Intercorrências na Hemodiálise

Criado em: 27 de Novembro de 2023 Autor: Luisa Sousa

A hemodiálise (HD) é a modalidade de terapia renal substitutiva (TRS) que utiliza a circulação extracorpórea para remover as substâncias dialisáveis e realizar a ultrafiltração (retirada de líquido do organismo). É realizada nos pacientes com injúria renal aguda (IRA) e doença renal crônica (DRC) no contexto hospitalar, nas clínicas de diálise e até em domicílio. As sessões são seguras, mas intercorrências podem acontecer. Esta revisão trata das intercorrências mais importantes durante a hemodiálise.

Qual o risco de desfechos negativos no paciente que faz hemodiálise?

A doença cardiovascular é a principal causa de morte nessa população, afetando mais da metade dos pacientes em hemodiálise. Problemas com o acesso vascular também são comuns e levam a hospitalizações frequentes. Adicionalmente, essa população tem uma maior suscetibilidade a infecções, em especial as infecções de corrente sanguínea relacionadas ao acesso vascular.

O acúmulo de comorbidades e fatores de risco aumenta a probabilidade de hospitalização. As causas mais comuns de internação são doença cardiovascular, infecções e complicações com o acesso vascular.

Hipotensão e hipertensão

Hipotensão

A hipotensão intradialítica (HID) é definida pelo KDOQI (Kidney Disease Outcomes Quality Initiative) pela redução da pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 20 mmHg ou uma diminuição da pressão arterial média em 10 mmHg com necessidade de intervenção. No paciente crônico, a ocorrência de HID associa-se a aumento da mortalidade cardiovascular e mortalidade por todas as causas, sendo mais frequente em idosos, diabéticos, pacientes em mais tempo em diálise e naqueles com hipoalbuminemia [1-3].

A pressão arterial (PA) sofre influência de regulações da própria HD: taxa de ultrafiltração, medicamentos antihipertensivos, variação da osmolalidade plasmática, ingestão de alimentos antes ou durante a sessão e a temperatura do banho de diálise. Doenças clínicas mais graves como infarto agudo do miocárdio, arritmias, embolia gasosa e anafilaxia/reação à membrana do dialisador também podem causar HID e devem ser reconhecidas rapidamente pela alta morbimortalidade. Deve-se desconfiar dessas condições quando existem sintomas associados ou hipotensão refratária [4].

A abordagem imediata diante da HID deve começar pela redução da ultrafiltração (UF) ou, se hipotensão grave ou refratária, zerar totalmente a UF e colocar o paciente na posição de Trendelenburg (pés mais elevados que a cabeça). Caso a PA não tenha sido restabelecida, as medidas seguintes são a reposição volêmica e oferta de oxigênio. A persistência da hipotensão ou a ocorrência de outros sintomas deve desencadear investigação para causas cardiovasculares, infecções e, mais raramente, reações ao dialisador e embolia gasosa [5, 6].

A HID pode ocorrer quando a extração de fluidos durante a hemodiálise é muito intensa. A taxa de UF recomendada no paciente crônico é de 10-13 ml/kg/h. Em um paciente de 70 kg, considerando uma sessão de quatro horas, isso resulta em uma perda de até 3,5 litros por sessão. Pacientes com maior ganho de peso interdialítico têm maior risco de exceder a UF e por isso têm mais chance de HID. Deve-se tentar estabelecer o peso alvo (euvolemia) do paciente - peso seco - por meio da avaliação clínica: sinais e sintomas de hipo e hipervolemia, pressão arterial antes e depois da HD, uso do ultrassom para avaliação volêmica, ultrassom pulmonar, ecocardiograma e a bioimpedância. Com essa determinação do peso alvo, o tempo da sessão de HD pode ser aumentado ou mais dias de hemodiálise estabelecidos para que o peso seja atingido sem que o paciente tenha HID [2, 3].

