Eritropoetina
A eritropoetina (EPO) é um hormônio estimulador da produção de hemácias (eritropoiese) produzido no córtex renal. A eritropoetina humana recombinante (rhEPO) é um agente estimulador da eritropoiese exógeno. Este tópico revisa as indicações, doses e efeitos adversos da rhEPO, especialmente no contexto de doença renal crônica [1].
Indicações de eritropoetina
O objetivo do uso de eritropoetina exógena é a correção dos níveis de hemoglobina e desfechos como necessidade de transfusão e controle de sintomas. As quatro principais indicações para uso de rhEPO estão listadas abaixo:
- Manejo da anemia na doença renal crônica (DRC), principalmente quando a taxa de filtração glomerular (TFG) é menor que 60 ml/min [1, 2].
- Tratamento da anemia em consequência de quimioterapia em pacientes com neoplasias não mieloides [3]
- Correção da anemia causada pela zidovudina (AZT) [4]
- Redução da necessidade de transfusão de hemácias em pacientes submetidos à cirurgia eletiva (exceto cardíaca e vascular), com hemoglobina entre 10 e 13 g/dL no perioperatório e alto risco de sangramento [5, 6].
Como manejar a anemia na DRC?
Anemia é uma complicação da DRC que deve ser rastreada. Recomenda-se dosagem de hemoglobina anual em pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) estimada entre 30 e 60 ml/min e semestral em pacientes com TFG estimada menor que 30 ml/min.
Caso se confirme a anemia, o próximo passo é a análise do perfil de ferro. A deficiência absoluta de ferro no paciente com DRC é definida por [7]:
- Índice de saturação de transferrina (IST) < 20% e ferritina < 100 μg/l em pacientes que não estão em terapia de hemodiálise (HD)
- IST < 20% e ferritina < 200 μg/l em pacientes em HD
Nos pacientes com deficiência absoluta de ferro, o ferro deve ser reposto antes de considerar prescrever eritropoietina. A escolha sobre a via de reposição de ferro depende do tipo de terapia renal. A reposição com ferro via oral é recomendada aos pacientes que não realizam HD, incluindo aqueles em tratamento conservador ou diálise peritoneal. Nos pacientes em HD, o ferro intravenoso (IV) é preferido. A administração pode ser realizada na sessão de diálise, garantindo melhor absorção [1].
A tabela 1 detalha os esquemas de reposição de ferro nessas situações. Mais informações sobre a reposição intravenosa de ferro foram revisadas no tópico Reposição Intravenosa de Ferro.
Os estoques de ferro devem ser reavaliados a cada três meses nos pacientes em uso de ferro oral e após o esquema de reposição IV. Níveis adequados de estoques de ferro são:
- Em pacientes que não estão em HD: IST entre 20 e 50%; ferritina entre 100 e 500 μg/L.
- Em pacientes em HD: IST entre 20 e 50%; ferritina entre 200 e 500 μg/L.
Como prescrever eritropoetina na DRC?
Os agentes estimuladores da eritropoiese (AEE) devem ser reservados para pacientes com DRC que mantêm hemoglobina menor que 10 g/dl apesar da correção de estoques de ferro. A alfaepoetina é o AEE mais utilizado e está disponível na apresentação de frasco-ampola com 1.000 UI, 2.000 UI, 3.000 UI, 4.000 UI ou 10.000 UI. A administração intravenosa é mais prática em pacientes em HD, porém a via subcutânea é mais eficiente. A darbepoetina é outra opção, usada com menor frequência. As doses recomendadas para início da terapia com alfaepoetina e darbepoetina estão descritas na tabela 2 [8, 9].
O objetivo do tratamento com AEE é aumentar os níveis de hemoglobina em 1 g/dL ao fim do primeiro mês. Recomenda-se dosar a hemoglobina semanalmente. Caso ocorra elevação em 1 g/dL nas primeiras duas semanas, a dose do AEE deve ser reduzida em 25 a 50%. Caso a elevação esperada não ocorra ao fim do primeiro mês, a dose deve ser aumentada em 25 a 50%. A hipertensão é um dos efeitos colaterais mais comuns com uso de AEE e deve ser monitorada [1].
O alvo de hemoglobina na DRC é de até 12 g/dL. Níveis superiores a 13 g/dL têm comprovada associação com AVC e complicações tromboembólicas [1].
Uso da eritropoetina no câncer
O uso do AEE em pacientes com câncer é limitado devido aos seus efeitos colaterais como tromboembolismo, AVC e hipertensão. Existe também um risco aumentado de progressão da neoplasia, especialmente em pacientes com tumores sólidos. A fisiopatologia para esse crescimento neoplásico com uso de AEE parece ser multifatorial e ainda não totalmente esclarecida. Assim, a recomendação para o uso no paciente com câncer é restrita [10].
Os AEE são recomendados em pacientes com câncer quando a anemia é secundária à quimioterapia mielossupressora sem intenção curativa. Essa orientação reduz a necessidade de transfusão e melhora os sintomas da anemia. Em pacientes com câncer e anemia não associada à quimioterapia não se recomenda usar um AEE. Nos pacientes com mielotoxicidade secundária à quimioterapia com intenção curativa também evita-se usar um AEE [11].
Em pacientes com DRC e câncer, as diretrizes recomendam o uso de AEE com cautela, apenas se hemoglobina menor que 10 g/dL e na menor dose possível. A hemoglobina não deve ultrapassar 12 g/dL durante o uso de AEE nesses pacientes, devido à maior associação com mortalidade. Pacientes com DRC e câncer curado podem usar os AEEs nas indicações usuais [10, 12].
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