Hipercolesterolemia Familiar
A hipercolesterolemia familiar é uma condição genética que causa elevação dos níveis de LDL e aumento importante do risco cardiovascular. Neste tópico do Guia, revisamos o diagnóstico e manejo da doença.
O que é a hipercolesterolemia familiar e quais as consequências da doença?
A hipercolesterolemia familiar (HF) é uma doença autossômica dominante, causada por mutações em genes envolvidos no metabolismo do colesterol. Uma revisão sistemática estimou que a ocorrência de HF é de um caso em cada 311 pessoas no mundo [1]. Um estudo nacional estima que um em cada 263 brasileiros possui HF [2].
Em mais de 90% dos casos, a mutação afeta um de três genes: gene do receptor de LDL, gene da PCSK9 e gene da APOB [3]. Como consequência, ocorre elevação dos níveis séricos de LDL e doença cardiovascular precoce. Quando ocorrem em homozigose, as mutações determinam níveis muito elevados de LDL e ocorrência de eventos cardiovasculares nas primeiras três décadas de vida [4]. As mutações em heterozigose são mais comuns e também aumentam o risco cardiovascular.
Além da doença cardiovascular, a deposição de colesterol em tecidos pode ser observada em pacientes com HF. São típicos os achados de xantomas tendíneos, xantelasmas periorbitários e arco corneano.
Quando suspeitar e como investigar?
A suspeita de HF deve ser feita em 3 situações principais:
- Doença cardiovascular precoce (paciente ou familiares - homens com menos de 55 anos e mulheres com menos de 65 anos), incluindo morte súbita.
- Presença de xantomas e xantelasmas (em qualquer idade) ou arco corneano (em idade inferior a 45 anos)
- Níveis elevados de LDL (acima de 190 mg/dl).
Devem ser investigadas causas secundárias de aumento do LDL em todos os casos de suspeita de HF [3]. As principais estão listadas na tabela 1. Excluídas causas secundárias de elevação de LDL, o diagnóstico de HF é feito de duas maneiras:
- Confirmação de alteração genética patológica OU
- Associação de manifestações clínicas e laboratoriais. Um escore recomendado para o diagnóstico é o da Dutch Lipid Clinic Network (tabela 2).
A presença de uma mutação patológica confirma a HF, mas a ausência não exclui a doença. Isso acontece pelo elevado número de possibilidades de mutações que podem gerar a HF, não necessariamente incluídas nas testagens genéticas. A Hipercol Brasil é uma iniciativa brasileira de estudo dos casos de hipercolesterolemia familiar que acompanha pacientes com a doença e fornece testagem genética em casos de alta suspeição.
Após o diagnóstico de HF em um paciente, o processo de rastreamento em cascata deve ser realizado [3, 5]. Isso significa pesquisar HF em todos os parentes de primeiro grau (pais, irmãos, filhos). O rastreamento em cascata pode ser feito com a dosagem de LDL ou com a pesquisa genética, caso essa tenha sido realizada no paciente índice [3, 6].
Quais são as opções terapêuticas para hipercolesterolemia familiar?
O principal objetivo do tratamento da HF é a redução dos níveis de LDL. No entanto, o alvo de LDL é um ponto de debate entre as diretrizes. A diretriz europeia recomenda alcançar níveis de LDL inferiores a 55 mg/dl em pacientes com doença cardiovascular estabelecida ou outros fatores de risco maiores, como diabetes ou aumento da Lp(a). Um alvo menor que 70 mg/dl é recomendado nas demais situações [7]. Já outras sociedades como a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Endocrine Society recomendam uma estratégia de redução de LDL em pelo menos 50% do valor inicial [3, 6].
Calculadoras que estimam o risco cardiovascular em pacientes com HF foram estudadas. A equação da Safeheart pode auxiliar na decisão de intensificar a terapia medicamentosa e está disponível para acesso aqui [5].
Independentemente do alvo, o tratamento de primeira escolha é com as estatinas de alta potência [5, 6]. A tabela 3 lista as opções e doses das estatinas. Muitos pacientes não atingem o objetivo de LDL com estatinas isoladamente, especialmente aqueles com HF homozigótica. Nesses casos, a associação a ezetimiba está indicada [3]. Leia mais sobre ezetimiba e dislipidemia no tópico Ezetimibe e Dislipidemia.
Os inibidores de PCSK9 (iPCSK9) também podem ser associados à terapia com estatina, caso necessário [3]. Seu uso pode ser limitado pelo custo. Um estudo italiano com pacientes com HF demonstrou que a adição de um iPCSK9 reduziu os níveis de LDL em mais de 50%. No entanto, apenas 43% dos pacientes com HF heterozigótica e 37% dos pacientes com HF homozigótica atingiram o objetivo de tratamento segundo as diretrizes europeias [8].
Especialmente em casos de HF homozigótica, podem ser necessárias terapias adicionais. O uso de sequestrantes de ácidos biliares (como a colestiramina) e aférese de lipoproteínas pode ser considerado [6, 8-10].
Para além do controle dos níveis de LDL, deve haver atenção aos outros fatores de risco cardiovasculares, como cessação do tabagismo, controle pressórico e glicêmico [3, 10].
Aproveite e leia:
Avaliação de Risco Cardiovascular: Calculadora PREVENT
Existem várias formas de estimar o risco cardiovascular para determinar estratégias de prevenção. Em 2024, a American Heart Association (AHA) lançou a PREVENT, uma nova calculadora de risco de eventos cardiovasculares. Este tópico revisa o assunto e traz as novidades sobre a ferramenta.
Ezetimibe e Dislipidemia
As estatinas são a primeira escolha no tratamento da dislipidemia, mas nem sempre são suficientes. O estudo RACING, publicado no Lancet em julho, avaliou o uso de ezetimibe associado a rosuvastatina em pacientes com doença aterosclerótica. Vamos ver o que o estudo acrescenta e revisar o uso clínico do ezetimibe.
Hipomagnesemia
Hipomagnesemia é um distúrbio eletrolítico comum, podendo ocorrer em até 10% dos pacientes em enfermaria e 65% daqueles em terapia intensiva. Um estudo publicado em 2023 revisou estratégias de reposição intravenosa de magnésio. Este tópico foca na avaliação e tratamento da hipomagnesemia e traz os resultados do estudo
Miocardite
Miocardite é uma doença inflamatória do músculo cardíaco, causada por diferentes agentes. O paciente com miocardite tem sintomas variados, indo de sinais de insuficiência cardíaca e dor torácica até morte súbita. O maior uso da ressonância magnética tem aumentado o reconhecimento da doença. Este tópico revisa as causas, manifestações, diagnóstico e tratamento da miocardite, baseado na revisão do NEJM de outubro de 2022 e na diretriz brasileira de 2022.
Gamopatia Monoclonal de Significado Indeterminado (MGUS)
A gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) é uma condição pré-maligna com risco de evoluir para neoplasia hematológica, principalmente mieloma múltiplo. A maioria dos pacientes com MGUS não progredirá para quadros neoplásicos, dificultando a escolha de quem se beneficiaria de investigação adicional. Em abril de 2024, foi publicado no Annals of Internal Medicine uma calculadora de risco para auxiliar na indicação de investigação medular nesses pacientes. Este tópico revisa MGUS e traz os resultados do estudo.