Antibióticos nos Cuidados Paliativos

Criado em: 18 de Março de 2024 Autor: Raphael Coelho

O tratamento de infecções em pacientes em fase final de vida gera dúvidas. Uma revisão da Infectious Diseases Society of America (IDSA) sobre uso de antibióticos em cuidados paliativos foi publicada em fevereiro de 2024 [1]. Este tópico traz os principais aspectos sobre o tema.

Como identificar uma doença avançada e o fim de vida

Não há consenso sobre o período que representa o fim de vida de uma pessoa. O General Medical Council do Reino Unido considera que pacientes que se aproximam do fim de vida são aqueles em que a morte é provável nos próximos 12 meses. Esses pacientes se enquadram em um dos quatro cenários:

  • Doença incurável, progressiva e avançada
  • Fragilidade e comorbidades que levam à expectativa de vida reduzida
  • Condições que colocam o paciente em risco de morte súbita
  • Condições agudas graves que ameaçam a vida

Prever sobrevida e desfechos funcionais dos pacientes é um desafio. Na maior parte dos casos, os médicos superestimam o prognóstico de sobrevida [2]. Quanto maior o tempo de relação entre o médico e o paciente, pior a acurácia na predição de sobrevida [3]. Esse achado pode estar relacionado à dificuldade do médico em aceitar o fim de vida de seu paciente.

Tabela 1
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Karnofsky e ECOG
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Karnofsky e ECOG

Escalas prognósticas e de funcionalidade (veja as tabela 1, tabela 2 e tabela 3) são utilizadas para estimar a sobrevida e a progressão da doença de forma mais objetiva. Exemplos são a escala de Karnofsky, do Eastern Cooperative Oncologic Group (ECOG), a Palliative Performance Scale (PPS) e o Palliative Prognostic Index (PPI) [4-7].

Tabela 2
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Palliative Performance Scale (tradução livre do TdC)
Escalas prognósticas e de funcionalidade: Palliative Performance Scale (tradução livre do TdC)
Tabela 3
Escalas prognósticas e funcionalidade: Palliative Prognostic Index (PPI) (tradução livre do TdC)
Escalas prognósticas e funcionalidade: Palliative Prognostic Index (PPI) (tradução livre do TdC)

O Gold Standards Framework Prognostic Indicator Guidance é uma ferramenta de rastreio para identificação de pacientes com baixa sobrevida [8]. Ela consiste em uma estratégia com três gatilhos que indicam que o paciente está próximo ao final da vida (fluxograma 1):

  • a "pergunta surpresa";
  • presença de indicadores gerais de declínio ou aumento de dependência;
  • presença de indicadores clínicos específicos da doença de base.
Fluxograma 1
Gold Standards Framework Prognostic Indicator Guidance
Gold Standards Framework Prognostic Indicator Guidance

Calculadoras prognósticas como a E-Prognosis também podem ajudar na estimativa de sobrevida e tomada de decisões.

Conhecer o prognóstico do paciente, seus desejos e valores permite o planejamento precoce e o cuidado coordenado. Após a identificação dos pacientes com doença avançada ou em fim de vida, a estratégia REMAP ajuda a organizar as etapas seguintes (tabela 4) [9].

Tabela 4
Estratégia REMAP para pacientes com doença avançada ou em fim de vida
Estratégia REMAP para pacientes com doença avançada ou em fim de vida

Para mais informações sobre cuidados paliativos e prognóstico, ouça o episódio 84 - caso clínico de cuidados paliativos.

Tratamento de infecções em cuidados paliativos

Pacientes com doenças graves e incuráveis que ainda não estão em fase final de vida podem ter a indicação de tratamento de infecções reversíveis. A escolha do antibiótico e do tempo de tratamento é semelhante à da população geral [1].

É necessário ponderar sobre os riscos de efeitos colaterais dos antibióticos, de resistência e de falha no controle da infecção. O uso de antibióticos pode trazer efeitos colaterais por toxicidades e resistência microbiana. Esses malefícios devem ser levados em consideração na escolha do antibiótico, via de administração e local de tratamento.

