Insulina de Ação Semanal
A insulina icodeca tem duração de uma semana e é a primeira insulina considerada ultra longa. Este tópico traz os quatro ensaios clínicos sobre a icodeca publicados em junho de 2023 e revisa as insulinas basais e suas indicações no diabetes tipo 2.
Insulinas basais: o que são e quais as diferenças entre elas?
Insulinas basais têm objetivo de controle glicêmico durante períodos longos do dia, independentemente das refeições. Atualmente, há quatro opções: NPH, detemir, glargina e degludeca (tabela 1).
A NPH é a insulina mais disponível no SUS e é classificada como de ação intermediária, com um efeito de aproximadamente 12 horas. Deve ser administrada pelo menos duas vezes ao dia, caso o objetivo seja a cobertura durante todas as 24 horas. Uma vantagem da NPH é que pode ser aplicada junto da insulina regular que é uma insulina prandial. As insulinas prandiais têm ação curta e são aplicadas antes das refeições com o objetivo de controle do pico glicêmico pós prandial. As insulinas prandiais não serão abordadas neste tópico.
A detemir tem ação que pode chegar a 24 horas, caso seja feita em doses acima de 0,8 unidades por quilo. As insulinas glargina e degludeca não fazem pico de dose e são as insulinas com maior meia-vida, chegando a mais de 24h de tempo de ação.
A glargina diminui o número de hipoglicemias em comparação com a NPH, sendo uma opção nos pacientes de maior risco desse evento adverso [1]. Esse benefício com a glargina ocorre por conta de uma ação melhor distribuída ao longo do tempo. A glargina concentrada (U-300) está disponível no Brasil, tem duração maior do que 24 horas e tem efeitos semelhantes a fórmula tradicional (U-100).
A degludeca tem duração de ação de mais de 40 horas e atinge níveis estáveis após 3 a 5 dias de uso. Em comparação à glargina, tem resultados semelhantes quanto a desfechos cardiovasculares e causa menos hipoglicemia.
Os principais efeitos colaterais das insulinas são hipoglicemia e ganho de peso [2]. Não há diferença significativa entre eficácia de controle glicêmico entre as insulinas basais [3].
Quando e como prescrever insulinas no diabetes tipo 2?
O diabetes mellitus do tipo 2 (DM2) deve ser tratado com antidiabéticos orais na maior parte dos casos. As insulinas não são melhores do que outros antidiabéticos com relação a desfechos cardiovasculares, desde que o controle glicêmico seja atingido [2]. A meta de hemoglobina glicada (HbA1C) é abaixo de 7% na maioria dos adultos saudáveis.
A insulina está indicada quando há hiperglicemia grave - HbA1C > 10% ou glicemias aleatórias acima de 300 mg/dL - ou sintomática - perda de peso, polidipsia, polifagia ou poliúria [3]. É possível que o controle glicêmico otimize a função das células beta pancreáticas e melhore a sensibilidade à insulina. Em alguns casos, os pacientes conseguem substituir a insulina por antidiabéticos orais [4].
Os antidiabéticos orais são discutidos mais a fundo no episódio 15: Segunda Droga em Diabetes.
O esquema de insulina inicial recomendado no DM2 é o de insulina basal. Não há diferenças em relação a desfechos cardiovasculares na comparação entre insulinas basais e prandiais. O uso inicial de basal é associado a maior satisfação dos pacientes e menos hipoglicemias [5, 6].
A Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda a dose inicial de insulina de 0,1 - 0,2 UI/kg/dia. Caso a insulina basal seja a NPH, essa dose deve ser feita preferencialmente antes de dormir. O uso de esquemas complexos em que se combina insulinas basais e prandiais é o método de escolha no diabetes mellitus tipo 1 (DM1) e pode ser utilizado em casos de difícil controle no diabetes tipo 2.
Após o início da insulina, é sugerida a suspensão de sulfonilureias e glinidas para redução do risco de hipoglicemias.
O fluxograma 1 traz sugestões de como deve ser manejado o esquema de insulina no DM2. Detalhes sobre esse esquema estão no episódio 131: Insulinoterapia no DM2.