Além de não superar a UF recomendada, outras medidas de prevenção da HID são evitar os antihipertensivos antes da sessão, evitar alimentação antes e durante a hemodiálise, otimizar dieta hipossódica e, nos pacientes com diurese residual, usar diurético de alça para estimular diurese e proporcionar menor ganho de peso interdialítico. Medidas de ajuste na hemodiálise são uma menor temperatura do banho da diálise (desde que o paciente não fique desconfortável/hipotérmico) e aumentar o tempo da sessão, gerando uma menor UF/hora. O ajuste do perfil de sódio com uma maior concentração no início da HD e sua redução gradual é uma medida possível para prevenir HID, mas de última linha por associar-se a mais sede e rigidez endotelial [2, 7-9].

Hipertensão

Além de ser a etiologia mais comum de doença renal crônica (DRC), a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma consequência da DRC e também está relacionada a maior mortalidade desses pacientes. Entre os fatores que contribuem para a HAS no paciente DRC dialítico (DRCd) estão a hipervolemia/excesso de sódio, hiperativação simpática, ativação do sistema renina angiotensina aldosterona e o uso de estimuladores da eritropoiese. A monitorização da PA na HD é necessária para verificar a estabilidade hemodinâmica do paciente, mas as medidas para diagnóstico e ajuste de anti-hipertensivos devem ser feitas entre as sessões [10-13].

Nas diretrizes do KDOQI, define-se hipertensão pela pressão arterial pré-diálise maior que 140/90 mmHg ou pressão arterial pós-diálise maior que 130/80 mmHg. A hipertensão intradialítica é definida como um aumento de pelo menos 10 mmHg na PAS durante ou imediatamente após a diálise em um certo número de sessões de diálise (nas últimas 3 ou 4 sessões) [1, 14].

A PA alvo do paciente em hemodiálise no período interdialítico é estabelecida por consenso em valores menores que 140/80 mmHg na medida domiciliar. As intervenções para alcançar o alvo são atingir o peso seco e ajustar as medicações anti hipertensivas. Para chegar ao peso seco alvo, deve-se orientar o paciente a restringir sal na dieta e otimizar a UF com a redução do peso seco em 0,5 kg por sessão; caso não tolere, reduzir em 0,2 kg por sessão. Outras estratégias são o aumento do tempo de HD na semana e reduzir o sódio do dialisato [3, 13].

A escolha do anti-hipertensivo deve considerar não só o potencial hipotensor, mas também a redução de eventos cardiovasculares e a farmacologia da medicação na diálise. A primeira linha terapêutica são os betabloqueadores, com benefício cardiovascular para o atenolol e carvedilol [15]. Os bloqueadores de canal de cálcio (BCC) dihidropiridínicos, como anlodipino, são bem tolerados, não dialisáveis e têm benefício cardiovascular [16]. Na persistência da HAS, os inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) e bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA) podem ser usados, mas sem benefício de morbimortalidade cardiovascular e com vigilância para hipercalemia entre as sessões de HD [17].

Nos pacientes com diurese residual, os diuréticos de alça auxiliam no controle volêmico e pressórico. Os diuréticos antagonistas da aldosterona, como a espironolactona, podem ser usados com muita cautela devido à hipercalemia, mas estão sendo estudados com evidências iniciais de benefícios cardiovasculares [18]. Em casos de HAS resistente, após exclusão de causas reversíveis (adesão terapêutica, estenose de artéria renal, diálise inadequada), outros anti hipertensivos como minoxidil (vasodilator) e a clonidina (ação central) podem ser usados [13].

Tabela 1
Medicamentos anti-hipertensivos e características relacionadas à hemodiálise (HD)
Medicamentos anti-hipertensivos e características relacionadas à hemodiálise (HD)

Em um paciente com PA acima de 180/110 mmHg durante a hemodiálise, deve-se excluir uma emergência hipertensiva diante do maior risco cardiovascular desse grupo. Se o paciente está com hipertensão intradialítica, sem sinais de gravidade, após otimização da UF, preferir utilizar os antihipertensivos não dialisáveis conforme especificado na tabela 1.