Algumas infecções são uma consequência da doença de base, que propicia infecções que se repetem periodicamente, se tornando incuráveis. Exemplos de quadros recorrentes são: abscessos por obstrução intestinal maligna, infecções urinárias por obstrução do trato urinário por cânceres pélvicos, pneumonias por neoplasias torácicas e infecções biliares por obstrução por cânceres das vias biliares ou pancreáticos.

Infecções em pacientes em cuidados paliativos são oportunidades para avaliar desejos e valores do paciente para construção de metas e diretivas de cuidado.

Antibióticos na doença avançada e fim de vida

O uso de antibióticos na fase final de vida é comum. Uma revisão sistemática encontrou prevalência de uso de antibióticos entre 92 a 100% dos pacientes em unidades de cuidados paliativos com diagnóstico de infecção [10]. Um estudo coreano identificou que 82% dos pacientes com câncer sólido metastático utilizaram antibióticos nos últimos três dias de vida. O acompanhamento pela equipe de cuidados paliativos foi associado à redução do uso de antibiótico nos últimos dias de vida [11].

O benefício dos antibióticos é menos claro quanto mais próximo do fim de vida. É possível que o paciente e a família tenham objetivos diferentes entre os seguintes para a fase final da vida:

  • Prolongar a vida ao máximo possível com intervenções
  • Continuar o cuidado sem aumentar o nível de suporte médico caso haja piora clínica
  • Mudar para um cuidado baseado exclusivamente em conforto, suspendendo medidas que não contribuem diretamente para o conforto

O uso de antibióticos pode aumentar a sobrevida e o tempo de internação dos pacientes [12-14].

Uma coorte encontrou que a sobrevida de pacientes que respondem ao tratamento inicial foi de 142 dias em comparação com sobrevida de cinco dias naqueles não respondem [13]. Esse achado sugere que a resposta inicial ao antibiótico é um indicativo de que a intervenção vai ou não prolongar a vida do paciente.

O benefício de uso de antibióticos para controle de sintomas não é bem definido. Uma revisão sistemática encontrou que a maior eficácia é na infecção urinária com disúria ou dor. Não houve benefício em alívio de sintomas na pneumonia [10, 14]. Definir diretivas antecipadas sobre a indicação do uso de antibiótico apenas para controle de sintomas pode reduzir o uso de antibióticos nos últimos 30 dias de vida [15].

Quando e como propor Time-Limited Trials

O time-limited trial pode ser traduzido como uma tentativa de tempo limitado. É um acordo entre a equipe médica e o paciente ou familiares em que são estabelecidas intervenções terapêuticas por determinado tempo para avaliar a resposta do paciente [16]. É uma opção em um contexto de prognóstico ruim em que há dúvidas sobre a cessação do tratamento precocemente ao mesmo tempo em que há desejo de não prolongar a vida de maneira fútil.

O tempo necessário para definir a interrupção das medidas terapêuticas não é bem definido. Questões éticas impedem a realização de ensaios clínicos randomizados nesse cenário. Um estudo simulou diferentes estratégias a partir de dados de coorte de pacientes críticos e concluiu que até quatro dias parece ser tempo suficiente para os time-limited trial em pacientes com câncer e tumores sólidos. Em pacientes com neoplasias hematológicas avançadas ou doenças agudas menos graves, pode ser necessária a extensão desse período por até duas semanas [17].

Nenhum desses trabalhos avaliou desfechos de funcionalidade ou qualidade de vida. O aumento da sobrevida pode não se traduzir em melhora desses outros desfechos, sendo importante incluir esse ponto no planejamento de cuidados.

Tabela 5
Sugestão de estratégia de discussão sobre time-limited trials
Sugestão de estratégia de discussão sobre time-limited trials

A introdução de protocolos de time-limited trials em pacientes críticos pode reduzir o tempo de internação em UTI e o uso de procedimentos invasivos, sem alterar a mortalidade hospitalar ou satisfação familiar [18]. Uma estratégia de discussão sobre time-limited trials está descrita na tabela 5.

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