Oseltamivir na Infecção por Influenza
Oseltamivir é um antiviral recomendado para o tratamento de infecção por influenza em pacientes de alto risco. Em junho de 2023 foi publicada no Journal of the American Medical Association uma revisão sistemática e meta-análise para avaliar o uso de oseltamivir em pacientes ambulatoriais [1]. Esse tópico revisa as evidências do uso dessa medicação.
Recomendações atuais de oseltamivir para tratamento de Influenza
Oseltamivir é um antiviral usado no tratamento de infecção por influenza. O Guia de manejo e tratamento de Influenza publicado em 2023 pelo do Ministério da Saúde do Brasil recomenda o uso de oseltamivir em duas situações [2]:
- Síndrome respiratória aguda grave (SRAG) independentemente da coleta ou positividade de exames (tabela 1).
- Síndrome gripal com condições e fatores de risco para complicações (tabela 2).
A Organização Mundial de Saúde (OMS), o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a Infectious Disease Society of America (IDSA) e a European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases (ESCMID) também recomendam o uso de oseltamivir no tratamento de infecção por influenza em condições semelhantes [3, 4, 5, 6]. A dose recomendada é de 75 mg a cada 12 horas por cinco dias. A OMS também incluiu a medicação na lista de medicações essenciais.
Em pacientes intubados, a droga pode ser administrada por sonda oro ou nasogástrica. O pó contido na cápsula deve ser dissolvido em 20 ml de água estéril e injetado pela sonda, seguido de um flush de 10 ml de água [7]. As recomendações atuais não orientam dobrar a dose (150 mg de 12/12 horas) em pacientes graves ou imunossuprimidos [4].
A justificativa da recomendação é baseada na redução de três desfechos: tempo de sintomas, hospitalização por influenza e risco de complicações e mortalidade.
Polêmica após aprovação
Em 2009 a Cochrane publicou uma meta-análise que encontrou diminuição de hospitalização com uso de oseltamivir, assim como redução na duração de sintomas. Essa revisão usou como base os dados de uma meta-análise publicada anteriormente. Dos dez estudos incluídos, apenas dois tinham sido publicados em jornais com revisão pelos pares. Os oito estudos restantes foram apresentados em congressos ou como resumos em conferências [8-10]. Esse fato foi notado pela comunidade científica que confrontou os resultados da publicação de 2009.
A partir daí, a Cochrane decidiu fazer uma análise completa dos dez estudos. A liberação dos dados só ocorreu em 2013. Até então, as informações eram sigilosas, pois a maior parte dos estudos foi desenvolvida pela indústria farmacêutica e os resultados não foram compartilhados com OMS, CDC, FDA dos Estados Unidos ou a European Medicines Association (EMA).
A nova revisão e meta-análise feita pela Cochrane foi publicada em 2014 [11]. Nesse novo estudo não foi encontrada diferença de hospitalização entre os grupos que usaram oseltamivir e o placebo. O achado de diminuição de tempo de sintomas se manteve.
O estudo atual
A revisão sistemática e meta-análise publicada em 2023 pelo Journal of the American Medical Association avaliou 15 estudos randomizados, incluindo 6295 pacientes no cenário ambulatorial [1]. Dos 15 estudos, nove foram patrocinados pela empresa responsável pelo oseltamivir.
O desfecho primário avaliado foi hospitalização por qualquer causa e a análise foi feita por intenção de tratar. A confirmação de infecção foi feita principalmente por métodos moleculares ou cultura viral, mas estudos mais antigos utilizaram aumento dos títulos de anticorpos como confirmação.
Não houve redução de hospitalização com o uso de oseltamivir na população estudada. A média de idade era de 45 anos e mesmo entre idosos e pacientes com fatores de risco para hospitalização não foi identificado benefício do oseltamivir. Em análise restrita a estudos patrocinados pela indústria farmacêutica, houve tendência de diminuição de hospitalização.
Náuseas e vômitos foram significativamente mais comuns na população que usou oseltamivir. Não houve aumento de eventos adversos graves.
Os autores do trabalho propõem algumas explicações para os resultados. Primeiro, os estudos patrocinados usaram cultura viral para confirmar a infecção, enquanto os estudos mais atuais utilizaram métodos moleculares. Estes exames são mais sensíveis e podem diagnosticar casos com menor carga viral, situação em que o uso de oseltamivir pode ter benefício mais discreto. Segundo, o oseltamivir pode reduzir a soroconversão. Nesse caso, pacientes hospitalizados em uso da medicação podem ter sido considerados não infectados já que soroconvertem menos. Por último, os estudos patrocinados foram realizados em períodos de menor resistência ao oseltamivir, o que pode explicar o benefício encontrado por esses estudos.
Críticas ao estudo e considerações finais
Apesar do grande número de pacientes, o baixo número de hospitalizações (0,6% no grupo controle) pode dificultar a identificação de diferença entre placebo e oseltamivir. Com um número baixo de eventos, os autores estimaram que seria necessária análise de 30.716 pacientes para identificar uma redução relativa de risco em 30%. Já um estudo que selecionasse apenas populações de alto risco necessitaria de 15.232 pacientes.
A média de idade de 45 anos e a exclusão de indivíduos em imunossupressão também dificulta a identificação de diferença clínica entre os grupos, considerando que o maior risco é em população idosa e imunossuprimidos.
A evidência atual sugere que o oseltamivir não diminui hospitalização em pacientes ambulatoriais com influenza, mas parece diminuir tempo de sintomas. As populações imunossuprimidas ou com comorbidades graves ainda são pouco estudadas, o que limita a extrapolação dos resultados para esses grupos. A diminuição da duração de sintomas tem efeito econômico e/ou social que deve ser considerado ao decidir sobre a prescrição.
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