Hiperuricemia Assintomática e Alopurinol
Alopurinol para controle de ácido úrico em pacientes com gota é bem estabelecido. A controvérsia começa no controle da hiperuricemia em pacientes assintomáticos. Pegando carona em um estudo recente sobre o tema, vamos revisar as evidências sobre esse tópico [1].
O que é hiperuricemia assintomática?
De maneira geral, a hiperuricemia assintomática (HA) é definida por níveis de ácido úrico maiores que 7 mg/dL, na ausência de gota ou doença renal por ácido úrico. HA está associada com doenças renais, cardiovasculares e metabólicas. Apesar da associação, não é possível afirmar com certeza que o ácido úrico causa ou agrava essas condições.

Há também uma possível relação inversa entre hiperuricemia e doenças neurológicas degenerativas (doença de Parkinson e Alzheimer).
Causas de hiperuricemia podem ser vistas na tabela 1.
Como fazer a Investigação?
Dosagem de ácido úrico não deve ser feita de rotina como rastreio populacional. Contudo, é frequente encontrar pacientes com ácido úrico elevado na prática ambulatorial. O primeiro passo é realizar uma nova dosagem com intervalo de pelo menos uma semana para confirmar a alteração.
História e exame físico devem procurar manifestações de doenças por urato (gota e nefropatia) e causas de hiperuricemia. A maioria dos pacientes tem um dos fatores da tabela 1. Doenças linfoproliferativas podem elevar a uricemia. É importante atentar para essa possibilidade em níveis bastante elevados sem uma clara explicação.
Em homens com menos de 25 anos e mulheres antes da menopausa com níveis elevados sem uma explicação clara, a investigação pode prosseguir. A determinação da fração de excreção de ácido úrico na urina (FEur) auxilia na determinação do mecanismo da elevação. FEur alta (> 10%) sugere excesso de produção, já FEur baixa (< 6%) indica redução da excreção.
Como é o Manejo?
Todos os pacientes com hiperuricemia devem ser informados sobre medidas não farmacológicas que reduzem os níveis de ácido úrico. As medidas são:
- Redução do índice de massa corporal
- Redução da ingestão de álcool
- Evitar bebidas adoçadas artificialmente
- Realizar exercícios regulares
Ao escolher anti-hipertensivos, levar em consideração os que reduzem a uricemia. Anti-hipertensivos que reduzem a uricemia são losartana e bloqueadores dos canais de cálcio. Outros bloqueadores do receptor de angiotensina II, excetuando a losartana, não reduzem a uricemia.
De maneira geral, terapia hipouricemiante com alopurinol não é recomendada para pessoas com HA. Um estudo de 2017 não encontrou benefício de terapia hipouricemiante no manejo da pressão arterial. Na mesma linha, dois ensaios clínicos publicados no New England Journal of Medicine em 2020 foram negativos. Os estudos CKD-FIX e PERL utilizaram alopurinol em pacientes com doença renal crônica (DRC) e não conseguiram reduzir a progressão da DRC [2, 3].
Particularidades do alopurinol
O alopurinol é a droga mais utilizada para manejo dos níveis de ácido úrico. A medicação reduz a produção de AU inibindo a enzima xantina oxidase. Apesar de não ser recomendada para pessoas com HA, é comum encontrar pacientes em uso da medicação sem uma indicação clara. Assim, é importante conhecer algumas peculiaridades da medicação.
Alopurinol deve ser iniciado em baixa dosagem (100 mg), com incrementos ao longo das semanas. Em pacientes com DRC, a dose inicial deve ser menor.
Efeitos colaterais graves são descritos com alopurinol, apesar de incomuns. Lesões cutâneas, trombocitopenia, leucopenia e diarréia ocorrem em 3 a 5% dos pacientes. Reações cutâneas graves, incluindo a síndrome DRESS (rash por droga, eosinofilia e sintomas sistêmicos), ocorrem com mais frequência em pessoas com o alelo HLA B*58:01. Pacientes chineses, tailandeses, coreanos e negros americanos tem maior chance de possuírem esse alelo. Várias sociedades recomendam rastrear esses pacientes para a presença do alelo antes de iniciar a medicação. Diuréticos e DRC também são fatores de risco para lesões cutâneas graves.
Alopurinol intensifica o efeito imunossupressor de azatioprina e aumenta a chance de lesão cutânea por ampicilina.
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