Cardiovasculares

A abordagem inicial das intercorrências cardiovasculares durante a hemodiálise envolve, além da avaliação clínica, a realização de um eletrocardiograma em todos os casos.

Dor torácica

A precordialgia durante a HD deve ser avaliada pelas características clínicas como uma angina ou sintoma de outras complicações como a embolia gasosa e a hemólise intravascular. A angina nesse contexto pode surgir por obstrução coronariana ou por perfusão miocárdica ineficaz nos pacientes DRCd com hipertrofia ventricular importante [19, 20].

Diante dessa queixa, aconselha-se zerar a ultrafiltração (principalmente se o paciente também estiver hipotenso), reduzir o fluxo de sangue para menos de 200 ml/min e deixar o paciente em decúbito dorsal. A verificação dos sinais vitais e realização do eletrocardiograma de 12 derivações é necessária para todos os pacientes.

Outra medida é verificar a linha de diálise (circuito do sangue do paciente), com atenção à coloração da linha venosa e à procura de ar ou espuma. Uma coloração “de vinho do porto” ou “vermelho cereja” são indicativas de hemólise intravascular. A hemólise pode ser secundária a problemas na solução de diálise, contaminação da água de diálise ou funcionamento inadequado dos roletes na máquina e devem levar à interrupção imediata da sessão, sem a devolução do sangue para o paciente [4].

Caso a precordialgia não melhore, o paciente deve ser avaliado para síndrome coronariana aguda e outras condições de maior gravidade. Outra situação especial é a embolia gasosa, que consiste na entrada de ar na circulação do paciente. Mecanismos de retenção do ar no próprio circuito de hemodiálise tornam essa condição infrequente. Contudo, casos catastróficos com passagem de maior quantidade de ar até a circulação sistêmica, causando obstrução de vasos e isquemia, são descritos. Na suspeita de embolia gasosa, após encerrar a HD, deve-se colocar o paciente em decúbito lateral esquerdo (evitando que o ar na circulação pulmonar chegue à circulação sistêmica), não devolver o sangue para o paciente e ofertar oxigênio [21].

Arritmias

Nos pacientes DRCd, as arritmias e a morte súbita são as causas principais de óbito. A doença cardiovascular associada à DRC e as alterações eletrolíticas predispõem à ocorrência de arritmias. As bradiarritmias são mais prevalentes que as taquiarritmias, provavelmente por estarem relacionadas à hipercalemia. A maior incidência de morte súbita e arritmias ocorre nos períodos interdialíticos mais longos (segundas e terças) [22].

Diante da evidência eletrocardiográfica da arritmia, além do manejo específico guiado pelo Advanced Cardiovascular Life Support (ACLS), o ideal é interromper a HD e avaliar a transferência para um ambiente hospitalar caso o paciente esteja em HD ambulatorial.

Algumas medidas relacionadas à diálise para prevenção de arritmias são:

  • Banho de diálise com concentração de potássio > 2 mEq/L;
  • Banho de diálise com concentração de cálcio > 2,5 mEq/L;
  • Evitar banho de diálise com alta concentração de bicarbonato, já que a alcalose metabólica relaciona-se com prolongamento do intervalo QT [22, 23].

Síncope

Síncopes durante a HD têm várias explicações, indo de hipovolemia gerando hipofluxo cerebral até um quadro mais grave como acidente vascular cerebral (AVC). A abordagem sugerida é semelhante a hipotensão intradialítica: desligar a ultrafiltração, elevar as pernas do paciente, ofertar oxigênio, checar os sinais vitais e a glicemia capilar. Investigação inicial com eletrocardiograma e exames laboratoriais incluindo troponina devem ser seguidas pela transferência para avaliação hospitalar [24].

