Miocardite
Miocardite é uma doença inflamatória do músculo cardíaco, causada por diferentes agentes. O paciente com miocardite tem sintomas variados, indo de sinais de insuficiência cardíaca e dor torácica até morte súbita. O maior uso da ressonância magnética tem aumentado o reconhecimento da doença. Este tópico revisa as causas, manifestações, diagnóstico e tratamento da miocardite, baseado na revisão do NEJM de outubro de 2022 e na diretriz brasileira de 2022 [1, 2].
O que é e o que causa miocardite?
A inflamação do miocárdio pode ocorrer por causas infecciosas (especialmente virais) e não infecciosas (como exposição a toxinas e drogas). A tabela 1 resume as etiologias, baseada na diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia [2].
A miocardite viral é a mais descrita, apesar de muitos casos não serem submetidos ao padrão ouro de diagnóstico - a biópsia endomiocárdica e sequenciamento viral. A miocardite mediada por infecção viral pode ocorrer por vírus cardiotrópicos (adenovírus e enterovírus - coxsackievírus), vasculotrópicos (parvovírus B19), linfotrópicos (citomegalovírus, Epstein–Barr vírus, e herpesvírus 6) e outros (HIV, influenza, vírus da hepatite C e SARS-CoV-2) [3].
Os inibidores de checkpoint ganham destaque entre as causas medicamentosas de miocardite. Podem levar a inflamações imunomediadas, em média 34 dias após o início da terapia. Pneumonite, nefrite e colite são manifestações possíveis, além do acometimento cardíaco [4]. A European Society of Cardiology orienta monitorização com eletrocardiograma e troponina em todos os pacientes utilizando inibidores de checkpoint [5].
Existe um componente genético nas miocardites causadas por vírus ou toxinas. Há relatos de variantes deletérias nos genes relacionados à estrutura e função dos cardiomiócitos em até 16% dos casos. Possivelmente, existe uma predisposição genética que facilita o desenvolvimento de miocardite em pacientes expostos a fatores externos [6].
Outra causa não infecciosa de destaque é a sarcoidose. A presença de bloqueio atrioventricular em pacientes com menos de 60 anos está relacionada à sarcoidose cardíaca em 35% dos casos [7]. Além disso, sarcoidose corresponde a 28% das taquicardia ventriculares.
Sintomas
As manifestações clínicas de miocardite podem ser divididas em formas complicadas e não complicadas. As formas complicadas incluem insuficiência cardíaca e arritmias ameaçadoras à vida (bloqueios atrioventriculares e arritmias ventriculares). As formas não complicadas são as que não apresentam as manifestações anteriores.
Febre ocorre em 64% dos pacientes e dor de garganta em 36%. Outros sintomas como dispneia, síncope e alterações gastrointestinais também são comuns. Elevação de troponina ocorre em 99% dos pacientes, independente da forma clínica. Doença coronariana deve ser afastada se existe suspeita de infarto.
A dor torácica é o principal sintoma nas formas não complicadas. A elevação do segmento ST é descrita em 62% dos casos. Pacientes que apresentam apenas essa forma tem um curso da doença melhor, com menor mortalidade e necessidade de transplante cardíaco [8].
Na forma complicada, o sintoma mais comum é a dispneia. Pode haver necessidade de inotrópicos ou suporte circulatório em até 32% dos casos. Essa situação é chamada de miocardite fulminante.
Diagnóstico
O primeiro exame na suspeita de miocardite é o ecocardiograma. Ele pode apresentar:
- Fração de ejeção reduzida
- Disfunção segmentar do ventrículo esquerdo
- Aumento do diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo
- Excursão sistólica do plano do anel tricúspide (tricuspid annular plane systolic excursion, o TAPSE) menor que 18 mm
- Sinais de disfunção de ventrículo direito.
As ferramentas diagnósticas para miocardite incluem a ressonância magnética e biópsia endomiocárdica.
A biópsia endomiocárdica é o exame padrão ouro para diagnosticar a etiologia do quadro e deve ser considerada em pacientes que apresentam suspeita de miocardite e:
- Choque cardiogênico
- Arritmias ventriculares ou bloqueios atrioventriculares (Mobitz 2 ou total)
- Eosinofilia
- Uso recente de inibidores de checkpoint
- Marcadores de necrose miocárdica persistentemente elevados, principalmente na suspeita de doença autoimune.
O achado diagnóstico na biópsia é a presença de infiltrado inflamatório com necrose ou degeneração de miócitos adjacentes. O exame possui maior acurácia quando realizado dentro de duas semanas dos sintomas. A diferenciação em subtipos de infiltrado (linfocítico, eosinofílico, células gigantes, sarcoidose) determina prognóstico e tratamento diferentes. É recomendada a pesquisa de vírus na amostra por meio de reação em cadeia de polimerase (PCR).
A ressonância magnética (RM) cardíaca possui alta sensibilidade se realizada dentro de duas a três semanas do início do quadro. A diretriz brasileira recomenda a realização de ressonância magnética em todo paciente que possuir elevação dos marcadores de necrose miocárdica e coronárias normais na avaliação angiográfica.
O critério diagnóstico de Lake Louise auxilia a entender as alterações vistas na RM (tabela 2) [9]. O objetivo da RM é detectar presença de edema miocárdico, indicando inflamação, ou sinais de necrose e fibrose não compatíveis com área isquêmicas (território coronariano e região subendocárdica).
Tratamento
O manejo da miocardite é dividido em duas etapas: suporte e tratamento específico. As medidas de suporte são destinadas aos casos de insuficiência cardíaca por miocardite. As terapias medicamentosas indicadas para outras causas de insuficiência cardíaca também se aplicam aqui. Inotrópicos e terapias avançadas seguem as mesmas indicações de outras causas de choque cardiogênico.
O tratamento específico varia conforme a etiologia. Casos virais são manejados exclusivamente com terapia de suporte, uma vez que não há antivirais indicados.
Corticosteroides possuem indicações específicas, não havendo benefício para pacientes sem diagnóstico etiológico estabelecido. As situações que se beneficiam de corticoterapia são:
- Sarcoidose
- Miocardite eosinofílica (não relacionada a parasitose)
- Miocardite de células gigantes
- Febre reumática
- Miocardite associada a uso de inibidores de checkpoint
- Miocardite associada a doenças autoimunes (lúpus, artrite reumatoide, Behçet, granulomatose eosinofílica com poliangeíte)
Se o paciente apresenta miocardite fulminante de provável etiologia imune, a American Heart Association sugere uso de metilprednisolona 1000 mg antes da confirmação por biópsia [10].
Pacientes com quadro de miocardite devem ser afastados de atividades físicas por três a seis meses.
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