Ultrassom à Beira Leito para Diagnóstico de Fasciíte Necrosante

Criado em: 01 de Maio de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

A fasciite necrosante é uma infecção grave e rara. O diagnóstico é difícil porque tem poucos sinais clínicos indicativos ou exames laboratoriais específicos. Em março de 2023 foi publicado no The American Journal of Emergency Medicine uma revisão sistemática sobre o uso da ultrassonografia à beira leito no diagnóstico dessa condição e aproveitamos para revisar o assunto [1].

O que são infecções necrosantes?

Infecções de pele e partes moles necrosantes podem acometer desde a derme e subcutâneo até a fáscia profunda e músculos e são caracterizadas por necrose tecidual em pelo menos um desses planos [2]. A depender do tecido acometido há uma nomenclatura diferente:

  • Celulite necrosante: presença de necrose em tecido subcutâneo
  • Fasciíte necrosante: necrose em fáscia profunda
  • Mionecrose: necrose de tecido muscular

Apesar dessa denominação, é comum na prática todas essas infecções serem referidas conjuntamente como fasciíte necrosante. Dependendo do local da infecção, a fasciíte necrosante pode receber outro nome. Em região perineal é chamada de gangrena de Fournier e na parede abdominal no pós-operatório é chamada de gangrena de Meleney.

Tabela 1
Classificação de fasciíte necrosante
Classificação de fasciíte necrosante

Existe também uma classificação microbiológica das infecções necrosantes de pele e partes moles [2] (tabela 1):

  • Tipo I: infecções polimicrobianas. Correspondem a 53% dos casos [3].
  • Tipo II: infecções monomicrobianas por gram-positivos com destaque para o Streptococcus do grupo A e Staphylococcus aureus.
  • Tipo III: infecções por Clostridium (Clostridium perfringens, Clostridium histolyticum ) - também conhecidas como gangrena gasosa - e infecções por gram-negativos. Destaque para Vibrio vulnificus e Aeromonas hydrophila associados a acidentes em água.
  • Tipo IV: infecções fúngicas por Candida e Zygomycetes (mucormicose).

Quadro clínico e diagnóstico

Calafrios, sensação de febre e mialgia podem estar presentes. Febre ocorre em apenas 30-60% dos casos [4-6]. Sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos e diarreia podem ocorrer no início do quadro.

Eritema (72%), edema (75-80%) e dor (72-79%) são os sinais clínicos mais frequentes dificultando a diferenciação de outras infecções cutâneas [7, 8]. A dor pode ser desproporcional à lesão de pele ou descrita como além das margens do eritema. Com a progressão da doença surgem equimoses, bolhas, crepitações e necrose cutânea.

Erro diagnóstico na primeira apresentação ocorre em 50-70% de casos, sendo comumente diagnosticadas inicialmente como celulite [9, 10].

A exploração cirúrgica é o método diagnóstico de escolha e também faz parte da terapia. Uma avaliação cirúrgica de urgência deve ser sempre solicitada na suspeita da fasciíte necrosante [2, 8, 11]. Exames laboratoriais e de imagem podem auxiliar no diagnóstico, mas a espera por resultados não deve atrasar a avaliação cirúrgica.

Aumento de proteína C reativa (PCR) e leucocitose podem ocorrer, mas são inespecíficos. Hiponatremia, disfunção renal e hiperlactatemia também são achados relatados [2, 6, 8].

Existe um escore que utiliza exames laboratoriais - PCR, hemoglobina, sódio, leucócitos, creatinina e glicemia - para tentar identificar fasciíte necrosante, o escore laboratory risk indicator for necrotizing fasciitis - LRINEC [12]. Os detalhes de como é feita a pontuação do LRINEC estão na tabela 2. Uma revisão sistemática e meta análise de 2019 publicada no Annals of Surgery identificou que para o diagnóstico de fasciíte necrosante, um LRINEC ≥ 6 tem sensibilidade de 68% e especificidade de 84% e LRINEC ≥ 8 tem sensibilidade de 40% e especificidade de 94% [13].

Tabela 2
Escore LRINEC
Escore LRINEC

Tanto a tomografia computadorizada quanto a ressonância magnética podem ser usadas na avaliação de infecções necrosantes. A tomografia apresenta sensibilidade 80% enquanto a ressonância magnética tem sensibilidade maior que 90%, mas ambas não possuem alta especificidade [14-17]. A dificuldade de ambas é a baixa disponibilidade e a dificuldade em realizar o exame.

Ultrassom à beira leito

O estudo publicado no The American Journal of Emergency Medicine foi uma revisão sistemática sobre o uso da ultrassonografia à beira leito no diagnóstico de fasciíte necrosante [1]. Foram avaliados 3 estudos observacionais, 2 séries de casos e 16 relatos de casos. A maior parte dos estudos usou um probe linear na investigação. Em alguns estudos o exame foi feito por equipe de médicos que haviam recebido treinamento, mas em outros foi um profissional experiente.

A sensibilidade encontrada foi de 75 a 100% e a especificidade de 70% a 98%, mas o baixo número de pacientes dificulta uma estimativa real desses valores. Os achados ultrassonográficos relacionados a fasciíte necrosante são espessamento ou irregularidade do tecido subcutâneo, presença de ar e/ou líquido na fáscia profunda, agrupados no acrônimo STAFF (Subcutaneous irregularity or Thickening, Air and Fascial Fluid). O achado mais comum nos estudos foi presença de líquido na fáscia com mais de 2 mm de profundidade . Um dos protocolos sugeridos de avaliação de fasciíte necrosante é conhecido pelo acrônimo SEFE (sonographic exploration for fascial exploration ) e possui 4 passos (tabela 3) [18].

Tabela 3
Protocolo SEFE para avaliação de fasciíte necrosante
Protocolo SEFE para avaliação de fasciíte necrosante

Esse estudo ressalta o papel de uma nova modalidade diagnóstica de fasciíte necrosante. Aguarda-se estudos maiores para avaliar o impacto do uso da ultrassonografia à beira leito no diagnóstico dessa condição.

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