Febre e calafrios

Os pacientes em hemodiálise podem dialisar por fístulas arteriovenosas (FAV) ou por cateteres. Os cateteres podem ser de curta permanência (uso recomendado por menos de duas semanas), também chamados de cateteres de diálise ou cateteres de Shilley, ou de longa permanência, conhecidos como permcath. Os de longa permanência têm um trajeto de túnel pelo subcutâneo do paciente antes de entrar no vaso. Esse túnel protege contra a entrada de germes de pele.

A infecção do sítio do cateter é definida por sinais inflamatórios no local de saída do cateter e estes sinais possuem menos de 2 cm de extensão. A tunelite é quando ocorre infecção do túnel subcutâneo do cateter de longa permanência, situação em que os sinais flogísticos se estendem para além de 2 cm do óstio de saída do cateter. Os agentes causadores mais frequentes são bactérias da flora da pele, sendo os gram positivos os principais causadores dessas infecções. Essas infecções podem progredir através do cateter e acometer a corrente sanguínea, levando a uma infecção de corrente sanguínea relacionada ao cateter (ICSRC).

Além da migração da pele para a corrente sanguínea, o desenvolvimento de ICSRC pode ocorrer também por inoculação direta através de manipulação contaminada. A migração através da pele é menos frequente nos cateteres tunelizados (permcath) pela presença do manguito de Dacron que restringe essa migração [25-27].

A febre iniciada durante a HD é um sinal de alarme para infecções relacionadas ao procedimento, em especial associadas ao acesso da HD. Nesse caso sempre devem ser coletadas hemoculturas. A ICSRC é mais frequente nos cateteres não tunelizados do que nos tunelizados (longa permanência). A incidência de bacteremia por infecção do acesso vascular é dez vezes maior nos pacientes que dialisam por cateter quando comparados aqueles que dialisam por FAV. A presença de calafrios sem febre também é um sinal de alarme e deve desencadear a mesma abordagem da suspeita de bacteremia com coleta de hemoculturas do paciente e do sangue direto do acesso da HD [28, 29].

Na abordagem desses pacientes, a coleta de hemoculturas deve ser realizada antes da administração de antimicrobianos. A retirada do cateter depende da urgência da diálise, estabilidade hemodinâmica do paciente e do tipo de cateter. Cateteres de curta permanência sempre devem ser removidos. Para os cateteres tunelizados, as indicações de retirada são:

  • Instabilidade hemodinâmica grave
  • Tunelite
  • Infecção metastática
  • Infecção por S. aureus, Pseudomonas, fungos, micobactérias e microrganismos multidroga resistentes [29].

O diagnóstico de ICSRC historicamente é feito com um dos três critérios a seguir [27]:

  • Tempo de positividade de hemocultura coletada do cateter 120 minutos menor do que o da hemocultura coletada de sangue periférico. Dito de outra maneira, é quando a cultura do cateter cresce mais cedo e a diferença entre essa cultura e a periférica é de pelo menos duas horas.
  • Quantidade de colônias pelo menos três vezes maior em hemocultura de cateter em relação a hemocultura periférica. Esse critério exige cultura quantitativa.
  • Cultura de ponta de cateter e hemocultura com crescimento do mesmo microorganismo.

Esses critérios são questionados atualmente, com estudos sugerindo que os critérios de tempo de positividade de culturas e a cultura de ponta de cateter possuem baixo valor diagnóstico [30-32]. Além disso, a cultura quantitativa é pouco disponível na prática clínica. Assim, o diagnóstico de ICSRC muitas vezes é presumido clinicamente, principalmente em pacientes com infecção de corrente sanguínea e presença de sinais flogísticos em cateter ou em paciente com bacteremia sem outro foco identificado. A presença de complicações metastáticas venosas como embolia séptica pulmonar e a melhora após retirada do cateter podem auxiliar nesse diagnóstico.

Os antimicrobianos devem ser administrados após a coleta das hemoculturas. A escolha das drogas é orientada pela prevalência de microrganismos na população. Um esquema empírico habitual é vancomicina e ceftazidima intravenosos, conferindo cobertura de amplo espectro. Em casos de não retirada do cateter, a lock terapia - preenchimento do cateter com solução do antimicrobiano com heparina - pode ser realizada junto à antibioticoterapia sistêmica para tentar intervir no biofilme. Após o resultado das culturas e perfil de sensibilidade do microrganismo, o esquema antibiótico deve ser ajustado [33, 34].

