Piperacilina-Tazobactam e Cefepima: Uso Empírico e Riscos Associados
Piperacilina-tazobactam e cefepima são as principais opções quando há risco de infecção por bacilos gram-negativos resistentes, incluindo Pseudomonas. Existem discussões sobre a nefrotoxicidade relacionada à piperacilina-tazobactam e a neurotoxicidade do cefepima. O estudo ACORN, apresentado na IDWeek e publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em outubro de 2023, avaliou esses riscos [1]. Este tópico analisa as evidências prévias e os resultados do ACORN.
Piperacilina-tazobactam e lesão renal aguda
A piperacilina é uma penicilina com ação contra Pseudomonas usada junto ao tazobactam, um inibidor de betalactamase. Além da cobertura para Pseudomonas, este antibiótico é eficaz contra enterobactérias, enterococos, estreptococos, estafilococos sensíveis à meticilina e anaeróbios. As recomendações em geral orientam evitar piperacilina-tazobactam para tratamento de germes com mecanismo de resistência por AmpC ou betalactamases de espectro estendido (ESBL) [2, 3]. O papel desse antibiótico nessas infecções é debatido, com estudos conflitantes. O tratamento de bactérias produtoras de AmpC foi discutido no tópico Tratamento de Bactérias AmpC, CRAB e Stenotrophomonas maltophilia.
O uso de piperacilina-tazobactam em pacientes com lesão renal aguda é controverso. Alguns estudos apontam para um aumento na incidência de lesão renal quando este antibiótico é combinado à vancomicina [4]. Já outros trabalhos destacam a ação da piperacilina-tazobactam de inibir a secreção tubular de creatinina, defendendo que a maior ocorrência de lesão renal é na verdade um aumento de creatinina sem dano renal de fato. Esse último argumento é reforçado por uma revisão sistemática que não encontrou maior necessidade de diálise ou aumento de mortalidade, apesar do aumento da creatinina [5].
O debate foi retomado nos últimos anos. Uma coorte de julho de 2022 mostrou aumento da creatinina sem alteração na cistatina C, um outro marcador de lesão renal aguda que não sofre influência da piperacilina [6]. Já um estudo retrospectivo publicado em 2023 encontrou um aumento nas taxas de diálise com a combinação de piperacilina-tazobactam e vancomicina [7].
Cefepima e neurotoxicidade
O cefepima é uma cefalosporina de quarta geração que possui ação contra enterobactérias, pseudomonas, estreptococos e estafilococos sensíveis à meticilina. Ele difere da piperacilina-tazobactam, pois não tem atividade contra anaeróbios ou enterococos.
O cefepima penetra a barreira hematoencefálica e tem sido associado a maiores taxas de neurotoxicidade, ocasionando delirium, coma e convulsões. Uma revisão sistemática encontrou que esses efeitos adversos ocorrem principalmente em idosos e/ou pacientes com disfunção renal [8]. Esse estudo identificou alterações no eletroencefalograma dos pacientes com neurotoxicidade, incluindo status epilepticus não convulsivo. A maioria dos pacientes melhorou do quadro em média dois dias após uma das três seguintes intervenções: suspensão da droga, início de um anticonvulsivante ou início de diálise.
A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos emitiu um alerta em 2012 sobre a necessidade de ajustar a dose do cefepima em pacientes com taxa de filtração glomerular abaixo de 60 ml/min. Ver esquema de correção de dose do cefepima recomendado na tabela 1.
Análise do estudo ACORN
O ACORN foi um ensaio clínico randomizado que avaliou a influência de piperacilina-tazobactam e cefepima na incidência de nefrotoxicidade e neurotoxicidade [1]. O estudo não comparou a eficácia dos antibióticos. Os antibióticos eram escolhidos empiricamente, ou seja, no momento da escolha não estavam disponíveis as culturas da infecção atual.
Os pacientes eram randomizados para receber piperacilina-tazobactam ou cefepima. O médico assistente poderia acrescentar outros antibióticos para diferentes coberturas, como metronidazol ou vancomicina.
O desfecho primário foi a presença de lesão renal aguda ou óbito. A análise da neurotoxicidade foi através dos desfechos secundários, analisando presença de delirium ou coma nos dois grupos.
Com 2511 pacientes, o principal local de recrutamento foi a sala de emergência (95%) e o principal motivo para início do antibiótico foi sepse (54%). O estudo não mostrou diferença significativa no desfecho primário de lesão renal aguda entre os grupos. Entretanto, houve maior incidência de delirium ou coma no grupo cefepima, em comparação à piperacilina-tazobactam (20,8% versus 17,3%).
O não-cegamento dos médicos é uma crítica ao estudo. Isso pode influenciar na avaliação de escalas que possuem subjetividade, como o CAM-ICU utilizado para detectar delirium e o RASS para detectar coma. Outra crítica é o curto período de exposição às drogas. A mediana do uso das drogas estudadas foi de três dias e da vancomicina foi de dois dias. Sub-análises não mostraram diferença quando eram selecionados apenas pacientes expostos por períodos maiores aos antibióticos.
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