Anticoagulação nos Episódios de Alta Frequência Atrial, ECMO no Choque Cardiogênico e Ferro na IC
O congresso da European Society of Cardiology (ESC) de 2023 trouxe muitas novidades. Este tópico traz três artigos de relevância: NOAH-AFNET 6 (anticoagulação na fibrilação atrial subclínica), ESCL-SHOCK (uso da ECMO no choque cardiogênico após infarto) e HEART-FID (ferro intravenoso na insuficiência cardíaca) [1-3].
Anticoagulação na fibrilação atrial (FA) subclínica - NOAH-AFNET 6
O uso de anticoagulantes é bem estabelecido para prevenção de eventos cardioembólicos em pacientes com fibrilação atrial (FA). O crescente uso de dispositivos implantáveis (marcapassos, desfibriladores, ressincronizadores ou gravadores de loop) levou a um aumento do reconhecimento de episódios assintomáticos de arritmias atriais de curta duração, detectados apenas pelos dispositivos. Esses registros são chamados de episódios de alta frequência atrial (EAFA). Apesar de não serem termos totalmente idênticos, EAFA e FA subclínica são usados muitas vezes como sinônimos, já que um EAFA se assemelha a um pequeno período de FA [4]. Contudo, outras arritmias atriais (flutter atrial e taquicardias atriais) também podem gerar EAFA.
Apesar de os EAFA aumentarem a probabilidade de cardioembolias, o incremento de risco é menor do que na FA. O uso de anticoagulantes para prevenir eventos embólicos em pacientes com EAFA é incerto.
O estudo NOAH-AFNET 6 avaliou o uso de edoxabana comparado ao placebo em pacientes com mais de 65 anos com EAFA (episódios com frequência maior que 170 por ao menos 6 minutos) [1]. Os pacientes deveriam apresentar pelo menos um fator de risco para AVC (ver tabela 1). Pacientes com fibrilação atrial documentada por eletrocardiograma foram excluídos.
Incluindo 2.536 pacientes, com um período médio de acompanhamento de 21 meses, o estudo foi parado precocemente por futilidade. O uso de edoxabana não reduziu o desfecho primário composto de morte cardiovascular, AVC ou embolização sistêmica (3,2% vs. 4,0% por pacientes-ano, HR 0,91, IC 95% 0,6 - 1,08; p = 0.15). Como desfecho secundário, ocorreram significativamente mais sangramentos maiores no grupo intervenção.
O estudo indica que não parece ser benéfico anticoagular pacientes assintomáticos com arritmias atriais detectadas por dispositivos implantáveis, mesmo naqueles de alto risco.
ECMO venoarterial no choque cardiogênico por IAM - ESCL-SHOCK
Infarto agudo do miocárdio (IAM) que evolui com choque cardiogênico tem mortalidade de até 50% em 30 dias. Em pacientes refratários à ressuscitação inicial ou com rápida deterioração, dispositivos de assistência mecânica (balão intra-aórtico e dispositivos de assistência ventricular como o Impella©) podem ser utilizados no manejo antes e após intervenção coronariana. Estes dispositivos não reduziram mortalidade nestes pacientes [5, 6].
A oxigenação por membranas extracorpórea venoarterial (ECMO VA) é uma terapia que também fornece suporte cardiovascular, além do suporte respiratório. A ECMO VA ainda é pouco estudada no contexto de IAM complicado com choque cardiogênico.
O estudo ESCL-SHOCK randomizou 420 pacientes com IAM e choque cardiogênico com programação de intervenção percutânea para realizar ECMO precoce e tratamento usual versus tratamento usual isolado [2]. Quase metade dos pacientes apresentavam critérios de deterioração de choque conforme SCAI SHOCK (48,4% entre estágio D e E - ver figura 1).
Não foi encontrado diferença no desfecho primário de mortalidade por qualquer causa em 30 dias. Esse resultado se manteve em análises de subgrupo relacionados a gravidade (extensão do infarto, necessidade de ressuscitação cardiopulmonar e níveis de lactato). Desfechos de segurança como sangramentos graves e complicações vasculares ocorrem mais no grupo de ECMO precoce.
Os resultados desencorajam o uso da ECMO VA como suporte precoce e de rotina nesses pacientes. Ainda resta dúvida se algum grupo pode se beneficiar da terapia, um questionamento que deve ser buscado com novos estudos.
Ferro intravenoso na insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida (ICFER)
O estudo HEART-FID avalia novamente a carboximaltose férrica em pacientes com ICFER sintomática e deficiência de ferro [3]. Este estudo randomizado, duplo-cego, com 3.065 pacientes, comparou ferro intravenoso com placebo. O desfecho primário avaliado foi composto de morte, hospitalizações por insuficiência cardíaca e melhora do teste de caminhada de 6 minutos.
O estudo falhou em mostrar superioridade do uso da carboximaltose férrica comparado ao placebo (win ratio 1,10; 0,99 - 1,23 IC 99%; p = 0,02).
Este estudo conflita com resultados de estudos prévios. Os trabalhos AFFIRM-HF e CONFIRM-HF sinalizaram uma redução de internações por IC com o uso de ferro intravenoso [7, 8]. Para avaliar os resultados destes dois estudos em conjunto com o HEART-FID, também foi apresentada uma meta-análise no congresso [9]. Nesta meta-análise, foi visto benefício em redução de hospitalizações por eventos cardiovasculares com o uso de ferro intravenoso, mesmo a maior parcela populacional sendo do estudo HEART-FID.
Apesar do resultado negativo do HEART-FID, a meta-análise reforça a recomendação de fazer reposição de ferro intravenosa em pacientes com ICFER com deficiência de ferro para melhora de sintomas (classe I) e redução de hospitalização por insuficiência cardíaca (classe IIa) [10]. O guia já comentou sobre reposição de ferro na IC no tópico Reposição de Ferro na Insuficiência Cardíaca.
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