Investigação de Trombofilias
Trombofilias são condições que aumentam o risco de tromboses. A investigação de trombofilias após um evento trombótico tem indicações específicas. A British Society for Haematology lançou em 2022 uma diretriz com recomendações para testar trombofilias hereditárias e adquiridas. Esse tópico revisa as principais orientações do documento [1].
Principais trombofilias e como testar
As trombofilias podem ser divididas em duas categorias:
- Hereditárias: deficiências de anticoagulantes naturais como proteína C, S e antitrombina; aumento de atividade pró-coagulante, incluindo Fator V de Leiden e mutação da protrombina.
- Adquiridas: síndrome antifosfolípide (SAF), neoplasias mieloproliferativas e hemoglobinúria paroxística noturna.
O tipo de trombose - arterial ou venosa - influencia em quais trombofilias serão investigadas. Reconhecer uma trombofilia tem consequências no tempo de anticoagulação e na escolha do tipo de anticoagulante.
A SAF aumenta o risco de tromboses venosas e arteriais. A pesquisa de SAF deve incluir:
- Anticorpo anticardiolipina (IgM e IgG)
- Anticorpo anti-beta2-glicoproteína 1 (IgM e IgG)
- Anticoagulante lúpico
Os exames devem ser realizados em pelo menos duas ocasiões com intervalo de doze semanas. Pelo menos um marcador laboratorial deve permanecer positivo em todas as ocasiões dos testes. O resultado do anticoagulante lúpico pode ser afetado pelo uso de anticoagulantes, ao contrário dos anticorpos.
A anticoagulação na SAF é preferível com varfarina, especialmente nos pacientes com SAF triplo positivo (com os três exames laboratoriais positivos) [2]. Veja mais sobre o assunto no tópico sobre anticoagulação na SAF.
Fator V de Leiden e mutação da protrombina são diagnosticados com testes genéticos, que não sofrem influência durante a anticoagulação.
Testes para deficiências de proteína C e S e antitrombina só devem ser realizados pelo menos três meses após o evento trombótico e sem uso de anticoagulantes, pois sofrem interferência dessas medicações.
Tromboses venosas habituais
Pacientes com tromboembolismo venoso (TEV) não provocado ou provocado por fatores menores devem ser testados para SAF (tabela 1). Em pacientes com SAF, o risco de recorrência após um TEV provocado por fatores menores é similar ao risco após um TEV não provocado. Por isso a recomendação de investigar essa condição nos dois cenários (TEV não provocado e TEV provocado por fatores menores).
O paciente com SAF tem um risco de recorrência de TEV provocado por fatores menores semelhante ao risco de TEV não provocado [3].
Não é indicado testar para trombofilias hereditárias após TEV de rotina. O diagnóstico de uma trombofilia hereditária não muda o tratamento ou o risco de recorrência de eventos trombóticos na maioria dos casos. A história clínica em conjunto com D-dímero, em casos selecionados, pode estratificar os pacientes com maior e menor risco de recorrência de TEV. Além disso, os dados sobre recorrência de TEV em pacientes com trombofilias hereditárias são escassos e conflitantes.
A exceção é a suspeita de deficiência de antitrombina, pois há tratamento específico para essa trombofilia com reposição de antitrombina. A condição é rara e os testes diagnósticos são indicados somente para pacientes com TEV e história familiar forte (dois ou mais familiares de primeiro grau com histórico de TEV).
Tromboses venosas de sítios atípicos
As tromboses venosas habituais se manifestam como trombose venosa profunda (em membros inferiores) e tromboembolismo pulmonar. Outros sítios de trombose são considerados atípicos.
Em tromboses de sítios atípicos sem fatores provocadores claros está indicado testar anticorpos antifosfolípides.
Nas tromboses venosas atípicas sem fator de risco claro, a diretriz também recomenda investigar neoplasias mieloproliferativas (NMP) e hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) quando existirem pistas laboratoriais sugestivas para essas doenças. Os achados laboratoriais que sugerem NMP são excessos em alguma linhagem celular (policitemia, trombocitose ou leucocitose). Já os sinais laboratoriais de HPN são citopenias, alterações nos índices morfológicos dos eritrócitos e evidência de hemólise. As NMP são investigadas com a pesquisa de mutações da JAK2 e outros genes e HPN é investigada através de citometria de fluxo.
Especialmente nas tromboses de veias esplâncnicas estão indicados testes para investigar NMP e HPN na ausência de fatores como sepse abdominal, câncer ou cirrose. Trombose de veia esplâncnica é um termo que abrange trombose de veia porta, trombose de veia mesentérica e trombose de veia esplênica.
Na trombose de seio venoso sem fator causal claro, está indicado testar para SAF, pois muda o tipo e duração de anticoagulação. A maioria dos casos de trombose de seio venoso terá um fator de risco claro, como uso de estrogênio ou gestação. Outras causas mais raras incluem vasculites, NMP ou HPN.
Não há indicação de testar trombofilias hereditárias apenas por tromboses de sítio atípico. A associação é fraca e o tratamento não muda com o resultado dos testes. Testes para trombofilias hereditárias podem ser considerados se, além do sítio atípico, a trombose ocorrer sem fator de risco claro e em pacientes jovens (abaixo da mediana de idade de 46 anos).
Tromboses arteriais - IAM, AVC e tromboses arteriais periféricas
Em tromboses arteriais sem fatores de risco cardiovasculares, está indicado testar para SAF, especialmente em pacientes com menos de 50 anos.
Recomenda-se a investigação de NMP ou HPN em casos de AVC e alterações laboratoriais sugestivas dessas condições.
Não há indicação para testar trombofilias hereditárias em pacientes com AVC ou outras tromboses arteriais, independentemente da idade. Durante os eventos, a elevação do fator VIII e atividade baixa de proteína S podem ocorrer, porém sem correlação clínica bem estabelecida.
Veja a tabela 2 para um resumo com as principais recomendações da diretriz.
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