Critérios de Beers de 2023 e Prescrição Segura em Idosos
A prescrição em idosos tem desafios como a multimorbidade e a polifarmácia, além de características fisiológicas do envelhecimento que aumentam o risco de eventos adversos. A American Geriatrics Society publicou em 2023 uma atualização dos critérios de Beers, um documento que auxilia a identificar medicamentos potencialmente inapropriados em idosos [1]. Esta edição do guia revisa a publicação e conceitos sobre prescrição segura nessa população.
Particularidades da prescrição em idosos
Alterações próprias do envelhecimento podem modificar a absorção, metabolização e eliminação de medicamentos [2-4]. Entre essas mudanças, destacam-se:
- Maior proporção de tecido adiposo, alterando o volume de distribuição de medicamentos
- Redução de albumina plasmática, alterando a velocidade de distribuição dos medicamentos
- Redução do débito cardíaco e perfusão renal e hepática, diminuindo a capacidade de metabolização e excreção de medicamentos
Além dessas alterações, pacientes idosos têm maior prevalência de doenças crônicas, que podem coexistir. As comorbidades impactam nos processos já mencionados e muitas vezes exigem tratamentos farmacológicos de longo prazo, resultando em polifarmácia [5].
A polifarmácia é caracterizada pelo uso crônico de cinco ou mais classes medicamentosas [6]. Essa situação aumenta a sobrecarga do cuidado, os gastos em saúde e o risco de interações medicamentosas. Também está relacionada a maior risco de quedas, hospitalizações e piora funcional e cognitiva [6, 7].
Em alguns cenários, a polifarmácia é justificada pela complexidade do cuidado e das comorbidades em tratamento [5]. É o caso de indivíduos com doenças crônicas como doença coronariana ateroesclerótica, doença de Parkinson e diabetes.
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Por outro lado, algumas vezes a polifarmácia pode ser evitada, como na prescrição em cascata. Esta situação é definida pela introdução de uma intervenção (farmacológica ou não) para controle de um efeito adverso de outro medicamento já usado previamente. A figura 1 descreve alguns exemplos de prescrição em cascata.
Como garantir uma prescrição racional em idosos?
A análise da prescrição deve conter três etapas [8]:
- Identificação de todos os medicamentos em uso e suas respectivas indicações
- Identificação de vulnerabilidades do paciente - declínio cognitivo, baixo suporte social e polifarmácia
- Identificação dos riscos relacionados aos fármacos
Os objetivos dos medicamentos de uso crônico podem ser classificados em: controle de sintomas, redução de mortalidade ou prevenção de desfechos (como tromboses, eventos cardiovasculares e readmissões hospitalares).
Para a prevenção de desfechos, muitos medicamentos podem demorar para causar o efeito benéfico - um conceito conhecido como "tempo para benefício" [9]. É o caso do uso de bisfosfonatos na osteoporose, quando o benefício em redução de fraturas é evidenciado após aproximadamente um ano de uso [10, 11]. Em pacientes com expectativa de sobrevida curta, os medicamentos com tempo para benefício prolongado devem ser reavaliados, pois podem agregar efeitos colaterais sem gerar os ganhos desejados.
A identificação de riscos associados aos fármacos exige conhecimento sobre os eventos adversos de cada um deles. Algumas listas ajudam a reconhecer medicamentos inapropriados em idosos. São exemplos:
- Critérios de Beers: avaliam medicamentos inapropriados para idosos, nos Estados Unidos
- STOPP/START e Euro-FORTA [12, 13]: avaliam a segurança do uso de medicamentos, classificando entre aqueles que devem ser mantidos ou evitados. Ambos foram desenhados para países europeus.
Atualização dos critérios de Beers e desprescrição
Os critérios de Beers são publicados desde 1991, com atualizações periódicas. O documento de 2023 lista medicamentos inapropriados, interações que merecem atenção e cuidados com pacientes com disfunção renal [1]. Os principais pontos são destacados a seguir.
Benzodiazepínicos e drogas com ação anticolinérgica devem ser evitados pelo risco de delirium e piora cognitiva. A associação desses fármacos com opioides e gabapentinoides também deve ser evitada, pelo aumento do risco de quedas e fraturas.
Medicamentos com efeito na hemostasia merecem atenção pelo risco de sangramento. O documento de 2023 traz uma novidade sobre a escolha de anticoagulantes para fibrilação atrial não valvar e para tromboembolismo venoso. Nessas situações, os anticoagulantes orais diretos devem ser preferidos em relação à varfarina. Dentre eles, a apixabana e edoxabana parecem ser mais seguras.
O uso de aspirina como profilaxia primária de eventos cardiovasculares também é discutido na publicação. Sua prescrição deve ser evitada nesse contexto, conforme abordamos no tópico sobre Aspirina e Prevenção de Eventos Cardiovasculares.
Outras novidades incluem:
- Evitar uso de terapia sistêmica com estrogênios isolados, especialmente iniciados após os 60 anos, pelo risco de câncer (mama e endométrio), eventos tromboembólicos e AVC.
- Evitar sulfonilureias como primeira opção ou segunda opção, pelo risco de hipoglicemias e eventos cardiovasculares.
Uma metanálise revisou estudos sobre prescrições inapropriadas em idosos, em um cenário ambulatorial [14]. A prevalência do uso de medicamentos inapropriados foi de 36%, segundo os critérios de Beers e STOPP/START. Os benzodiazepínicos foram a classe mais comumente usada. Outros exemplos estão descritos na tabela 1.
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Uma vez identificado um medicamento inapropriado, o paciente deve ser informado sobre os riscos do uso. Em muitas situações, está indicada a desprescrição. A desprescrição é um processo gradual de redução de dose ou interrupção do uso de um medicamento [15].
A decisão sobre desprescrição deve ser compartilhada. Algumas classes de medicamentos possuem particularidades para a descontinuação, para evitar recorrência de sintomas, abstinência ou síndrome de retirada. A desprescrição de benzodiazepínicos e inibidores de bomba de prótons já foi discutida no Guia. Uma iniciativa canadense organiza alguns modelos de desprescrição medicamentosa, que podem ser acessados em diretrizes e algoritmos de desprescrição.
O processo de desprescrição é uma oportunidade para intensificar as terapias não farmacológicas para doenças crônicas e reavaliar o estilo de vida do paciente.
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