Neurológicas

Cãibras

As cãibras estão entre os sintomas mais comuns do paciente em hemodiálise. Há uma contração muscular involuntária por um mecanismo ainda desconhecido. Por ser mais frequente no final da sessão, acredita-se que a mudança da osmolaridade e do volume plasmático possam ter relação com esse sintoma.

No manejo e prevenção, tenta-se reduzir a taxa de ultrafiltração sem deixar o paciente hipervolêmico e otimizar a osmolaridade do paciente com uso de glicose 50% ou solução hipertônica. Estão em estudo a vitamina E e neuromoduladores como a gabapentina [35-38].

Cefaleia

A cefaleia é outra queixa frequente durante as sessões de HD, com prevalência de 20% a 70%. Além dos quadros primários (enxaqueca, cefaleia tensional), podem ocorrer alterações metabólicas (hipoglicemia, disnatremias) e remoção de substâncias da diálise (ex.: cafeína) que ocasionam cefaleia.

Existe ainda a síndrome de cefaléia associada à diálise, que relaciona-se à retirada de substâncias como óxido nítrico. Essa condição é caracterizada por uma cefaleia frontal, pulsátil, surgindo logo após o início da HD, piorando durante a sessão, podendo ser acompanhada por náuseas e vômitos. Uma das formas de reduzir a ocorrência é realizar sessões de HD mais curtas (duas horas), mesmo que por mais dias da semana para não perder a eficiência da diálise [39-41].

Convulsões

Convulsões podem surgir por situações próprias da HD, como desequilíbrio metabólico e hemodinâmico, ou por causas semelhantes às da população geral, como neuroinfecções, hemorragia intracraniana e êmbolos sépticos. Causas específicas da HD são a encefalopatia urêmica, encefalopatia hipertensiva e a síndrome do desequilíbrio da diálise. A disfunção renal resulta em alterações na farmacocinética, o que aumenta o risco de convulsões com o uso de medicações que reduzem o limiar convulsivo, como cefepime e carbapenêmicos [42, 43].

A abordagem da convulsão deve iniciar com a interrupção da sessão de HD, devolução do sangue para o paciente, proteção do paciente colocando-o de lado e protegendo o acesso vascular. A via aérea deve ser protegida e a glicemias e eletrólitos sempre checados. Na persistência da crise, o manejo medicamentoso segue com benzodiazepínico e outros anticonvulsivantes. O manejo agudo não difere substancialmente dos pacientes que têm crises epilépticas e não fazem HD, porém no manejo crônico deve-se atentar para o ajuste das medicações para a função renal [44, 45]. Para saber mais sobre anticonvulsivantes, veja a revisão Anticonvulsivantes.

Síndrome do desequilíbrio da diálise

Uma complicação mais grave é a síndrome do desequilíbrio da diálise (SDD). A SDD é a consequência de um edema cerebral, sendo a explicação mais aceita a de que a redução rápida da ureia com a HD gere uma diferença osmótica, levando à entrada de água para as células cerebrais. Os fatores de risco principais são nível de ureia antes da HD mais elevado (> 175 mg/dL), com maior frequência nas primeiras sessões de hemodiálise ou quando o paciente fica um maior período sem dialisar. Fatores associados ao paciente correlacionam-se com a menor plasticidade neuronal: idade avançada, doença neurológica prévia ou condições com maior permeabilidade da barreira hematoencefálica como a meningite [46, 47].

As manifestações da SDD variam desde sintomas leves como cefaleia e tontura até convulsões, coma e óbito. Deve-se suspeitar nos pacientes com fatores de risco e que comecem essas manifestações após o início da HD, especialmente nas primeiras sessões. O diagnóstico é clínico. Um exame de neuroimagem deve ser realizado após estabilização clínica do paciente para excluir outras condições neurológicas como AVC isquêmico ou hemorragias [48].

