Tratamento de Acne e Uso de Espironolactona
Acne é a principal causa de visitas a dermatologistas no Brasil. O tratamento pode envolver medicações tópicas ou sistêmicas. O estudo The Spironolactone for Adult Female Acne (SAFA), publicado em maio de 2023 no British Medical Journal, avaliou o uso da espironolactona para tratamento de acne em mulheres [1]. Este tópico revisa a doença e traz os resultados do estudo.
O que é acne?
É uma doença inflamatória da unidade pilossebácea. As lesões primárias são as pápulas, pústulas, nódulos e comedões, que se distribuem principalmente pela face, mas também pela região de dorso, tórax e ombros.
As causas são multifatoriais e têm relação com o aumento da produção de sebo, hiperqueratinização do infundíbulo folicular, inflamação e presença do Cutibacterium acnes (antigo Propionibacterium acnes). Alguns medicamentos como fenitoína, lítio, corticoides e contraceptivos hormonais predispõem à acne. O hiperandrogenismo e a síndrome dos ovários policísticos (SOP) aumentam o risco da doença.
A acne afeta 85% das pessoas entre 12 e 25 anos e pode persistir nos adultos. Os impactos psicológicos são semelhantes aos de outras doenças crônicas como epilepsia, artrite e asma. Ansiedade, baixa auto-estima e depressão são mais frequentes nessa população, bem como as taxas de desemprego são maiores [2].
Como tratar a acne?
Todos os pacientes com acne devem receber quatro orientações de cuidado com a pele (skin care) [3]:
- Usar sabonetes adequados (não alcalinos) para lavar o rosto, duas vezes ao dia.
- Evitar utilizar maquiagem ou protetor solar com base oleosa e comedogênica.
- Sempre remover os produtos da pele ao final do dia.
- Não coçar ou mexer nas lesões do rosto.
Não existe consenso sobre a classificação da gravidade da acne. O número de lesões e a intensidade da inflamação devem ser considerados.
Para acne leve a moderada, são recomendadas combinações de medicamentos tópicos. O peróxido de benzoíla pode ser associado ao adapaleno, tretinoína ou clindamicina nesses pacientes. A tabela 1 reúne as opções de tratamento tópico [2-6].
Casos de acne moderada a grave são tratados com medicamentos orais. Um antibiótico oral deve ser associado (tabela 2) ou utilizar isotretinoína (retinoide sistêmico) isoladamente. É contraindicado o uso concomitante da isotretinoína com tetraciclinas pelo risco de hipertensão intracraniana.
A resposta ao tratamento com antibióticos ocorre nas primeiras 12 semanas. A terapia deve ser reavaliada após esse período e os antibióticos orais não devem ser mantidos por mais de quatro meses, pelo risco de resistência bacteriana. Não é recomendada associação de antibióticos (tópicos e sistêmicos).
Outros tratamentos sistêmicos são o uso de anticoncepcionais orais combinados e espironolactona, um diurético poupador de potássio com ação antiandrogênica.
Quando e como indicar isotretinoína?
Casos de acne moderada a grave que não responderam a outras terapias podem ser manejados com isotretinoína, um retinoide sistêmico que age em todos os mecanismos fisiopatológicos da doença. Os efeitos adversos mais comuns são a queilite, ressecamento da pele, olhos e mucosa nasal. Também pode causar alopecia, granuloma piogênico, fotossensibilidade, artralgias, mialgias, cefaléia, anorexia, insônia e irritabilidade.
A isotretinoína é teratogênica. Durante o tratamento em mulheres férteis deve haver garantia de contracepção efetiva. Existe também o risco de dislipidemia e hepatite medicamentosa, sendo recomendado acompanhamento do perfil lipídico e marcadores de necrose hepática.
Um estudo de 2023 encontrou um aumento do risco de ideação suicida em pacientes em uso de isotretinoína, em comparação com antibióticos orais. Não houve aumento no risco de tentativa de suicídio ou depressão maior [7].
O Consenso Brasileiro de Dermatologia de 2020 recomenda a prescrição de 0,5 a 1 mg/kg/dia, ingerida após as refeições. Pode ser feito em duas tomadas para redução de efeitos colaterais [8]. O uso deve ser contínuo por dois a quatro meses após resolução das lesões. O uso intermitente é menos eficaz e não é recomendado. Para acne moderada, podem ser prescritas doses baixas (0,1 a 0,5 mg/kg/dia, chegando até 5 mg/dia), por até 18 meses.
A portaria de número 1159 do ministério da saúde traz as informações necessárias para prescrição desse medicamento no SUS. Os termos de consentimentos podem ser encontrados nos links (Termo de Conhecimento de Riscos e Consentimento para Mulheres em Idade Fértil e Termo de Consentimento Informado para Todos os Pacientes).
Espironolactona no tratamento de acne
O estudo The Spironolactone for Adult Female Acne (SAFA) avaliou a espironolactona como uma opção de tratamento da acne [1]. O objetivo de pesquisar outros medicamentos orais para tratamento de acne é ampliar as opções terapêuticas e evitar o uso de antimicrobianos orais. A acne é a principal causa de exposição a antibióticos na Inglaterra em indivíduos entre 11 e 21 anos.
O SAFA foi um ensaio clínico randomizado, duplo cego e multicêntrico. As pacientes foram recrutadas da atenção primária e tinham indicação de tratamento sistêmico, conforme avaliação dos pesquisadores. No total 13% tinham acne grave.
Foram incluídas 413 mulheres randomizadas para placebo ou espironolactona 50 mg ao dia por 6 semanas, seguido de 100 mg ao dia por até 6 meses. O desfecho primário foi a mudança nos sintomas relacionados a acne, medida em uma escala de qualidade de vida (acne-QoL) em 12 semanas da intervenção. Outros desfechos incluíram perguntas sobre autopercepção, impacto emocional e social, além da gravidade da acne avaliada pelos pesquisadores.
Após 24 semanas, a espironolactona melhorou todos os desfechos estudados. O número necessário para tratar foi de 5 para o relato pessoal de melhora da acne.
Os resultados foram independentes da suspeita da paciente ter síndrome de ovários policísticos. A adesão à espironolactona foi semelhante ao placebo, sugerindo que foi bem tolerada. O estudo sugere que o uso de espironolactona pode reduzir a prescrição de antibióticos orais em mulheres que permanecem com acne apesar do tratamento tópico.
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