Reposição de Testosterona e Risco Cardiovascular
O uso de testosterona tem controvérsias, entre elas a relação a complicações cardiovasculares. Em julho de 2023 o New England Journal of Medicine publicou os resultados do estudo TRAVERSE, que avaliou a segurança do uso de testosterona em homens com mais de 45 anos com hipogonadismo [1]. Este tópico revisa o tema e traz os resultados da publicação.
Quando e como indicar a reposição de testosterona?
A reposição de testosterona tem indicação no tratamento de duas condições: hipogonadismo masculino associado a deficiência de testosterona e incongruência de gênero.
O hipogonadismo masculino é definido por [2]:
- Distúrbio da espermatogênese OU
- Sinais e sintomas de hipoandrogenismo (tabela 1) associados a pelo menos duas dosagens de testosterona sérica (total ou livre) abaixo do limite inferior da normalidade.
Em pacientes com distúrbio de espermatogênese isolado, a testosterona exógena pode atingir níveis intratesticulares insuficientes, além de inibir a secreção fisiológica de FSH e LH, agravando a infertilidade [2].
Não há respaldo das diretrizes ou sociedades de especialidades para a reposição de testosterona em mulheres [2]. A prescrição de testosterona para fins estéticos e de performance é proibida no Brasil (veja aqui o posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, carta conjunta das sociedades ao CFM e a resolução do CFM Nº 2.333, de 2023).
A investigação inicial do hipogonadismo é feita com a dosagem da testosterona total sérica (fluxograma 1). A coleta deve ser realizada em jejum, no período da manhã. Níveis menores que 250 a 300 ng/dL devem ser confirmados com nova dosagem, repetida no mesmo laboratório e com a mesma metodologia [2].
Pacientes com as condições da tabela 2 podem ter alteração da concentração de globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG, de sex hormone-binding globuline), o que prejudica a avaliação da testosterona total. Nesses casos, a testosterona livre sérica é uma opção como exame inicial. A testosterona livre também pode ser dosada para auxiliar na tomada de decisão em homens com testosterona total no limite inferior da normalidade (200 a 400 ng/dL).
A dosagem de FSH e LH é feita após a confirmação da deficiência de testosterona, com o objetivo de diferenciar o hipogonadismo entre primário (testicular) e secundário (hipofisário/hipotalâmico) [2].
As vias transdérmica e intramuscular são preferidas para a reposição de testosterona. O metabolismo de primeira passagem hepático diminui a disponibilidade da medicação quando administrada pela via oral. As formulações disponíveis no Brasil estão listadas na tabela 3.
Testosterona e risco cardiovascular
Um estudo de 2013 encontrou um aumento de risco cardiovascular de 29% associado a reposição de testosterona em homens [3]. Essa publicação levou a outros estudos sobre o tema, mas os resultados não foram consensuais, restando dúvidas sobre o alegado aumento de risco.
Em 2015, o U.S. Food and Drug Administration (FDA) lançou uma nota exigindo a adequação de bulas de testosterona. A partir de então, eventos cardiovasculares foram adicionados à lista de possíveis efeitos colaterais da testosterona.
O estudo TRAVERSE
O TRAVERSE (Cardiovascular Safety of Testosterone-Replacement Therapy) foi um estudo de não inferioridade que avaliou a segurança cardiovascular na terapia de reposição de testosterona em homens com hipogonadismo [1]. O desfecho primário foi a ocorrência de evento cardiovascular maior (morte, acidente vascular cerebral ou infarto agudo do miocárdio).
Foram incluídos cerca de cinco mil homens de 45 a 80 anos. Todos tinham diagnóstico de hipogonadismo (baseado em sinais e sintomas e duas dosagens de testosterona total inferiores a 300 ng/dL) e antecedente de evento cardiovascular prévio ou alto risco cardiovascular. Pacientes com contraindicação à terapia de reposição hormonal foram excluídos (tabela 4).
Os pacientes foram randomizados para tratamento com testosterona transdérmica gel 1,62% ou placebo. A dose da reposição de testosterona era ajustada por um algoritmo de acordo com os valores de testosterona sérica, objetivando concentrações entre 350 e 700 ng/dL. Ajustes falsos também foram feitos na posologia do gel placebo.
O estudo encontrou que a reposição de testosterona foi não inferior à placebo quanto a desfechos cardiovasculares. A incidência do desfecho primário foi de aproximadamente 7% nos dois grupos.
Outros eventos adversos também foram pesquisados. O grupo intervenção teve maior incidência de fibrilação atrial, lesão renal aguda e embolia pulmonar.
Duas características do estudo podem dificultar a extrapolação dos achados. O primeiro é o tempo de acompanhamento de 33 meses. Esse período pode ser insuficiente para determinar a segurança cardiovascular a longo prazo. A segunda é o nível de testosterona sérica após a intervenção. A mediana foi próxima ao limite inferior da normalidade (326 a 386 ng/dL), valor considerado baixo para uma população em reposição.
O estudo reforça que a reposição de testosterona em homens com hipogonadismo e alto risco cardiovascular parece segura durante o período avaliado, especialmente se as doses respeitarem o protocolo estudado.
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