DPOC Refratária e Dupilumabe
Em maio de 2023, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou um trabalho com dupilumabe para o tratamento de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) com alto risco de exacerbação [1]. Aproveitando a publicação, este tópico revisa o tratamento dessa fase da doença e a possível aplicação da nova medicação.
Como avaliar o paciente com DPOC refratária?
Pacientes com DPOC são classificados de acordo com a gravidade da doença. A intensidade dos sintomas e o risco de exacerbação são os principais determinantes de gravidade e servem como guia para a escolha de terapia [2]. A nova classificação do Global Initiative for Chronic Lung Disease (GOLD) para os pacientes com diagnóstico de DPOC foi abordada na revisão Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - GOLD 2023. A tabela 1 resume as principais recomendações.
A publicação de 2023 do GOLD indica que indivíduos com DPOC e alto risco de exacerbação (classe GOLD-E) recebam terapia com duas classes de broncodilatadores inalatórios. Essa combinação deve ser feita com um beta agonista de longa ação (LABA) e um antimuscarínico de longa ação (LAMA) [2].
A terapia tripla inalatória para a DPOC envolve o uso de LABA e LAMA associados a um corticoide inalatório. Deve ser reservada para pacientes GOLD-E com eosinófilos em sangue periférico ≥ 300 células/µL ou que mantêm exacerbações apesar da terapia dupla inalatória e com eosinófilos ≥ 100 células/µL [2].
Alguns pacientes mantêm sintomas ou exacerbações apesar da terapia tripla. Nesses casos, três características devem ser avaliadas antes de considerar novos medicamentos [2, 3]:
- Adesão à terapia inalatória e técnica adequada do uso dos dispositivos. A mudança do dispositivo pode ser benéfica.
- Adesão às terapias não farmacológicas: cessação de tabagismo e exposições, terapia de reabilitação e vacinação (COVID, pneumococo, influenza e pertussis) devem ser lembradas para todos os pacientes. Alguns casos podem ter indicação de oxigenoterapia domiciliar.
- Diagnósticos diferenciais para os sintomas: insuficiência cardíaca, asma, doença do refluxo gastroesofágico, bronquiectasia.
Quais são as opções além da terapia inalatória?
Azitromicina
Antibióticos da classe dos macrolídeos já foram estudados para controle de sintomas e exacerbações na DPOC refratária. A azitromicina é a droga mais estudada nesse contexto [4, 5].
A recomendação é para pacientes em terapia tripla inalatória que mantêm exacerbações. Após um ano de uso, a azitromicina foi associada a menor incidência de exacerbações. O benefício é maior em pacientes que não são tabagistas ativos [2].
Azitromicina pode ser usada em dose de 250 mg todos os dias ou 500 mg três vezes na semana. Eventos adversos como ototoxicidade, prolongamento do intervalo QT e aumento da resistência bacteriana devem ser considerados ao prescrever a medicação.
Roflumilast
Roflumilast é um inibidor da fosfodiesterase 4, que atua na redução da inflamação da via aérea. Seu uso na DPOC mostrou melhora da função pulmonar e diminuição de exacerbações moderadas a graves [6-8].
Está indicado para pacientes que mesmo em uso de terapia tripla inalatória apresentam exacerbações, volume expiratório forçado no primeiro segundo < 50% e bronquite crônica. Bronquite crônica é tosse produtiva por três meses em dois anos consecutivos. O benefício é maior quando as exacerbações levam à hospitalização. A dose inicial recomendada é de 250 mcg ao dia, com progressão para 500 mcg ao dia após quatro semanas [2].
Os principais efeitos adversos são gastrointestinais (náuseas, vômitos, dor abdominal) e neurológicos leves (cefaleia e alteração do sono). Deve ser usado com cuidado em pacientes com baixo peso e depressão.
Qual é a evidência para uso do dupilumabe na DPOC?
O dupilumabe é um anticorpo monoclonal humano que bloqueia os receptores de interleucinas 4 e 13. Seu uso já foi avaliado no tratamento de esofagite eosinofílica, dermatite atópica e asma [9-11].
Em maio de 2023, foi publicado um estudo de fase 3, randomizado e duplo cego para avaliação do dupilumabe em pacientes com DPOC [1]. Mais de 900 pacientes com DPOC foram randomizados entre o grupo placebo (GP) e dupilumabe (GD). Todos tinham exacerbação da doença no último ano (uma internação ou duas exacerbações moderadas), eosinófilos ≥ 300 células/µL e estavam em terapia tripla inalatória. Foram excluídos pacientes com asma.
Os pacientes do grupo dupilumabe receberam doses de 300 mg a cada duas semanas por 52 semanas. Após esse período, todos foram seguidos por mais 12 semanas. O desfecho primário observado foi a incidência de exacerbações.
O grupo que recebeu dupilumabe teve redução de exacerbações moderadas a graves comparado com placebo (0,78 vs 1,1 eventos anuais). Também foi observada melhora da qualidade de vida e de controle de sintomas, ambos avaliados por escalas específicas.
Os efeitos adversos mais comuns foram nasofaringite, infecção de trato respiratório superior e cefaléia. Não houve diferença significativa em mortalidade e na incidência de eventos adversos entre os grupos.
O dupilumabe parece ser uma nova possibilidade na DPOC com eosinofilia refratária à terapia tripla. São necessários novos estudos para validação do uso e aprovação pelas agências regulatórias. O custo elevado é um limitante à utilização na prática.
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