Anticoagulação na Síndrome Antifosfolípide

Criado em: 01 de Maio de 2023 Autor: Marcela Belleza

A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma doença autoimune caracterizada por eventos trombóticos recorrentes e uma das bases do manejo é a anticoagulação. Em 2022 foi publicada uma metanálise no Journal of the American College of Cardiology sobre o uso de anticoagulantes diretos na SAF [1]. Nesse tópico revisamos o tema e trazemos o que esse estudo acrescentou.

Quais as manifestações da SAF e como fazer o diagnóstico?

A SAF tem três características marcantes:

  • Eventos trombóticos (venosos, arteriais e/ou microvasculares)
  • Complicações obstétricas
  • Persistência de anticorpos antifosfolípides (anticoagulante lúpico; anti-beta2-glicoproteína-1 e anticardiolipina)

O diagnóstico exige a presença de uma manifestação clínica (trombose ou complicação obstétrica) associada à positividade de anticorpos (critério laboratorial). Os detalhes sobre critérios clínicos e laboratoriais podem ser revisados na tabela 1 e foram detalhados no nosso Episódio 175: Síndrome Anticorpo Antifosfolípideo.

Tabela 1
Critérios diagnósticos Síndrome Antifosfolípide (SAF)
Critérios diagnósticos Síndrome Antifosfolípide (SAF)

Existem manifestações de SAF não contempladas nos critérios diagnósticos. Alguns exemplos são trombocitopenia, doença valvar cardíaca, nefropatia, manifestações cutâneas (pioderma gangrenoso e vasculopatia livedoide) e disfunção cognitiva [2].

A ocorrência de trombose de múltiplos órgãos indica uma expressão clínica de SAF com alto risco de morte, conhecida como SAF catastrófica. As manifestações são variáveis e incluem lesão renal aguda, hemorragia alveolar difusa e síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA ou SARA). O diagnóstico pode ser desafiador especialmente quando a presença de anticorpos antifosfolípides não é conhecida previamente [2].

Quais são as recomendações atuais para o manejo dos fenômenos trombóticos?

O manejo dos fenômenos trombóticos inclui a profilaxia primária em pacientes de alto risco, tratamento de fase aguda e prevenção secundária (após o evento trombótico estabelecido) [3].

Profilaxia primária:

  • Indicação: pacientes assintomáticos com alto risco trombótico. Este grupo de alto risco é caracterizado pela presença persistente de anticoagulante lúpico (mesmo que isoladamente) ou persistência de anticorpos antifosfolípides em combinação.
  • Recomendação: ácido acetilsalicílico (AAS) 75 a 100 mg/dia.

Profilaxia secundária em paciente com tromboembolismo venoso (TEV):

  • Indicação: pacientes com SAF confirmada e TEV.
  • Recomendação: antagonista de vitamina K (varfarina) com objetivo de RNI entre 2-3.

Profilaxia secundária em paciente com evento tromboembólico arterial:

  • Indicação: pacientes com SAF confirmada e evento tromboembólico arterial
  • Recomendação: antagonista de vitamina K (varfarina), com objetivo de RNI entre 2-3 ou 3-4 a depender do risco individual de trombose ou sangramento. A associação de AAS à varfarina (com alvo de RNI entre 2-3) pode ser considerada.

Recorrência de trombose (venosa ou arterial) na vigência de anticoagulação:

  • A principal recomendação é a avaliação da adesão à terapia, bem como investigação de outros fatores de risco (malignidade, risco cardiovascular elevado).
  • As diretrizes recomendam como alternativas: associar AAS 75-100 mg/dia ao antagonista de vitamina K, com objetivo de RNI entre 2-3; ou antagonista de vitamina K, com objetivo de RNI entre 3-4; ou troca para heparina de baixo peso molecular.

Na SAF catastrófica a principal recomendação é a combinação de corticosteróides, heparina e imunoglobulina ou plasmaférese. Opções como eculizumabe e rituximabe estão em estudo, especialmente em casos refratários. Além disso, deve-se procurar fatores precipitantes e tratá-los (especialmente infecções).

Existe espaço para anticoagulantes orais diretos (DOAC) na SAF?

Os estudos para avaliação dos anticoagulantes diretos (DOAC) na SAF são motivados pela sua facilidade posológica e ausência de necessidade de monitoramento. Além disso, já tem indicação estabelecida na prevenção de AVC em pacientes com fibrilação atrial não valvar e na terapia de tromboembolismo venoso (trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar) não associado à SAF [4].

A metanálise publicada pelo Journal of the American College of Cardiology em 2022 agrupou 4 ensaios clínicos randomizados, com um total de 474 indivíduos. Os estudos compararam DOAC (rivaroxabana ou apixabana) à varfarina em pacientes com SAF e evento tromboembólico prévio. Foram avaliados prevenção de novos eventos tromboembólicos (arteriais ou venosos) e segurança (incidência de sangramentos e mortalidade) [1].

Os DOACs foram associados a uma chance 5 vezes maior de eventos tromboembólicos arteriais (odds ratio 5.43), especialmente AVC isquêmico (odds ratio 10.74). Não houve diferença significativa na prevenção de TEV ou complicações hemorrágicas [1].

O que a metanálise acrescenta? Quais são as limitações do estudo?

A metanálise reforça as recomendações prévias de superioridade dos antagonistas de vitamina K no tratamento de pacientes com SAF. Em uma análise de subgrupos, os desfechos foram piores independente do tipo de SAF (triplo positiva ou outras combinações).

Uma das possíveis explicações para a superioridade dos antagonistas da vitamina K é o fato de agirem em várias etapas da cascata de coagulação [1, 4].

A metanálise incluiu poucos estudos e edoxabana e dabigatrana não foram avaliados.

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