Icodeca - a insulina de duração semanal
Publicados no New England Journal of Medicine, Journal of the American Medical Association (JAMA) e Lancet, os ensaios clínicos ONWARDS 1, 2, 3 e 4 foram estudos de fase 3 que testaram a insulina icodeca [7-10]. Esse tipo de insulina tem duração de uma semana. A medicação foi desenvolvida pela Novo Nordisk e todos os trabalhos foram desenhados e patrocinados pela empresa.
Todos os quatro estudos foram multicêntricos, com mais de 500 pacientes e avaliaram a aplicação de icodeca em pacientes com DM2 e HbA1C >7% que precisavam intensificar o tratamento. O desfecho primário foi a diferença no controle de HbA1C antes e após a intervenção.
A icodeca foi superior a glargina e degludeca no controle de HbA1C nos pacientes com DM2 que não utilizavam insulina previamente. A diferença foi pequena e o impacto clínico discutível. As doses iniciais foram 70 unidades por semana com ajustes de 20 unidades por semana após aferição por 3 dias consecutivos previamente ao dia da aplicação. Icodeca foi superior à degludeca e não inferior à glargina no controle de HBA1C, nos pacientes com DM2 que utilizavam esquema basal e prandial (basal-bolus).
A icodeca levou a mais episódios de hipoglicemias em todos os trabalhos, mas que foram considerados raros e dentro do esperado para insulinas basais. Os eventos em sua maioria eram de hipoglicemia nível 1 (70 a 54 mg/dL) ou 2 (< 54 mg/dL sem sintomas cognitivos com necessidade de assistência).
O desfecho de alvo glicêmico é um desfecho importante e está relacionado a complicações da diabetes. Esses estudos não avaliaram diretamente as complicações da diabetes, até porque a duração de acompanhamento não seria suficiente para chegar a conclusões.
A diferença de eficácia em relação às outras insulinas lentas parece ser pequena, porém essa nova insulina precisa de menos aplicações, o que pode facilitar a aderência. É preciso vigilância em relação a hipoglicemias, especialmente fora de um contexto supervisionado como um ensaio clínico.
Aproveite e leia:
Novos Critérios Diagnósticos e Rastreio de Diabetes e Pré-Diabetes
Em julho de 2024, a Sociedade Brasileira de Diabetes atualizou a sua diretriz de diagnóstico e rastreio de diabetes e pré-diabetes. O documento traz mudanças para a prática clínica. O tópico “Novos critérios diagnósticos e rastreio de diabetes e pré-diabetes” comenta sobre as recomendações da diretriz.
Doença de Behçet
A doença de Behçet é uma vasculite inflamatória multissistêmica caracterizada por uma evolução com períodos de remissões e recidivas. A doença pode acometer artérias, veias e capilares de diferentes diâmetros. Esse tópico explora a doença, inspirado em duas revisões recentes publicadas no New England Journal of Medicine e Lancet em fevereiro de 2024.
Reposição de Vitamina D
Em julho de 2022, um grande ensaio clínico randomizado sobre vitamina D e desfechos ósseos foi publicado no New England Journal of Medicine. Vamos discutir sobre esse assunto que é alvo de uma das maiores polêmicas endocrinológicas da atualidade!
Manejo da Agitação na Demência: Consenso da Associação Internacional de Psicogeriatria
Alterações comportamentais são comuns nos pacientes com doenças neurocognitivas. Esses sintomas são conhecidos pela sigla BPSD (Behavioral and Psychological symptoms of dementia). Neste tópico, vamos trazer o consenso de março de 2023 da Associação Internacional de Psicogeriatria (IPA, em inglês) sobre o manejo de um dos BPSD mais importantes do dia a dia do clínico: a agitação.
Doenças Comuns da Mão
As condições osteomusculares da mão são comuns e incapacitantes. Aproveitando uma revisão recente do Journal of American Medical Association (JAMA) sobre o tema, vamos revisar o diagnóstico e tratamento das principais condições nesse cenário.