Angiodisplasia do Trato Gastrointestinal

Criado em: 11 de Fevereiro de 2024 Autor: João Mendes Vasconcelos

Angiodisplasia é uma anomalia vascular encontrada comumente no trato gastrointestinal. É causa frequente de sangramento digestivo baixo e anemia ferropriva em idosos. Dois estudos recentes avaliaram o octreotide e a talidomida no manejo de angiodisplasias [1, 2]. Este tópico revisa o tema e traz os resultados dos estudos.

O que é angiodisplasia?

As lesões vasculares do trato gastrointestinal (TGI) podem ser divididas em três grupos: tumores vasculares, anomalias congênitas ou associadas a doenças sistêmicas e anomalias esporádicas ou adquiridas. As angiodisplasias estão no terceiro grupo, conforme a tabela 1.

Tabela 1
Anomalias vasculares do trato gastrointestinal
Anomalias vasculares do trato gastrointestinal

As angiodisplasias são a anomalia vascular mais frequente do TGI. A característica morfológica é de um conjunto de vasos finos, dilatados e tortuosos localizado na mucosa ou submucosa. Podem ocorrer em qualquer parte do TGI, mas a localização mais frequente é o cólon direito, especialmente o ceco. São mais comumente adquiridas, com prevalência que aumenta significativamente com a idade. Podem também ser congênitas ou ocorrerem no contexto de alguma síndrome (ex.: síndrome de Osler-Weber-Rendu). Angiectasia, ectasia vascular e má formação arteriovenosa são termos usados muitas vezes como sinônimos de angiodisplasia.

As angiodisplasias tipicamente são detectadas em pessoas com mais de 60 anos. Dois fatores de risco relatados são doença renal crônica avançada e doença de von Willebrand. Não se sabe ao certo se essas duas condições realmente aumentam o risco ou se fazem angiodisplasias previamente assintomáticas começarem a sangrar por conta da coagulopatia.

Manifestações e diagnóstico de angiodisplasia

A manifestação clínica mais frequente de angiodisplasia é o sangramento digestivo baixo crônico e recorrente. Pode se apresentar como sangramento gastrointestinal oculto, situação em que ocorre teste positivo para sangue nas fezes ou anemia ferropriva sem evidência visível de sangramento para o paciente e o médico. Apesar de raro, sangramento intenso levando à repercussão hemodinâmica pode ocorrer.

Outra apresentação possível é o que antes era chamado de sangramento gastrointestinal de origem obscura. Esse termo significa um sangramento digestivo que persiste sem causa definida após colonoscopia e endoscopia digestiva alta. A explicação mais comum para essa situação é uma angiodisplasia do intestino delgado. Uma diretriz de 2015 propõe abandonar o termo e utilizar sangramento de origem do intestino delgado [3].

A maneira mais comum de diagnosticar uma angiodisplasia é com um exame endoscópico realizado por suspeita de sangramento gastrointestinal. A aparência é de uma lesão plana e vermelha com vasos que arborizam a partir de um vaso central maior. A angiotomografia também pode indicar o diagnóstico de maneira não invasiva. Em casos de sangramento persistente com repercussão clínica e sem esclarecimento, a angiografia pode determinar o diagnóstico.

Tratamento de angiodisplasia

Angiodisplasias assintomáticas detectadas em exames endoscópicos por outros motivos não precisam de tratamento. Contudo, o fato de angiodisplasias serem comumente encontradas torna difícil determinar se uma angiodisplasia é a causa de um sangramento. As lesões podem não estar sangrando no momento da avaliação e é comum coexistirem outras possíveis explicações para o quadro. A chance de a angiodisplasia ser a culpada pelo quadro aumenta quando o sangramento é persistente, existem múltiplas lesões e há alguma coagulopatia.

Terapias endoscópicas envolvendo cauterização costumam ser a primeira opção terapêutica. Cauterização com plasma de argônio ou eletrocoagulação podem ser utilizadas. Apesar de efetivas em um primeiro momento, estima-se que um terço dos pacientes recorram em até dois anos, com taxas ainda maiores quando as angiodisplasia são do intestino delgado [4]. Pacientes com coagulopatias tendem a ter resultados piores.

A alta recorrência após procedimentos endoscópicos aumenta o interesse pela abordagem medicamentosa. Parte da recorrência pode ser explicada por lesões em outras partes do TGI que não foram abordadas. Nesse contexto, medicamentos antiangiogênicos como a talidomida e análogos da somatostatina como o octreotide foram estudados.

O octreotide em formulação de longa ação de 40 mg administrado a cada quatro semanas foi testado em um ensaio clínico holandês [1]. Foram 62 pacientes randomizados para intervenção ou placebo e todos precisavam ter pelo menos quatro hemotransfusões ou infusões de ferro parenteral no último ano. Os pacientes incluídos tinham em média 20 hemotransfusões ou infusões de ferro e dois procedimentos endoscópicos no ano anterior à inclusão no estudo. Em um ano, o grupo intervenção apresentou uma redução significativa na necessidade de concentrado de hemácias ou ferro parenteral - média de 11 versus 21 - gerando uma redução em média de 10 infusões (IC95%: 2,4 - 18,1; p = 0,012). Os efeitos adversos mais comuns no grupo octreotide foram gastrointestinais e relacionados ao local de infusão. Ocorreram dois eventos adversos graves no grupo octreotide - uma colangite e um episódio de hipoglicemia com perda de consciência.

A talidomida foi estudada para angiodisplasias do intestino delgado [2]. A droga era administrada na dose de 50 a 100 mg/dia por quatro meses e os pacientes eram acompanhados por pelo menos um ano após esse período. Todos deveriam ter pelo menos quatro episódios de sangramento por angiodisplasias no último ano para entrarem no estudo. Foram incluídos 150 pacientes, sendo 50 para talidomida 100 mg, 50 para talidomida 50 mg e 50 para placebo. O desfecho primário foi redução de 50% ou mais nos episódios de sangramento no ano após o estudo. Mais pacientes nos grupos de talidomida atingiram o desfecho - 69% no grupo 100 mg, 51% no grupo 50 mg e 16% no placebo. Houve redução significativa na necessidade de transfusões e o benefício se manteve no segundo ano de acompanhamento. Ocorreram mais eventos adversos no grupo talidomida, sendo o mais comum constipação, porém todos classificados como leves e resolvidos após tratamento ou suspensão da droga.

Somados às evidências prévias, esses dois estudos reforçam o octreotide e a talidomida como opções em pacientes com angiodisplasias refratárias à terapia endoscópica.

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