Uso de Cateter Nasal de Alto Fluxo (CNAF) na Insuficiência Respiratória Aguda
A pandemia de COVID-19 causou um aumento no uso do cateter nasal de alto fluxo (CNAF) na insuficiência respiratória aguda. Apesar disso, a disponibilidade desse recurso ainda é reduzida. Em 2023, duas revisões sobre uso do CNAF foram publicadas na Intensive Care Medicine e aproveitamos para revisar o tema neste tópico [1, 2].
Como funciona o cateter nasal de alto fluxo (CNAF)?
Pacientes com desconforto respiratório geram fluxos de ar maiores do que capacidade das cânulas de oxigênio habituais. Apenas aumentar a fração inspirada de oxigênio (FiO2) não é suficiente para manter uma boa oxigenação nesses casos. Se o paciente tiver um fluxo de ar maior que o aparelho, ele vai puxar parte do ar inspirado do ambiente, diluindo a FiO2.
O CNAF fornece fluxos de até 50 a 60 L/min, estabilizando a entrega de FiO2, evitando a diluição com ar do ambiente. Em comparação com máscaras de Venturi, o CNAF otimiza a relação PaO2/FiO2, a pressão arterial de CO2 e a frequência respiratória [3, 4].
Além do mecanismo de oferta constante de FiO2, o CNAF tem outros benefícios potenciais:
- Redução do espaço morto, por otimizar a lavagem de CO2 da via aérea alta, principalmente nasofaringe [5]
- Redução do trabalho respiratório [3]
- Aumento da pressão de via aérea com oclusão oral em até 6 cmH2O a depender do fluxo estabelecido [4]
- Redução da lesão pulmonar auto-infligida pelo paciente (patient self inflicted lung injury, conhecida pela sigla em inglês P-SILI) quando comparado à dispositivos de baixo fluxo
CNAF na insuficiência respiratória (IRp) hipoxêmica
Em pacientes com IRp aguda hipoxêmica, a diretriz da European Respiratory Society (ERS) e da European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) recomenda o uso do CNAF no lugar da terapia convencional de baixo fluxo [6, 7].
Esta recomendação é baseada principalmente no estudo FLORALI de 2015 [8]. Este trabalho avaliou pacientes com IRp hipoxêmica (relação pO2/FiO2 ≤ 300 com uso de oxigênio ≥ 10 L/min), sendo pneumonia a causa mais comum da IRp. Os pacientes foram randomizados para uso de terapia de baixo fluxo, CNAF ou VNI e o desfecho primário foi necessidade de intubação em 28 dias. Não houve diferença entre os três grupos. Em uma análise de subgrupo dos pacientes com relação pO2/FiO2 ≤ 200, o CNAF reduziu a necessidade de intubação orotraqueal.
Pacientes com hipercapnia e edema agudo pulmonar cardiogênico foram excluídos deste estudo, pois sabidamente tem benefício com o uso de VNI (veja a o tópico "Ventilação Não Invasiva (VNI)").
A diretriz da ERS indica o uso de CNAF no lugar da VNI em pacientes com IRp hipoxêmica, excluídos aqueles com edema pulmonar cardiogênico. A qualidade das evidências da comparação VNI e CNAF é baixa. Embora alguns estudos encontrem benefício de mortalidade com o CNAF, os parâmetros de uso da VNI são heterogêneos entre os estudos. Mesmo no FLORALI, os pacientes passavam pouco tempo na VNI, utilizavam níveis baixos de PEEP e muitas vezes com volumes altos, o que pode ter favorecido o resultado em favor do CNAF.
Em uma análise de subgrupo do FLORALI apenas com imunossuprimidos, a VNI se relacionou com aumento de mortalidade. Contudo, esse grupo foi sub-representado no estudo. Em 2022 foi publicado o FLORALI-IM, que randomizou pacientes imunossuprimidos com IRp hipoxêmica para CNAF ou VNI. Não houve diferença no desfecho primário de mortalidade e no secundário de intubação orotraqueal [9].
Pacientes em uso de CNAF devem ser reavaliados frequentemente. Atraso na detecção de falha da terapia está relacionado a piores desfechos [10]. Uma ferramenta auxiliar na detecção de falha precoce é o índice de ROX, calculado da seguinte maneira: SpO2/FiO2/FR, com FiO2 expressa em porcentagem. Validado em pacientes com pneumonia antes da pandemia de COVID-19, deve ser avaliado com 2, 6 e 12 horas do início do CNAF. Um índice < 4,88 em conjunto com o julgamento clínico tem alta acurácia para predizer necessidade de VM, devendo-se considerar a intubação [11].
O índice ROX não apresenta validação adequada em pacientes imunocomprometidos e com COVID-19.
Uso em outras situações
O CNAF pode ser utilizado para prevenir falha de extubação. Nesse contexto, os pacientes são divididos em cirúrgicos e não-cirúrgicos.
Pacientes não-cirúrgicos
Nesse grupo estão pacientes que foram intubados por IRp aguda ou que apresentaram intercorrências respiratórias durante a intubação.
Os pacientes são classificados como de baixo e de alto risco de falha de extubação. Pacientes de alto risco são os que desenvolvem hipercapnia durante o teste de respiração espontânea, com doenças cardíacas e respiratórias crônicas, com idade avançada e com problemas de permeabilidade das vias aéreas. Os de baixo risco são os que não possuem essas características.
- Pacientes de baixo risco: a diretriz da ERS recomenda o uso do CNAF no lugar da terapia convencional de oxigênio após a extubação. O uso de CNAF neste contexto pode reduzir a necessidade de reintubação quando comparado à terapia convencional [12]. Há dúvidas se esta medida é custo efetiva, apesar de um estudo britânico de custo-efetividade ter encontrado benefício do uso do CNAF [13].
- Pacientes de alto risco: a diretriz da ERS recomenda o uso da VNI no lugar do CNAF nestes pacientes. O uso do CNAF pode estar associado a maior risco de reintubação. O uso do CNAF entre os períodos de VNI deve ser considerado. Em pacientes intolerantes à VNI, o CNAF pode ser usado por ser mais confortável [14, 15].
Pacientes cirúrgicos
- Pacientes de baixo risco: não há recomendação sobre a preferências de terapia utilizada nestes pacientes.
- Pacientes de alto risco: recomenda-se uso da VNI ou do CNAF nestes pacientes. Nestes casos a VNI é mais estudada, com poucos estudos comparativos entre VNI e CNAF [16]. Em casos de cirurgias esofágicas ou gástricas, em que o risco de ruptura de anastomose é alto com o uso de VNI, o CNAF pode ser a preferência.
Para mais detalhes sobre extubação e testes de respiração espontânea, veja o tópico "Desmame de Ventilação Mecânica e Testes de Respiração Espontânea".
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