Diante de sintomas leves, pode-se realizar medicações sintomáticas e ajustar o nível de sódio na própria máquina de HD. Caso o paciente não melhore em até 30 minutos, aconselha-se interromper a sessão. Nas situações mais graves - convulsão ou coma com evidência de aumento da pressão intracraniana - interrompe-se a HD e usa-se solução hipertônica ou manitol.

Para prevenir a DDS, aconselha-se que a primeira sessão de HD seja com baixo fluxo de sangue (150-200 ml/min) e curto tempo (2 horas), com aumento progressivo nas sessões seguintes desde que haja boa tolerância. Outra medida é o ajuste do sódio durante a sessão de HD de acordo com a depuração da ureia e do sódio do paciente [46, 49].

Complicações do acesso vascular

Para realização da HD, há necessidade de um acesso vascular e um circuito extracorpóreo acionado por uma bomba que impulsiona o sangue e permite a troca de solutos e água. O acesso vascular pode ser um cateter de duplo lúmen de curta ou longa permanência em uma veia de grande calibre ou uma fístula arteriovenosa (FAV) ou enxerto arteriovenoso [50].

A inserção do cateter, seja de curta ou longa permanência, requer cuidados. A ordem recomendada do sítio de punção é veia jugular interna direita (VJID), seguido por veia jugular externa, veia femoral, veia subclávia e veia lombar. Essa sequência leva em consideração a vantagem de uma anatomia mais linear no lado direito (da VJID para veia cava superior e o átrio direito), o risco de trombose das veias ilíacas no sítio femoral com consequente redução do sucesso do transplante renal e o maior risco de estenose central com a veia subclávia [50].

O uso do ultrassom e a orientação fluoroscópica dos fios e do cateter têm reduzido as complicações relacionadas à punção. Contudo, ainda podem ocorrer punções arteriais inadvertidas, pneumotórax e hematomas. A infecção relacionada ao cateter é uma preocupação constante e pode ocorrer desde a infecção do local de saída até e infecção de corrente sanguínea associada ao cateter [51-53].

O fluxo de sangue inadequado é uma das preocupações do mau funcionamento do acesso, em especial quando a diálise é feita por cateteres. A disfunção do cateter pode ocorrer por obstrução mecânica - acotovelamento do cateter, posicionamento inadequado, compressão local pela própria sutura - ou por trombose intraluminal ou mural. A disfunção do cateter gera um baixo fluxo de sangue (< 300 ml/min), levando a hemodiálise de baixa eficiência. A máquina de HD deve sinalizar com alarmes quando o fluxo da bomba de sangue está abaixo do estipulado na terapia [54].

No cateter que nunca funcionou adequadamente após sua colocação, deve-se pesquisar o posicionamento e a fixação do cateter. Já se o cateter funcionava bem e parou de gerar o fluxo adequado, essa disfunção é comumente uma consequência de um trombo no próprio cateter ou um trombo atrial relacionado ao cateter. O exame de imagem auxilia nos casos de disfunção e a abordagem é variada: troca do cateter, uso de substância lítica (ex.: Actylise®), anticoagulação sistêmica até trombectomia cirúrgica [28, 55-57].

As intercorrências relacionadas à FAV e o enxerto vascular são os problemas locais, a falha do acesso e as complicações sistêmicas secundárias a mudança da fisiologia vascular como a insuficiência cardíaca secundária ao alto débito da FAV [58]. A tabela 2 resume essas complicações.

Tabela 2
Complicações da fístula arteriovenosa e do enxerto vascular
Complicações da fístula arteriovenosa e do enxerto vascular

Diante do sangramento no local de acesso da FAV, aconselha-se realizar pressão direta e contínua do local por 15 a 20 minutos. Caso não cesse, o paciente deve ser avaliado imediatamente pelo cirurgião vascular [47].

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