Investigação de Nódulo Tireoidiano - Diretriz Europeia de 2023

Criado em: 19 de Fevereiro de 2024 Autor: Ingrid Fröehner

Cerca de 60% da população adulta tem um ou mais nódulos de tireoide. Em outubro de 2023 a Associação Europeia de Tireoide publicou uma diretriz sobre investigação e manejo dos nódulos da tireoide [1]. Esse tópico resume as principais informações da publicação.

Avaliação inicial dos nódulos da tireoide

Todos os pacientes com suspeita ou confirmação de nódulo tireoidiano devem ser avaliados com anamnese e histórico familiar, exame físico, dosagem de TSH e ultrassom de tireoide (USG). A anamnese em relação aos sintomas de nódulo pode ser estruturada com a ferramenta ThyPRO-39 BR, validada para o português do Brasil [2] (veja o aplicativo ThyPRO-39BR).

A dosagem do TSH ajuda na determinação de exames adicionais e deve ser feita em todos os pacientes. Naqueles com TSH normal ou elevado, a próxima etapa é a estratificação do nódulo por ultrassom de tireoide. O USG avalia características de malignidade ou benignidade e a necessidade de punção por agulha fina (PAF).

Já em pacientes com TSH baixo, a cintilografia (usualmente com 99 mTc) deve ser realizada para diferenciar nódulos hipocaptantes de hipercaptantes. Nódulos hipercaptantes raramente estão relacionados à malignidade e normalmente não necessitam de investigação adicional com punção por agulha fina (PAF). Nódulos hipocaptantes ou indeterminados devem seguir avaliação com USG de tireoide para avaliar a necessidade de PAF. O fluxograma 1 resume a abordagem sequencial dos exames.

Fluxograma 1
Fluxograma de investigação de nódulos tireoidianos
Fluxograma de investigação de nódulos tireoidianos

A indicação de cintilografia também depende da prevalência de deficiência de iodo na populção - essa informação pode ser consultada neste mapa sobre nutrição e iodo mundial. Em regiões com deficiência com iodo, mesmo os pacientes com TSH normal têm indicação de cintilografia, devido ao aumento da prevalência de nódulos autônomos funcionantes com TSH nestas regiões.

Além da indicação em nódulos com TSH baixo, em regiões com iodo suficiente, como no Brasil, a cintilografia também pode ser útil nas seguintes situações:

  • Bócio multinodular - para diferenciar nódulos hipofuncionantes (indicação de PAF) de hiperfuncionantes (sem indicação de PAF);
  • Nódulos hiperfuncionantes e hipofuncionantes benignos - para determinar a indicação de radioiodoterapia, como alternativa terapêutica à cirurgia;
  • PAF com citologia indeterminada - para ajudar a afastar neoplasia, já que a cintilografia tem alto valor preditivo negativo para malignidade.

Quando solicitar e como interpretar o ultrassom de tireoide?

O ultrassom de tireoide deve ser realizado em todos os pacientes com suspeita de nódulo ou quando um nódulo foi encontrado incidentalmente durante outros exames de imagem. O ultrassom classifica o risco de malignidade de acordo com a escala TIRADS (Thyroid Imaging and Report Data System) e define a necessidade de PAF. A tabela 1 traz a versão europeia da classificação (EU-TIRADS).

Tabela 1
Classificação EU-TIRADS, risco de malignidade correspondente e manejo
Classificação EU-TIRADS, risco de malignidade correspondente e manejo

O TIRADS foi desenvolvido para detectar carcinomas papilíferos e possui boa sensibilidade para essa função. Embora o escore se proponha a estimar o risco de qualquer neoplasia da tireoide, a sensibilidade é menor para a variante folicular do carcinoma papilífero e para o carcinoma folicular da tireoide. A acurácia em identificar carcinoma medular da tireoide é discutível.

Pacientes com nódulo e histórico familiar de neoplasia medular ou neoplasia endócrina múltipla 2 (NEM-2) têm alta probabilidade de carcinoma medular de tireoide. Nesses casos, a diretriz indica a dosagem de calcitonina. Valores acima de 30 pg/mL em mulheres e acima de 34 pg/mL em homens estão associados à neoplasia. O uso de calcitonina para rastreio de câncer medular da tireoide é tópico de debate e a diretriz recomenda a dosagem em outras duas situações:

  • Nódulos de tireoide com indicação cirúrgica ou de procedimentos minimamente invasivos;
  • Nódulos com citologia indeterminada ou achados suspeitos ao USG.

