Antibióticos Inalatórios
Em novembro de 2023, foi publicado no New England Journal of Medicine um estudo que avaliou a amicacina inalatória para prevenção de pneumonia associada à ventilação [1]. Este tópico aborda o uso de antibióticos por via inalatória em diversos cenários, incluindo este.
Mecanismo e administração dos antibióticos inalatórios
Os estudos com antibióticos inalatórios focam principalmente em três situações:
- Fibrose cística e bronquiectasias por causas diferentes de fibrose cística
- Tratamento de infecções pulmonares
- Prevenção de pneumonia associada à ventilação
O motivo para a administração inalatória é o aumento da concentração de antimicrobianos no parênquima pulmonar e a menor absorção sistêmica, levando a menos efeitos adversos. Além disso, é uma estratégia para tratamento de infecções respiratórias por microrganismos resistentes e de difícil tratamento, como Pseudomonas aeruginosa.
Existem dois métodos principais de administração de antibióticos de forma inalatória (figura 1):
- Nebulizadores:
- à jato
- ultrassônico
- malha vibratória
- Inaladores:
- dosimetrado pressurizado - metered-dose inhaler (MDI)
- pó seco - dry-powder inhaler (DPI)
O método influencia no tamanho da partícula que é formada para inalação. Partículas muito grandes podem ficar represadas na via aérea superior e partículas muito pequenas podem sair com a expiração.
Os principais antibióticos testados para tratamento por via inalatória são: tobramicina, amicacina, colistina, ceftazidima e aztreonam. Os estudos usam a formulação de solução para inalação. Na prática clínica, as formulações de solução para injeção são usadas de forma off-label. Nesses casos, não há previsibilidade de dosagem adequada e de efeitos colaterais [2].
O principal efeito adverso dos antibióticos inalatórios é o broncoespasmo. Estudos demonstram diminuição de VEF1 e CVF após inalação, com melhora após uso de broncodilatador. Há recomendação de uso de broncodilatadores antes da terapia.
Indicação dos antibióticos inalatórios
O uso de tobramicina inalatória é recomendado para pacientes com fibrose cística com persistência de Pseudomonas aeruginosa em culturas de escarro. A terapia está associada à melhora da qualidade de vida e função pulmonar em pacientes com doença moderada ou grave. Em pacientes com doença leve está associada à diminuição de exacerbações [3].
Em pacientes com bronquiectasias por causas diferentes de fibrose cística, a diretriz britânica de 2010 sugere considerar o uso naqueles com três ou mais exacerbações necessitando de antibióticos e que também sejam cronicamente colonizados por Pseudomonas aeruginosa. Para pacientes com menos de três exacerbações, a terapia pode ser considerada a depender da morbidade das exacerbações [4].
Em pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), a diretriz da Infectious Disease Society of America (IDSA) recomenda o uso de antibiótico inalatório em infecções por gram-negativos sensíveis apenas a amicacina e/ou polimixina. Essa recomendação se baseia em estudos que demonstraram maior cura clínica, mas não diminuição de mortalidade com o uso [5].
Prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica: estudo AMIKINHAL
O AMIKINHAL é um estudo multicêntrico, duplo-cego e randomizado que avaliou o uso de amicacina inalatória para prevenção de PAV. Foram incluídos 847 pacientes críticos que passaram pelo menos 72 horas em ventilação mecânica. O desfecho primário foi o primeiro episódio de PAV nos primeiros 28 dias do acompanhamento. Os pacientes do grupo intervenção receberam 20 mg/kg de amicacina (pó de amicacina livre de sulfito), através de um nebulizador de malha vibratória, por três dias consecutivos. O grupo controle recebia inalação placebo também por três dias. Em caso de extubação o tratamento era suspenso.
Houve diferença significativa entre os grupos, com vantagem para a intervenção. Após 28 dias, 15% dos pacientes no grupo intervenção apresentaram episódio de PAV, enquanto no grupo controle esse número foi de 22%. Considerando apenas episódios de PAV por gram-negativos sensíveis à amicacina, o grupo intervenção apresentou incidência de 7%, em comparação com 14% no grupo controle. Não houve diferença em tempo de ventilação mecânica e mortalidade.
Efeitos adversos graves respiratórios ocorreram em sete pacientes do grupo amicacina e em quatro pacientes do grupo placebo. Entre os pacientes que não apresentavam disfunção renal no momento da randomização, 4% desenvolveram lesão renal aguda no grupo amicacina e 8% no grupo controle.
O que o estudo AMIKINHAL acrescentou
Apesar do desfecho positivo, existem alguns questionamentos sobre os resultados:
- Não existe padrão ouro para o diagnóstico de PAV. Utilizar o critério microbiológico pode resultar em sobrediagnóstico, caracterizando como PAV alguns pacientes que são apenas colonizados. Nessa linha, o antibiótico inalatório poderia reduzir a colonização, sem tratar PAV de fato.
- Não houve mudança no tempo de ventilação mecânica, colocando em dúvida o benefício clínico da intervenção.
- A introdução dessa prática requer uma estrutura que inclui nebulizadores, formulação para inalação de antibióticos e treinamento de equipe.
- Existe risco de aumento de resistência em gram-negativos com exposição repetida à amicacina.
Apesar do desfecho positivo neste trabalho, mais estudos são necessários para confirmar o benefício e a intervenção ser incorporada na prática clínica.
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