Corticoides na Pneumonia Adquirida na Comunidade
A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é responsável por mais de 600 mil internações anuais no Brasil. A estratificação de risco ajuda a guiar o tratamento. Atualmente, o uso de corticoides como medida terapêutica em PAC grave é controverso. Em março de 2023, o estudo CAPE COD [1], publicado no New England Journal of Medicine (NEJM), analisou o uso de corticoides na PAC grave e aproveitamos para revisar o assunto.
Como fazer estratificação de risco na PAC e o que é PAC grave?
Todo paciente com pneumonia adquirida na comunidade (PAC) deve ter seu risco de desfechos desfavoráveis avaliado. A avaliação deve levar em conta julgamento clínico, calculadoras prognósticas e condições de vulnerabilidade psicossocial. Isso ajuda a determinar o local de tratamento mais adequado, seja em ambiente hospitalar ou ambulatorial.
A ferramenta recomendada pela diretriz da Infectious Diseases Society of America/American Thoracic Association (IDSA/ATS) de 2019 é o Índice de Gravidade de Pneumonia (Pneumonia Severity Index, PSI) (confira a tabela 1). Desenvolvida para pacientes imunocompetentes com PAC, ela é eficaz na previsão da mortalidade em 30 dias e possivelmente superior a outros modelos preditivos, como o CURB-65 [2, 3]. Pacientes com PSI I ou II podem ser tratados ambulatorialmente, enquanto aqueles com PSI III devem ter sua decisão individualizada. Para PSI maior que III, o tratamento deve ser hospitalar.
Fatores sociais como acesso aos serviços de saúde, funcionalidade e capacidade de uso de medicamentos orais devem ser considerados na decisão de indicar ou não internação hospitalar.
Após a internação, deve-se decidir qual é o cenário hospitalar mais adequado: enfermaria ou unidade de terapia intensiva (UTI). Pacientes com sepse, choque séptico ou insuficiência respiratória devem sempre ser admitidos na UTI.
O PSI não é apropriado para identificar pacientes que precisam ser internados em UTI. Outros modelos prognósticos (IDSA/ATS 2007, SMART-COP e SCAP) podem ser utilizados para avaliar a necessidade de internação na UTI. Os critérios IDSA/ATS de 2007 são os mais utilizados (veja a tabela 2) e, se preenchidos, considera-se que o paciente tem uma PAC grave (confira o fluxograma 1).
Quais são as evidências do uso de corticoide na PAC?
A diretriz IDSA/ATS de 2019 não recomenda o uso de corticóides em pacientes com pneumonia adquirida na comunidade (PAC), independentemente da gravidade. O uso é restrito a pacientes com sinais de sepse e choque séptico, conforme a orientação do Surviving Sepsis de 2021 [4] (consulte o tópico "Vasopressores e Corticoide no Choque Séptico"). Em contraste, uma diretriz da Society of Critical Care Medicine (SCCM) e da European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) de 2017 recomenda o uso em pacientes com PAC hospitalizados [5].
As evidências para o uso de corticoides na PAC são inconsistentes. O ensaio clínico randomizado mais recente, de 2022, não encontrou diferença na mortalidade em 60 dias ao comparar metilprednisolona 40 mg e placebo em pacientes com PAC grave [6]. No entanto, o estudo teve baixo recrutamento e uso tardio de corticoides, o que pode ter reduzido seu efeito anti-inflamatório. Outros ensaios randomizados menores apresentaram alto risco de viés, critérios de inclusão variados e resultados variáveis em relação à mortalidade [7, 8].
Com relação às revisões sistemáticas disponíveis, os resultados também são conflitantes [9-12]. A dificuldade de padronizar os critérios de inclusão e a qualidade dos estudos avaliados colocam em dúvida o benefício de mortalidade encontrado em algumas destas revisões. Em uma destas, o benefício encontrado foi principalmente no subgrupo de pacientes com PAC grave [12].
Além da dúvida dos potenciais benefícios, o uso de corticoides pode causar efeitos adversos, como hiperglicemia e infecções secundárias [13].
O que o estudo encontrou?
O estudo CAPE COD foi realizado para avaliar a eficácia da hidrocortisona em pacientes com pneumonia grave. Foi um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, duplo-cego e de fase 3, realizado em 31 hospitais franceses.
O estudo focou em pacientes com pneumonia grave, conforme critérios específicos, para reduzir as discrepâncias dos estudos anteriores. Os pacientes foram incluídos se apresentassem pelo menos um dos seguintes critérios:
- Início de ventilação invasiva ou não-invasiva com PEEP ≥ 5 cmH2O
- Uso de cateter nasal de alto fluxo com FiO2 > 0.5 e relação pO2/FiO2 < 300
- Máscara não reinalante com estimativa de pO2/FiO2 < 300
- Índice de Gravidade de Pneumonia (PSI) > 130
Alguns critérios de exclusão foram: choque séptico (neste caso, por apresentar indicação de uso mais estabelecido), pneumonia aspirativa, diagnóstico de influenza, pneumonia hospitalar e uso de corticoides por outra condição.
A intervenção consistiu no uso de hidrocortisona 200 mg por 4 a 8 dias, com desmame até 8 a 14 dias no total (consulte o protocolo na tabela 3), comparado ao placebo. O desfecho primário foi mortalidade em 28 dias. Um total de 800 pacientes foram randomizados.
O estudo mostrou benefício no grupo intervenção quanto ao desfecho primário (redução absoluta de -5,6%; -9,6% a -1,7%, IC 95%; p = 0,006). Desfechos secundários, como necessidade de intubação orotraqueal, tempo de intubação e uso de vasopressores, também apresentaram benefícios.
Não houve diferença em infecções secundárias ou sangramento gastrointestinal, mas o grupo intervenção precisou de doses maiores de insulina por dia.
Este trabalho fortalece a indicação de corticoides em pacientes com pneumonia grave, principalmente levando em consideração a definição de PAC grave dos critérios de inclusão. Algumas situações comuns estavam nos critérios de exclusão, e o uso deve ser evitado nestes casos (exceto quando o critério de exclusão era uma situação com benefício consolidado de corticoides). Além disso, é necessário estar atento aos eventos adversos, como hiperglicemia.
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