Sinais sugestivos de extensão extra tireoidiana, como abaulamento ou ruptura capsular pelo nódulo tireoidiano, indicam PAF independente do escore TIRADS. Esses achados são altamente sugestivos de malignidade.

Punção por agulha fina e biópsia - quando solicitar e como interpretar?

A PAF é indicada com base no escore EU-TIRADS (tabela 1) e outros fatores de risco (tabela 2). Nódulos hiperfuncionantes não devem ser puncionados, a menos que altamente sugestivos de malignidade.

Tabela 2
Outros fatores considerados na indicação de punção por agulha fina (PAF)
Outros fatores considerados na indicação de punção por agulha fina (PAF)

A PAF utiliza uma agulha fina para coletar células do nódulo - como demonstrado no vídeo sobre PAF. As células estudadas pela PAF estão dispersas, sem preservação da arquitetura tecidual, sendo um exame que analisa a citologia do nódulo. Por outro lado, a biópsia analisa uma amostra maior com preservação da arquitetura tecidual, oferecendo detalhes sobre a histologia e patologia da lesão. Em relação à investigação de nódulo da tireoide, não houve diferença em desempenho diagnóstico entre PAF e biópsia, sendo a PAF menos invasiva e mais barata [3].

A amostra colhida por PAF é classificada conforme o sistema Bethesda (tabela 3), estratificando os achados em risco de malignidade e indicação de cirurgia.

Tabela 3
Classificação Bethesda, risco de malignidade e manejo
Classificação Bethesda, risco de malignidade e manejo

Em alguns casos, a PAF deve ser repetida. As principais indicações de novo exame incluem:

  • Primeira amostra não diagnóstica;
  • Citologia Bethesda III;
  • Discrepância de risco entre EU-TIRADS e classificação citológica (Bethesda).

Apesar da PAF ser suficiente para a maioria dos casos, a biópsia pode ser considerada nas seguintes situações:

  • Amostra repetida com PAF inadequada;
  • Amostra repetida com Bethesda III;
  • Quando a amostra auxilia no diagnóstico pré cirúrgico: suspeita de nódulo pouco diferenciado ou indiferenciado, linfoma de tireoide ou metástase de tireoide.

Quando realizar acompanhamento clínico e quando indicar cirurgia?

O acompanhamento clínico sem intervenção terapêutica é indicado a depender da classificação de EU-TIRADS e Bethesda (nos nódulos que foram puncionados) (tabela 1 e tabela 3). Recomenda-se monitoramento de quatro características:

  • Sintomas na modificação da voz ou pressão local;
  • Presença de linfonodos cervicais laterais palpáveis;
  • Tamanho do nódulo, para avaliar crescimento de 20% em duas dimensões ou 50% em volume;
  • Mudança das características ultrassonográficas que alterem a estratificação de risco de neoplasia.

Para os pacientes com indicação de intervenção, existem três opções: radioiodoterapia, procedimentos minimamente invasivos, ou cirurgia.

A radioiodoterapia é indicada para tratar nódulos hiperfuncionantes. Outra indicação são nódulos sintomáticos benignos em pacientes com alto risco cirúrgico, independente de serem hiperfuncionantes. A maioria dos pacientes não desenvolve hipotireoidismo após as sessões e o volume tireoidiano pode reduzir em 30 a 50% em um ano.

Procedimentos minimamente invasivos são opções para nódulos tireoidianos que causam pressão local ou preocupações estéticas. Os procedimentos são feitos ambulatorialmente e incluem injeções diretas de etanol, aplicação de laser, radiofrequência, micro-ondas ou ultrassom de alta intensidade focalizado.

A cirurgia é indicada principalmente nos seguintes cenários:

  • Nódulos com alta suspeita ou confirmação de malignidade, conforme Bethesda V e VI;
  • Nódulos com citologia indeterminada (Bethesda III e IV) que não são adequados a seguimento clínico, devido ao tamanho, suspeita de malignidade ao USG ou sintomáticos;
  • Nódulos com classificação citológica (Bethesda) benigna e/ou baixo risco ao ultrassom que se tornam sintomáticos ao longo do tempo;
  • Nódulos sintomáticos, como alternativa a procedimentos minimamente invasivos ou radioiodoterapia.

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