Febre no Pós-Operatório
A febre é uma das complicações pós-operatórias mais comuns. Pode ser parte de uma resposta normal à cirurgia ou ter uma causa patológica, como infecções. Este tópico discute as causas mais comuns e a investigação desse cenário.
Como fazer a avaliação inicial?
Febre pós-operatória (PO) é definida por elevação da temperatura corporal acima de 38ºC após um procedimento cirúrgico maior, como cirurgias torácicas, intra-abdominais e pélvicas [1].
A maioria dos episódios de febre que ocorrem nas primeiras 48 horas da cirurgia são benignos e autolimitados, associados à resposta inflamatória sistêmica [2].
Febre persistente, especialmente após o segundo a terceiro dia de PO, aumenta a probabilidade de uma causa infecciosa para o quadro. Causas não infecciosas também devem ser consideradas, pois representam boa parte das etiologias de febre nesse grupo [2, 3].
Quais são as principais causas de febre no pós-operatório?
As causas de febre no pós-operatório podem ser divididas em quatro grupos [2]:
- Infecciosas
- Trombóticas
- Drogas
- Endocrinopatias
Atelectasia era considerada a principal causa de febre pós-operatória, mas estudos recentes não demonstraram associação entre atelectasia e febre PO [4, 5]. A incidência de atelectasia atinge o pico nas primeiras 48 horas de pós-operatório, mesmo período em que ocorre a maior liberação de citocinas em resposta à cirurgia.
Infecciosas
As infecções de sítio cirúrgico (ISC) ocorrem no local ou próximas da incisão operatória. A maioria dos pacientes com ISC tem dor, eritema, calor e drenagem purulenta na incisão em 5 a 10 dias após a cirurgia [6]. Os sintomas surgem em até 30 dias após o procedimento, mas podem demorar até 90 dias no caso de implante de prótese.
Alguns fatores de risco associados a ISC ajudam a aumentar a suspeição [7]:
- Alto risco cirúrgico - avaliação pela American Society of Anesthesiologists (ASA) de 3 a 5
- Procedimento contaminado ou sujo
- Duração do procedimento maior do que o esperado
Outros fatores específicos do paciente e do procedimento estão listados na tabela 1.
As taxas de pneumonia associada à assistência à saúde aumentam após as primeiras 48 horas do procedimento [8]. A identificação e tratamento da atelectasias é recomendada, sendo essa uma intervenção que faz parte da prevenção de pneumonia.
Muitos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos precisam de sondagem vesical durante e após a cirurgia, o que aumenta o risco de infecção de trato urinário (ITU) [1]. Idade avançada, diabetes e ITU prévia também são fatores de risco para essa complicação.
Trombóticas
Estase venosa por redução de mobilidade e a cascata inflamatória pós-operatória aumentam o risco de trombose venosa profunda (TVP). Pacientes no pós-operatório são responsáveis por 20% das TVP intra-hospitalares [9].
Os pacientes com maior risco de desenvolver TVP pós-operatória são os que possuem os seguintes fatores:
- cirurgia abdominopélvica ou ortopédica de membros inferiores
- trauma grave ou lesão medular
- neoplasia
- obesidade
Febre associada ao tromboembolismo pulmonar (TEP) pode ocorrer. Costuma ser baixa - raramente ultrapassa 38,3ºC - e de curta duração, atingindo o pico no mesmo dia em que ocorre o TEP e desaparecendo gradualmente em uma semana. A tromboflebite séptica também é um diferencial nos quadros febris, especialmente em cirurgias pélvicas [10].
Drogas
Os medicamentos são a causa não infecciosa mais comum de febre em pacientes em pós-operatório. A febre pode surgir imediatamente após a administração ou até dias depois.
Reações alérgicas podem cursar com febre e o surgimento de exantema é uma pista para esse grupo de causas. Antibióticos e heparina são comumente implicados, provavelmente por serem usados com frequência. Entre os antibióticos, destacam-se os betalactâmicos e os derivados da sulfa. Síndrome serotoninérgica (veja mais no Intoxicação por Antidepressivos e Síndrome Serotoninérgica), hipertermia maligna e síndrome neuroléptica maligna também devem ser consideradas. Na tabela 2 estão listadas algumas medicações associadas à febre.
Pacientes que recebem transfusão de hemocomponentes podem ter reações febris (veja mais no tópico Reações Transfusionais). Os registros do intra-operatório podem conter informações sobre transfusões que eventualmente são negligenciadas na transição do centro cirúrgico para a enfermaria ou UTI.
Sintomas de abstinência de álcool podem ocorrer em até 50% dos indivíduos com transtorno por uso de álcool. A fase aguda da abstinência alcoólica geralmente se inicia em até seis horas após a interrupção do uso. Os sintomas costumam ser leves, com queixas como insônia, ansiedade, cefaleia e diaforese [11].
Abstinência alcoólica não identificada e não tratada pode evoluir para delirium tremens (DT). Esses casos podem se apresentar com hipertermia (temperaturas que podem ser maiores que 40 ºC), agitação, alucinações e até convulsões. O DT tem mortalidade de até 4% e se manifesta, em média, 72 horas após a última ingestão de álcool [12]. Veja mais no episódio 140: abstinência alcoólica.
Endocrinopatias
Causas endocrinológicas de febre no pós-operatório incluem a insuficiência adrenal e tireotoxicose [1].
Insuficiência adrenal aguda pode acontecer em pacientes não diagnosticados previamente ou com uso crônico de corticoides sistêmicos que não receberam ajuste de dose. Os sintomas incluem hipotensão, hiponatremia, hipercalemia, hipoglicemia e febre. Os sinais geralmente ocorrem nas primeiras horas após a cirurgia [13].
A tireotoxicose também pode se manifestar no pós-operatório em pacientes com hipertireoidismo não diagnosticado ou naqueles que ficaram sem uso da medicação devido ao jejum. Trauma e cirurgias são precipitantes de tempestade tireotóxica. O paciente pode apresentar taquicardia, alteração do estado mental, sintomas gastrointestinais, sinais de insuficiência cardíaca e elevação de temperatura [14]. Veja mais no tópico Tempestade Tireotóxica.
Como abordar o paciente com febre no pós-operatório?
O histórico medicamentoso e psicossocial deve ser revisado em busca de fatores de risco - como corticoides e abuso de álcool - servindo de alerta no pós-operatório.
No exame clínico, deve-se sempre avaliar o sítio cirúrgico e dispositivos.
Os exames laboratoriais com hemocultura e urocultura são indicados. A coleta de outros sítios de cultura – escarro, acesso vascular – é uma decisão baseada no quadro clínico e fatores de risco.
Outros exames utilizados nesta investigação são radiografia de tórax, ultrassonografia ou tomografia voltadas para avaliação do sítio cirúrgico.
Se a principal hipótese for febre por medicação, a droga suspeita deve ser suspensa. Espera-se que a febre desapareça em 72 horas após a suspensão da droga.
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