Tirofiban no AVC isquêmico

Criado em: 18 de Setembro de 2023 Autor: João Urbano

Terapias de reperfusão para AVC isquêmico são o padrão ouro de tratamento agudo. A trombectomia mecânica é efetiva em casos com oclusão proximal de vasos, mas ainda pouco disponível. A trombólise endovenosa é mais acessível, porém é limitada pela janela terapêutica. O estudo RESCUE BT2, publicado no New England Journal of Medicine em junho de 2023, avaliou o papel do antiagregante tirofiban no tratamento agudo de AVC isquêmico sem oclusão proximal e sem resposta à trombólise endovenosa [1]. Esse tópico revisa os antiagregantes no AVC e traz os resultados do estudo.

Qual o papel da antiagregação no AVC?

A antiagregação é uma etapa importante para redução da taxa de recorrência do AVC.

Pacientes submetidos à trombólise endovenosa não devem iniciar antiagregação simples com ácido acetil salicílico (AAS) 100 mg/dia nas primeiras 24 horas por maior risco de sangramento intracraniano.

Pacientes submetidos à trombectomia não devem receber antiagregantes periprocedimento por risco de sangramento e piores desfechos. A utilização de antiagregantes após trombectomia depende de múltiplos fatores (colocação de stent, embolização distal do trombo) e a decisão deve ser tomada em conjunto com a equipe de neurorradiologia.

Pacientes que não realizaram terapia de reperfusão aguda devem ter antiagregação com AAS 100 mg/dia iniciada dentro das primeiras 24h. No AIT de baixo risco, a antiagregação com AAS 100 mg/dia deve ser iniciada dentro de 24 horas. Para revisar a abordagem ao AIT, confira o tópico Abordagem do Paciente com Ataque Isquêmico Transitório.

Pacientes com mecanismo cardioembólico evidente descoberto durante a investigação devem ter sua profilaxia secundária realizada com anticoagulação (veja também o tópico Quando Iniciar Anticoagulação de Fibrilação Atrial Após AVC?)

Quando pensar em dupla antiagregação para AVC?

Alguns pacientes não têm indicação de terapia de reperfusão e possuem menor risco de sangramento intracraniano. Esse grupo se beneficia de dupla antiagregação (DAPT) para minimizar o risco de recorrência.

Os pacientes que têm indicação de DAPT foram estabelecidos pelos principais estudos sobre o tema como o POINT e CHANCE, compilados em uma meta-análise [2]. As indicações são:

  • AIT de alto risco, definido pelo escore ABCD2 de 4 ou mais.
  • AVC com pontuação na escala de NIHSS de 3 ou menos.

Esses pacientes devem receber DAPT nas primeiras 24h. A prescrição deve ser realizada da seguinte maneira: dose inicial de ataque com AAS 300 mg e clopidogrel 300 mg, seguida de dose manutenção com AAS 100 mg/d e clopidogrel 75 mg/d.

A duração da DAPT deve ser de 21 dias, com suspensão do clopidogrel e manutenção de AAS isoladamente após esse período. Uma exceção a essa regra é para pacientes com evento cerebrovascular causado por aterosclerose intracraniana significativa (>70%). Nessa situação, estende-se a duração da DAPT para 90 dias.

O que o estudo acrescenta?

O tirofiban é um antiagregante que inibe a glicoproteína IIb/IIIa, uma das vias de ativação plaquetária. Esse mecanismo é distinto dos antiagregantes como AAS (inibidores da ciclo-oxigenase) e clopidogrel (inibidores da P2Y12). O tirofiban é administrado via endovenosa e tem meia vida curta, com efeito totalmente revertido até 3h do final da infusão aproximadamente.

O estudo RESCUE-BT2 foi duplo cego, multicêntrico em hospitais na China, randomizando 1177 pacientes em dois grupos. Um deles recebeu tirofiban endovenoso com placebo via oral, enquanto o outro recebeu AAS 100 mg com placebo endovenoso por 48h. Após o período inicial de 48h, ambos os grupos receberam AAS 100 mg até o 90º dia.

O estudo avaliou pacientes com AVC não cardioembólico com pontuação na escala de NIHSS de 5 ou mais e pertencentes a qualquer um dos grupos da tabela 1. O desfecho primário foi a avaliação de funcionalidade em 90 dias por meio da escala de Rankin modificada (mRS).

Tabela 1
Critérios de elegibilidade do estudo RESCUE-BT2
Critérios de elegibilidade do estudo RESCUE-BT2

O resultado do estudo foi de melhores desfechos para o grupo tratado com tirofiban. O benefício foi melhor observado em desfechos secundários como avaliação de funcionalidade e qualidade de vida.

No grupo controle não houve sangramentos intracranianos sintomáticos, enquanto no grupo tratado com tirofiban houve seis eventos. Esse é um elemento importante a ser observado, mas a incidência ainda é considerada baixa (1%).

O estudo traz uma evidência mais robusta para um possível uso do tirofiban no AVC agudo em cenários com poucas opções terapêuticas.

Aproveite e leia:

28 de Outubro de 2024

Infecções Associadas a Cateter Intravascular

As infecções associadas a cateter intravascular são complicações graves. Representam a segunda causa mais comum de infecção adquirida em UTI no Brasil, atrás apenas de pneumonia associada à ventilação mecânica. Essa revisão aborda os principais conceitos, diagnóstico, tratamento e prevenção de infecções associadas a cateteres intravasculares.

18 min
Ler Tópico
6 de Maio de 2024

Imitadores de Sepse

Sepse é uma das principais causas de óbito no mundo e está frequentemente envolvida em erros diagnósticos. Um trabalho recente avaliou quais os diagnósticos finais de pacientes conduzidos inicialmente como sepse na UTI. Neste tópico são revistos os critérios de sepse e a conduta recomendada em casos de incerteza diagnóstica.

11 de Fevereiro de 2024

Diretriz de Síndrome de Guillain Barré

A Síndrome de Guillain Barré (SGB) é a principal causa de paralisia flácida aguda no pronto socorro. Essa condição tem tratamento específico e há risco de falência respiratória e disautonomia grave. Em outubro de 2023, foi publicado no European Journal of Neurology a nova diretriz europeia de diagnóstico e manejo da Síndrome de Guillain-Barré. Esse tópico revisa o tema e aborda essa nova publicação.

20 de Novembro de 2023

Piperacilina-Tazobactam e Cefepima: Uso Empírico e Riscos Associados

Piperacilina-tazobactam e cefepime são as principais opções quando há risco de infecção por bacilos gram-negativos resistentes, incluindo Pseudomonas. Existem discussões sobre a nefrotoxicidade relacionada à piperacilina-tazobactam e a neurotoxicidade do cefepima. O estudo ACORN, apresentado na IDWeek e publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em outubro de 2023, avaliou esses riscos. Este tópico analisa as evidências prévias e os resultados do ACORN.

3 de Julho de 2023

Pré-oxigenação e Oxigenação Apneica na Intubação

Dessaturação e hipoxemia durante a intubação estão associadas a eventos adversos graves. Duas estratégias utilizadas para evitá-las são a pré-oxigenação e a oxigenação apneica. Em abril de 2023, um artigo sobre o uso de cateter nasal de alta fluxo na oxigenação apneica foi publicado no Annals of Intensive Care. Este tópico revisa o tema e traz os resultados do estudo.