Tratamento de Nefropatia por IgA

Criado em: 20 de Junho de 2022 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A nefropatia por IgA, também conhecida como doença de Berger, é a glomerulonefrite primária mais comum do mundo. Um estudo recente publicado no Journal of American Medical Association (JAMA) avaliou o uso de metilprednisolona nessa condição [1]. Aproveitando a publicação, vamos rever o manejo dessa doença.

O que é Nefropatia por IgA?

Nefropatia por IgA ocorre por deposição de IgA no mesângio glomerular. É uma causa subdiagnosticada de doença renal crônica (DRC). Cerca de 20 a 40% dos pacientes com Nefropatia por IgA vão evoluir para DRC em 10 a 20 anos.

O espectro de manifestações clínicas é amplo, podendo causar:

  • Hematúria microscópica assintomática: apresentação mais comum. Pode ter ou não proteinúria. Mesmo que inicialmente assintomático, pode evoluir para DRC ao longo do tempo.
  • Hematúria Macroscópica: pode ocorrer em episódios durante infecções respiratórias ou menos frequentemente gastrointestinais. O tempo é importante na diferenciação com glomerulonefrite pós-infecciosa. Na nefropatia por IgA, a hematúria ocorre em menos de 5 dias da infecção; na pós-infecciosa, a hematúria se manifesta após 2 a 3 semanas do quadro infeccioso. O prognóstico dessa apresentação tende a ser melhor.
  • Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva (GNRP): caracterizada pela redução de pelo menos 50% da taxa de filtração glomerular (TFG) em menos de 3 meses. Essa apresentação clínica ocorre em associação com a manifestação histológica de crescentes glomerulares ocupando 50% dos glomérulos. Mesmo com imunossupressão, mais de 40% dos pacientes vão evoluir para DRC;
  • Síndrome Nefrótica
  • Lesão Renal Aguda (LRA): Além de GNRP, o paciente pode ter LRA devido a obstrução tubular por hematúria. Esse quadro tende a se resolver em um período de semanas.

A vasculite por IgA (quando o paciente apresenta também artralgia, dor abdominal e púrpura palpável) pode ser considerada do mesmo espectro de doença ou uma forma secundária de nefropatia por IgA. Algumas condições associadas a nefropatia por IgA são cirrose, HIV, doenças autoimunes, doença inflamatória intestinal e algumas infecções.

Qual é o tratamento no momento?

A última diretriz de tratamento de glomerulonefrites da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), inclui no tratamento de nefropatia por IgA [2]:

  • Inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA): Se proteinúria acima de 500mg/dia - Objetivo é reduzir progressão para DRC. Não existe estudo que valide o bloqueio duplo realizado com iECA e bloqueador do receptor de angiotensina (BRA).
  • Controle de pressão arterial: Um dos fatores (junto com a proteinúria) que influencia na progressão para doença renal crônica.
  • Imunossupressão com corticoide é uma alternativa para quem mantém proteinúria elevada apesar de terapia inicial otimizada. Porém, até então, os trabalhos que avaliaram essa opção apresentaram risco maior de complicações relacionados ao uso de corticóide, o que tornava essa recomendação fraca.
  • Pacientes com nefropatia por IgA e síndrome nefrótica devem ser manejados conforme o padrão histológico.

O que o estudo avaliou?

O estudo publicado no JAMA é uma continuação da maior publicação de corticoide e nefropatia por IgA. No primeiro momento, a publicação de 2017 selecionou 262 pacientes com nefropatia por IgA confirmada por biópsia que mantinham proteinúria após terapia otimizada [3]. Esses pacientes eram randomizados para metilprednisolona ou placebo. A dose de metilprednisolona foi de 0.6-0.8 mg/kg/dia. Apesar de parecer haver um benefício no uso do corticóide, o estudo foi interrompido precocemente por eventos adversos, incluindo dois óbitos por infecção.

Após mais de um ano parado, o estudo foi retomado com uma dose menor de metilprednisolona, dessa vez 0,4mg/kg/dia. O corticoide era realizado por 2 meses, e depois reduzido progressivamente em uma média de mais 6 meses. Todos os pacientes receberam iECA ou BRA por 3 meses antes de entrar no estudo, e nesses pacientes que entraram no estudo com uma dose de corticoide reduzida, foi realizado profilaxia para pneumocistose. O desfecho era um composto de queda de 40% da TFG, diálise ou morte por causa renais.

Houve redução significativa do desfecho composto no grupo corticóide, independente da dose utilizada. O grupo de dose menor de corticoide teve menor taxa de eventos adversos.

Como fica agora?

A dose reduzida de metilprednisolona parece ser uma opção para pacientes com nefropatia por IgA e que mantém proteinúria.

Vale ressaltar que outros medicamentos estão sendo testados nesse contexto, incluindo hidroxicloroquina, budesonida oral e outros agentes específicos, como antagonistas do receptor da endotelina. Novidades em breve.

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