Prevalência, Fatores de Risco e Subdiagnóstico de Demências no Brasil
Com a transição demográfica, o atendimento a pessoas com demências será cada vez mais comum. Apesar da sua relevância, até recentemente o Brasil carecia de dados epidemiológicos sobre o tema. O estudo da iniciativa ELSI-Brasil veio para mudar esse cenário [1]. Este tópico revisa a definição, fatores de risco e prevalência das demências no Brasil.
Definição de demência e condições relacionadas
As síndromes cognitivas podem ser classificadas da seguinte forma:
- Declínio cognitivo subjetivo (DCS): presença de queixas cognitivas, porém com testes cognitivos sem alterações e funcionalidade preservada. É também conhecido como "comprometimento cognitivo subjetivo" ou "queixa de memória subjetiva". Aqueles com DCS têm risco cerca de duas vezes maior de progredir para comprometimento cognitivo leve do que indivíduos sem queixas [2].
- Comprometimento cognitivo leve (CCL): definido pela presença de alterações na testagem cognitiva, sem alterações na funcionalidade para as atividades instrumentais da vida diária (AIVD). Um terço dos pacientes com CCL progredirão para demência em cinco anos [3].
- Demência: definida pela presença de alteração na testagem cognitiva de um ou mais domínios cognitivos, associada a prejuízo na funcionalidade de pelo menos uma das AIVD. É necessária a exclusão de diagnósticos diferenciais, entre eles delirium, deficiência de vitamina B12 e depressão.
Quais são os fatores de risco das demências?
Em 2020, foi publicado no Lancet um artigo que reuniu evidências para definir os principais fatores de risco para o desenvolvimento de demências (tabela 1) [4]. Essa publicação sugeriu que o controle dos fatores de risco modificáveis seria capaz de prevenir o desenvolvimento de 40% dos casos de demência.
Alguns pontos de destaque sobre os fatores de risco:
- O controle dos principais fatores de risco cardiovasculares também tem impacto na prevenção do declínio cognitivo. O documento Life's Essential 8 da American Heart Association destaca a importância dessa abordagem como medida de promoção de saúde em geral [5].
- A saúde cognitiva na faixa etária geriátrica é uma construção ao longo da vida.
- A despeito do entusiasmo quanto aos anticorpos monoclonais lançados para a prevenção da doença de Alzheimer, essas medicações têm alto custo. O estudo FINGERS encontrou que intervir nos fatores de risco também poderia prevenir a evolução de um quadro cognitivo inicial para demência, sendo essa uma alternativa mais barata e acessível [6]. Para mais informações sobre o tratamento farmacológico da doença de Alzheimer, veja o tópico sobre Tratamento Farmacológico de Alzheimer.
O ELSI-Brasil
A maior parte dos estudos com dados epidemiológicos das demências no Brasil foi realizada em cidades do sudeste do país [7-9]. A escassez de informações a respeito desse problema em outras regiões traz dúvida sobre a real epidemiologia brasileira.
O ELSI (Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos)-Brasil é uma cooperação nacional que tem como objetivo coletar dados de amostras populacionais nacionalmente representativas dos idosos brasileiros. O ELSI-Brasil é a divisão nacional do Health and Retirement Studies, um grupo internacional de estudos voltados às pessoas idosas que têm metodologia similar, podendo ser comparados entre si.
Um dos estudos derivados do ELSI avaliou a epidemiologia das demências e do comprometimento cognitivo não-demência (ou CCL) no Brasil, publicado em junho de 2023 [1]. Sua metodologia envolveu a coleta de dados e testagem cognitiva sumária por entrevistadores no domicílio dos participantes.
Foram incluídos 5.249 indivíduos com idade acima de 60 anos. Nessa amostra, 8,1% deles possuíam CCL e 5,8% demência.
A prevalência de demência foi maior nos seguintes grupos:
- Pessoas mais velhas - prevalência de 3,2% na faixa etária de 60 a 65 anos e de 42,8% na faixa etária acima de 90 anos.
- Mulheres
- Baixa escolaridade
- Depressão
- Hipertensão arterial
Essa publicação do ELSI também traz projeções para a prevalência futura de demência no Brasil. Supondo uma incidência constante, a expectativa é que o número de casos se multiplicará por cinco até 2050.
A taxa de subdiagnóstico foi elevada - 82% das pessoas com demência não tinham diagnóstico conhecido. Essa estatística era esperada. Em um estudo de 2011, foram selecionados aleatoriamente e submetidos à testagem cognitiva pacientes idosos acompanhados no ambulatório de clínica médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo [10]. Cerca de 83% das pessoas com prejuízos identificados nos testes não tinham seu declínio cognitivo previamente registrado em prontuário. Isso sugere que a capacitação para o diagnóstico de demência e condições relacionadas ainda precisa melhorar.
A evidência atual não permite uma recomendação de rastreio populacional de demência, porém algumas situações devem aumentar a suspeita de comprometimento cognitivo [11]. Pessoas com fatores de risco ou de grupos com maior prevalência, dificuldade de adesão terapêutica e redução da assiduidade em consultas sugerem que uma avaliação cognitiva pode ajudar. Até a propensão a cair em golpes é citada como um sinal relacionado ao comprometimento cognitivo e pode passar despercebida [12].
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