Quetamina versus Eletroconvulsoterapia para Depressão

Criado em: 20 de Março de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Mais de 30% dos pacientes com um episódio depressivo maior não atingem remissão mesmo com múltiplas tentativas de antidepressivos. Nesse cenário de depressão resistente ao tratamento, a eletroconvulsoterapia (ECT) é preconizada por algumas sociedades. Essa revisão sistemática do Journal of American Medical Association (JAMA) de outubro de 2022 comparou quetamina com eletroconvulsoterapia para depressão [1]. Este tópico revisa essas terapias para depressão e traz os resultados do estudo.

Eletroconvulsoterapia

Eletroconvulsoterapia (ECT) é a terapia de escolha por algumas diretrizes para pacientes com depressão resistente. A definição de depressão resistente não é padronizada, mas muitos trabalhos utilizam o critério de um episódio depressivo que não melhora após duas tentativas com antidepressivos em dose otimizada.

Apesar da recomendação, o uso de ECT é baixo devido a barreiras técnicas (necessidade de profissionais capacitados e espaço físico) e aceitação dos pacientes (estigma de ser uma terapia ultrapassada ou agressiva). Uma revisão do New England Journal of Medicine (NEJM) de 2022 aponta um benefício em risco de suicídio, redução de internação e melhora de qualidade de vida e de produtividade [2].

Além da indicação na depressão resistente, a ECT também pode ser utilizada em quadros de depressão grave. O conceito de depressão grave é diferente de depressão resistente. Também não há uma definição universal, porém alguns estudos utilizam um escore PHQ-9 > 20, o que muitas vezes vem acompanhado de sintomas psicóticos, catatonia e marcante comprometimento funcional (desnutrição, lesões por pressão, desidratação).

O tratamento com ECT tem duas fases: uma inicial, com objetivo de atingir a remissão; e uma de manutenção, devido ao alto risco de recaída. A fase inicial geralmente é composta por 2 a 3 sessões por semana, por 2 a 5 semanas. Todas as sessões incluem sedação, o que requer uma estrutura de apoio. A segunda fase envolve uma redução gradual das sessões de ECT, enquanto o paciente é otimizado farmacologicamente.

A ECT é segura em relação a eventos graves, com uma taxa menor que 1% de mortes. A grande dúvida é o efeito em déficit cognitivo , já que trabalhos mais antigos (com protocolos ultrapassados) apresentaram taxas significativas de piora da cognição. Essa queixa se confunde com a própria disfunção e consequência do quadro psiquiátrico. A maioria dos pacientes que apresentam esse evento adverso, apresentam na forma leve e com resolução após 2 a 4 semanas. O tratamento deve ser interrompido em caso de déficit cognitivo grave.

Quetamina

A pesquisa com quetamina intravenosa para tratamento agudo de depressão resistente tem aumentado nos últimos anos. A dose estudada da quetamina para esse fim é de 0,5 mg/kg intravenoso, podendo ser feita 2 a 3 vezes por semana por 3 a 5 semanas.

A quetamina possui outras aplicações e seu uso tem aumentado nos últimos anos. A mais famosa utilização é para intubação de sequência rápida. A droga não causa instabilidade hemodinâmica (principalmente quando comparado ao propofol) e possui tempo de sedação mais prolongado que o etomidato. Há um debate se a droga deve ser evitada em pacientes com hipertensão intracraniana. A evidência de que há malefício é fraca e alguns estudos sugerem que o uso é seguro [3].

Tabela 1
Uso da quetamina e suas doses
Uso da quetamina e suas doses

Outras indicações incluem analgesia, podendo reduzir a necessidade de opioides, e agitação psicomotora, com um trabalho mostrando superioridade a benzodiazepínicos [4]. Na tabela 1 há exemplos de indicações e de doses.

O que o estudo acrescentou?

Essa revisão sistemática do JAMA selecionou artigos incluindo pacientes com diagnóstico de depressão pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e que utilizaram as duas terapias propostas (ECT e quetamina). A pergunta principal é a eficácia e segurança da quetamina e da ECT. Foram selecionados 6 ensaios clínicos com um total de 340 pacientes.

A ECT foi superior à quetamina em relação aos sintomas de depressão. Apenas um estudo avaliou ideação suicida e ambos os grupos tiveram redução com o tratamento, sem diferença entre eles. Três trabalhos perceberam uma melhora mais rápida com a quetamina, em contraste com um trabalho que encontrou que ECT foi mais rápida na resposta. Dois trabalhos seguiram os pacientes por mais tempo e não encontraram diferença entre as terapias após um período de tempo mais prolongado.

Os pacientes do grupo ECT tiveram mais cefaléia e dor muscular, enquanto o grupo quetamina apresentou mais dissociação transitória, sintomas de despersonalização, vertigem, diplopia/nistagmo e visão embaçada.

Um estudo avaliou o desempenho neurocognitivo e a quetamina foi superior a ECT. Nesse estudo, não houve diferença de memória imediata e memória visual. Outro estudo avaliou a memória e não houve diferença entre os grupos.

Uma das grandes dificuldades dessa revisão sistemática é a não padronização dos protocolos entre os estudos incluídos. Além disso, todos os estudos separadamente possuem um pequeno número de pacientes. Dois estudos maiores estão em curso (CAN-BIND e ELEKT-D), ambos com estimativa de recrutar mais de 200 pacientes.

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