (e da sua gravidade histológica) está diretamente relacionada à ocorrência de desfechos negativos como necessidade de transplante, complicações relacionadas à cirrose e aumento de mortalidade [2, 3]. Além de importância prognóstica, a identificação de fibrose também influencia no tratamento. Em pacientes com DGHNA e fibrose avançada ou alto risco de fibrose, as diretrizes da American Association of Clinical Endocrinology (AACE) de 2022 e da American Gastroenterological Association (AGA) de 2021 pontuam que pode haver benefício de terapias específicas - vitamina E na ausência de diabetes e pioglitazona ou análogos do GLP-1 na presença de diabetes [4, 5]. Indivíduos com fibrose hepática também necessitam de investigação de varizes de esôfago e rastreio de carcinoma hepatocelular [3].

Falamos mais sobre DGHNA no episódio 122.

Quais são as estratégias atuais para pesquisa de fibrose?

O padrão ouro para diagnóstico e graduação da fibrose hepática é a biópsia com análise histopatológica. No entanto, a baixa disponibilidade e os riscos envolvidos com a biópsia motivaram a pesquisa de métodos menos invasivos para predição de fibrose [3].

Tomografia e ressonância magnética, apesar de identificarem esteatose, não são suficientemente sensíveis para detecção de fibrose ou discriminação de graus avançados de esteato-hepatite. A elastografia é um exame ultrassonográfico e dinâmico que permite inferir o grau de fibrose hepática [2].

Existem escores que combinam características clínicas e resultados laboratoriais para estimar o risco de fibrose em pacientes com DGHNA [2, 6]. As principais calculadoras estão disponíveis a seguir:

  • FIB4: combina 4 parâmetros (idade, AST, ALT, plaquetas)
  • NAFLD-score: combina idade, IMC, glicemia de jejum alterada, albumina, AST, ALT, plaquetas
Fluxograma 1
Sugestão de investigação de doença gordurosa hepática não alcoólica (DGHNA)
Sugestão de investigação de doença gordurosa hepática não alcoólica (DGHNA)

As diretrizes da AACE e da AGA sugerem uma avaliação não invasiva do risco de fibrose baseada em duas etapas, conforme a figura a seguir (adaptada dos dois documentos). Apesar da sugestão de investigação, o melhor método de avaliação não invasiva de fibrose em pacientes com DGHNA ainda não está estabelecido.

Como o FAST-score funciona? Quais são os resultados da metanálise?

O FAST-score utiliza a aspartato aminotransferase (AST ou TGO) sérica e dois parâmetros da elastografia transitória (liver stiffness measurement e controlled attenuation parameter) para encontrar esteato-hepatite ativa e fibrose avançadas (o que corresponde a categoria F2 na biópsia) em pessoas com DGHNA. O escore usa esses três parâmetros em uma conta complexa. O médico coloca os valores em um programa que resulta em uma pontuação de 0 a 1.

O estudo original do FAST-score foi publicado em 2020 [7]. Os pesquisadores desenvolveram o FAST na tentativa de identificar pacientes com DGHNA que tinham fibrose avançada e alto índice de atividade de doença (definida por uma biópsia hepática com escore NAS > 4 - ver tabela 1). Até então, os escores existentes focavam apenas na identificação de fibrose. O estudo conseguiu determinar valores para descartar (rule-out < 0,35) e confirmar (rule-in> 0,67) DGHNA com alta atividade e fibrose avançada. Em uma análise dentro do estudo, a capacidade de discriminar os pacientes com fibrose e alta atividade foi melhor com o FAST-score do que com o FIB-4.

Tabela 1
Escore de atividade de doença gordurosa hepática não alcóolica (NAS)
Escore de atividade de doença gordurosa hepática não alcóolica (NAS)

A revisão sistemática trazida pelo BMJ incluiu 12 estudos, totalizando 5835 pacientes, que compararam o FAST-score à biópsia hepática. Todos os pacientes tinham DGHNA comprovada por biópsia. A prevalência de DGHNA fibrótica foi próxima do que os estudos costumam encontrar para a população de alto risco - em torno de 30%.

O FAST-score teve performance diagnóstica satisfatória na identificação de esteato-hepatite e fibrose avançadas, com sensibilidade e especificidade de 89% . Os resultados mostraram um valor preditivo negativo de 92%. Essa característica do escore é útil para evitar biópsias desnecessárias. Por outro lado, o valor preditivo positivo do escore foi de 65% para uma prevalência de DGNHA fibrótica de 30%. Esse achado sugere que, em cenários de baixa prevalência, o escore isoladamente talvez não seja suficiente para discriminar os pacientes com risco de progressão.

Os autores trazem como principal limitação a heterogeneidade entre os estudos. Além disso, todos os centros incluídos eram de referência. Não houve comparação direta com o FIB-4 no estudo.

O trabalho reforça o avanço dos métodos não invasivos na identificação de fibrose hepática, com cada vez mais acurácia. O FAST-score pode ser utilizado em estudos com DGHNA para identificar pacientes com maior chance de se beneficiarem das terapias. Além disso, pode ser incorporado na prática para identificação não invasiva de DGHNA com alto risco de progressão.

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