Antibióticos Inalatórios

Criado em: 08 de Janeiro de 2024 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Em novembro de 2023, foi publicado no New England Journal of Medicine um estudo que avaliou a amicacina inalatória para prevenção de pneumonia associada à ventilação [1]. Este tópico aborda o uso de antibióticos por via inalatória em diversos cenários, incluindo este.

Mecanismo e administração dos antibióticos inalatórios

Os estudos com antibióticos inalatórios focam principalmente em três situações:

  • Fibrose cística e bronquiectasias por causas diferentes de fibrose cística
  • Tratamento de infecções pulmonares
  • Prevenção de pneumonia associada à ventilação

O motivo para a administração inalatória é o aumento da concentração de antimicrobianos no parênquima pulmonar e a menor absorção sistêmica, levando a menos efeitos adversos. Além disso, é uma estratégia para tratamento de infecções respiratórias por microrganismos resistentes e de difícil tratamento, como Pseudomonas aeruginosa.

Existem dois métodos principais de administração de antibióticos de forma inalatória (figura 1):

  • Nebulizadores:
    • à jato
    • ultrassônico
    • malha vibratória
  • Inaladores:
    • dosimetrado pressurizado - metered-dose inhaler (MDI)
    • pó seco - dry-powder inhaler (DPI)
Figura 1
Exemplos de nebulizadores e inaladores
Exemplos de nebulizadores e inaladores

O método influencia no tamanho da partícula que é formada para inalação. Partículas muito grandes podem ficar represadas na via aérea superior e partículas muito pequenas podem sair com a expiração.

Os principais antibióticos testados para tratamento por via inalatória são: tobramicina, amicacina, colistina, ceftazidima e aztreonam. Os estudos usam a formulação de solução para inalação. Na prática clínica, as formulações de solução para injeção são usadas de forma off-label. Nesses casos, não há previsibilidade de dosagem adequada e de efeitos colaterais [2].

O principal efeito adverso dos antibióticos inalatórios é o broncoespasmo. Estudos demonstram diminuição de VEF1 e CVF após inalação, com melhora após uso de broncodilatador. Há recomendação de uso de broncodilatadores antes da terapia.

Indicação dos antibióticos inalatórios

O uso de tobramicina inalatória é recomendado para pacientes com fibrose cística com persistência de Pseudomonas aeruginosa em culturas de escarro. A terapia está associada à melhora da qualidade de vida e função pulmonar em pacientes com doença moderada ou grave. Em pacientes com doença leve está associada à diminuição de exacerbações [3].

Em pacientes com bronquiectasias por causas diferentes de fibrose cística, a diretriz britânica de 2010 sugere considerar o uso naqueles com três ou mais exacerbações necessitando de antibióticos e que também sejam cronicamente colonizados por Pseudomonas aeruginosa. Para pacientes com menos de três exacerbações, a terapia pode ser considerada a depender da morbidade das exacerbações [4].

Em pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV), a diretriz da Infectious Disease Society of America (IDSA) recomenda o uso de antibiótico inalatório em infecções por gram-negativos sensíveis apenas a amicacina e/ou polimixina. Essa recomendação se baseia em estudos que demonstraram maior cura clínica, mas não diminuição de mortalidade com o uso [5].

Prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica: estudo AMIKINHAL

O AMIKINHAL é um estudo multicêntrico, duplo-cego e randomizado que avaliou o uso de amicacina inalatória para prevenção de PAV. Foram incluídos 847 pacientes críticos que passaram pelo menos 72 horas em ventilação mecânica. O desfecho primário foi o primeiro episódio de PAV nos primeiros 28 dias do acompanhamento. Os pacientes do grupo intervenção receberam 20 mg/kg de amicacina (pó de amicacina livre de sulfito), através de um nebulizador de malha vibratória, por três dias consecutivos. O grupo controle recebia inalação placebo também por três dias. Em caso de extubação o tratamento era suspenso.

Houve diferença significativa entre os grupos, com vantagem para a intervenção. Após 28 dias, 15% dos pacientes no grupo intervenção apresentaram episódio de PAV, enquanto no grupo controle esse número foi de 22%. Considerando apenas episódios de PAV por gram-negativos sensíveis à amicacina, o grupo intervenção apresentou incidência de 7%, em comparação com 14% no grupo controle. Não houve diferença em tempo de ventilação mecânica e mortalidade.

Efeitos adversos graves respiratórios ocorreram em sete pacientes do grupo amicacina e em quatro pacientes do grupo placebo. Entre os pacientes que não apresentavam disfunção renal no momento da randomização, 4% desenvolveram lesão renal aguda no grupo amicacina e 8% no grupo controle.

O que o estudo AMIKINHAL acrescentou

Apesar do desfecho positivo, existem alguns questionamentos sobre os resultados:

  • Não existe padrão ouro para o diagnóstico de PAV. Utilizar o critério microbiológico pode resultar em sobrediagnóstico, caracterizando como PAV alguns pacientes que são apenas colonizados. Nessa linha, o antibiótico inalatório poderia reduzir a colonização, sem tratar PAV de fato.
  • Não houve mudança no tempo de ventilação mecânica, colocando em dúvida o benefício clínico da intervenção.
  • A introdução dessa prática requer uma estrutura que inclui nebulizadores, formulação para inalação de antibióticos e treinamento de equipe.
  • Existe risco de aumento de resistência em gram-negativos com exposição repetida à amicacina.

Apesar do desfecho positivo neste trabalho, mais estudos são necessários para confirmar o benefício e a intervenção ser incorporada na prática clínica.

Aproveite e leia:

15 de Julho de 2024

Betabloqueadores e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica

A doença cardiovascular é a principal causa de morte em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Os betabloqueadores são medicamentos que podem reduzir a mortalidade cardiovascular em diversas condições, porém podem aumentar o risco de broncoespasmo e exacerbação de DPOC. O estudo BICS, publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em maio de 2024, avaliou a segurança do bisoprolol em pacientes com DPOC. Este tópico do guia revisa o tema e resume o estudo.

10 min
Ler Tópico
12 de Junho de 2023

Tomografia de Crânio no Delirium

Delirium é uma síndrome com várias causas e manifestações. Os exames complementares que fazem parte da investigação do delirium não são consensuais. O Journal of the American Geriatric Society publicou um trabalho que tenta responder como a tomografia de crânio pode ajudar no esclarecimento das causas de alteração do estado mental ou delirium. Este tópico revisa o diagnóstico e a investigação de delirium e traz os resultados do estudo.

11 min
Ler Tópico
22 de Julho de 2024

Atualização sobre Pré-Oxigenação: o Estudo PREOXI

A pré-oxigenção na intubação de sequência rápida foi abordada no tópico Pré-Oxigenação e Oxigenação Apneica na Intubação. O estudo PREOXI, publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em junho de 2024, motivou uma nova visita a esse tema. Este tópico aborda os resultados do estudo.

9 de Setembro de 2024

Extubação: Cuidados e Como Fazer

A falha de extubação possui uma incidência em torno de 15% e está associada a piores desfechos e aumento da mortalidade. O tópico “Extubação: Cuidados e Como Fazer” revisa o processo de extubação, incluindo avaliação neurológica, proteção de via aérea, testes respiratórios e outros passos para um procedimento adequado.

11 min
Ler Tópico
31 de Julho de 2023

Asma - GINA 2023

Aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo têm asma. Anualmente o Global Initiative for Asthma (GINA) publica suas diretrizes para orientar o tratamento da doença. Essa revisão traz os principais pontos da diretriz publicada em 2023.

24 min
Ler Tópico