Semaglutida para Prevenção Cardiovascular Secundária
A semaglutida reduz eventos cardiovasculares em pacientes com diabetes. Será que essa droga é capaz de reduzir esses desfechos em pacientes de alto risco sem diabetes, porém com obesidade ou sobrepeso? Essa foi a pergunta que o estudo SELECT, publicado no New England Journal of Medicine em novembro, tentou responder [1]. Esse tópico revisa o que existe para prevenção secundária e traz os resultados do estudo.
Definição de alto risco cardiovascular
A população de pacientes que já teve um evento cardiovascular inclui aqueles com infarto, AVC ou doença arterial obstrutiva periférica (DAOP). Nesse grupo estão também pacientes que já tiveram um ataque isquêmico transitório, que possuem angina estável ou claudicação intermitente de causa vascular. Independente de comorbidades ou outros fatores de risco, todas essas pessoas têm muito alto risco cardiovascular.
Em pacientes que não tiveram evento, a definição de alto risco e muito alto risco cardiovascular depende da probabilidade de um evento ocorrer nos próximos dez anos. Para definir alto risco, algumas diretrizes estipulam uma probabilidade de mais de 20% nos próximos dez anos, enquanto risco intermediário é definido por uma probabilidade entre 7,5% e 20% [2]. Os dois links a seguir tem calculadoras para estimar o risco: calculadora para estratificação de risco cardiovascular SBC e ASCVD risk estimator.
Apesar de certas limitações, alguns aplicam as recomendações de prevenção cardiovascular secundária aos pacientes que nunca tiveram evento e que têm alto risco. O argumento é que o elevado risco torna mais fácil reproduzir os benefícios encontrados na prevenção secundária.
Prevenção secundária de eventos cardiovasculares
A prevenção secundária de eventos cardiovasculares pode ser dividida em medidas farmacológicas e modificações do estilo de vida.
Entre as mudanças do estilo de vida, recomenda-se:
- Cessação do tabagismo.
- Dieta saudável. Uma das dietas com mais evidência de redução de eventos é a dieta mediterrânea.
- Atividade física. Pelo menos 150 minutos/semana de moderada intensidade ou 75 minutos/semana de alta intensidade.
- Limitar o consumo de álcool.
Entre as estratégias farmacológicas, deve-se controlar três comorbidades: hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) e dislipidemia. Além disso, todo paciente com doença cardiovascular estabelecida deve utilizar ácido acetilsalicílico (AAS). Naqueles que não toleram AAS, uma opção é o clopidogrel.
O estudo SELECT
A obesidade tem impacto indireto na incidência de doenças cardiovasculares ao aumentar o risco de HAS, DM e dislipidemia. Porém, existe também um efeito direto da obesidade no aumento do risco cardiovascular, independente das comorbidades. Havia dúvida se a semaglutida seria capaz de atuar nessa via, a despeito das comorbidades.
O SELECT foi um ensaio clínico randomizado que comparou a semaglutida contra placebo na prevenção secundária de eventos cardiovasculares. O estudo foi duplo cego e guiado por eventos. O estudo foi patrocinado pela Novo Nordisk, fabricante da semaglutida.
Os pacientes precisavam ter mais de 45 anos, IMC de 27 ou mais e doença cardiovascular estabelecida para serem incluídos no estudo. Doença cardiovascular foi definida como infarto prévio, AVC ou DAOP. Pessoas com diabetes eram excluídas do estudo. Os pacientes eram randomizados para semaglutida, objetivando uma dose de 2,4 mg, ou placebo. O desfecho primário foi uma composição de morte cardiovascular, infarto não fatal e AVC - eventos considerados como eventos cardiovasculares maiores ou MACE.
O estudo incluiu ao todo 17.600 pacientes com média de idade de 61 anos. A média de IMC foi de 33. Mais de 3/4 dos pacientes tiveram infarto prévio e 1/4 tinha insuficiência cardíaca. A maioria estava em uso de estatina (90%) e antiagregante plaquetário (86%). A pressão sistólica média no início do estudo era de 130 mmHg e o colesterol LDL de 78 mg/dl.
O que o estudo encontrou?
Houve diferença significativa no desfecho primário favorecendo o grupo semaglutida. Em um acompanhamento médio de 40 meses, a incidência do desfecho primário no grupo semaglutida foi de 6,5% contra 8,0% no placebo. Estes resultados resultam em um NNT de 67. Considerando os desfechos individuais, o que a semaglutida mais influenciou foi infarto não fatal.
Mais pacientes do grupo semaglutida suspenderam a droga por eventos adversos (16% vs 8%). Essa diferença se deu por eventos gastrointestinais. Mais pacientes no grupo semaglutida tiveram doenças biliares, o que já havia sido percebido em estudos anteriores.
A redução na incidência de MACE começa antes de perda de peso significativa, sugerindo um mecanismo além da perda de peso.
O estudo é um avanço na prevenção secundária cardiovascular e deve motivar novas recomendações. Apesar dos bons resultados, o acesso à medicação é um limitante significativo. Ainda não temos a formulação de 2,4 mg no Brasil e o preço da formulação atual já não é acessível para a maioria da população.
Essa nova evidência é bem recebida, porém não deve retirar o foco de fazer o básico bem feito. Promover modificações do estilo de vida e controlar HAS, DM e dislipidemia são pilares da prevenção cardiovascular.
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