Doença de Behçet
A doença de Behçet é uma vasculite inflamatória multissistêmica caracterizada por uma evolução com períodos de remissões e recidivas. A doença pode acometer artérias, veias e capilares de diferentes diâmetros. Esse tópico explora a doença, inspirado em duas revisões recentes publicadas no New England Journal of Medicine e Lancet em fevereiro de 2024 [1, 2]
Epidemiologia e mecanismo
A maior incidência de doença de Behçet (DB) é entre adultos jovens entre 20 e 40 anos. Em relação às vasculites no Brasil, um estudo com centros do sul do país, encontrou a DB como vasculite mais prevalente (35% dos casos) e, quando analisados pacientes de dois estados nordestinos, a DB foi a segunda mais frequente [3].
A predisposição genética com o HLA B51 é bem estabelecida, ocorrendo em até 50% dos portadores da doença. As lesões de DB têm o predomínio de infiltrado neutrofílico nos vasos [1, 4].
Muitas vasculites acometem predominantemente vasos de um determinado tipo ou calibre. A DB não tem esse comportamento, podendo afetar veias e artérias de qualquer tamanho. Isso explica as manifestações variadas e os diferentes fenótipos clínicos.
Manifestações clínicas
As manifestações clínicas podem ser organizadas em sistemas: cutâneo-mucoso, articular, ocular, cardiovascular, neurológico e gastrointestinal, conforme descrito na tabela 1. As manifestações cardiovasculares estão associadas a maior mortalidade [1, 5].
Manifestações cutâneo-mucosas
Úlceras orais estão presentes na maioria dos pacientes, com alguns estudos indicando ocorrência em 100% dos casos em algum momento da doença [6-8]. As úlceras são dolorosas e bem delimitadas com centro branco-amarelado e tamanho variável de milímetros até 2 cm. Normalmente são a primeira manifestação, demoram a desaparecer e não deixam cicatriz [4]. São difíceis de distinguir de estomatite aftosa recorrente apenas pela aparência, apesar de serem mais extensas e numerosas (veja a tabela 2 para diagnósticos diferenciais de úlceras de repetição) [9].
As úlceras genitais normalmente são maiores que as orais e deixam cicatrizes em cerca de quase 70% dos casos. A investigação deve excluir outras causas de úlceras genitais como infecção por herpesvírus e doenças bolhosas. As lesões geralmente localizam-se nos grandes lábios nas mulheres e no escroto nos homens. Uma manifestação menos frequente é a epididimite com dor intensa e unilateral da bolsa escrotal [1, 4].
Lesões semelhantes à acne, com pápulas pustulosas e pseudofoliculite, são outro tipo de manifestação cutânea.
Manifestações articulares
As grandes articulações são afetadas em cerca de 50% dos pacientes com DB. Joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos são acometidos de forma autolimitada e mono ou oligoarticular. A artralgia ou artrite pode ocorrer junto de entesite e não costuma ser destrutiva.
Manifestações oculares
Lesões oculares ocorrem em aproximadamente 50% dos pacientes e são mais frequentes nos primeiros anos da doença. O envolvimento é bilateral em 70 a 80% dos casos e a panuveíte é a manifestação mais comum. Uma alteração típica é a presença de secreção purulenta na câmara anterior - o hipópio [1].
Manifestações cardiovasculares
Os trombos podem ocorrer em sítios raros como seios venosos cerebrais e veia hepática/supra hepática. Este último sítio acometido pode levar à síndrome de Budd-Chiari [4].
Casos mais graves estão associados a aneurismas da aorta e artéria pulmonar, trombose da artéria pulmonar e lesões das artérias coronarianas [5]. A tabela 3 resume as manifestações vasculares da DB.
Diagnóstico da doença de Behçet
A DB deve ser considerada em pacientes com úlceras orais recorrentes e manifestações sistêmicas. Úlceras genitais são mais específicas, porém menos sensíveis para o diagnóstico. Não existe um auto-anticorpo associado a DB, porém o teste da patergia pode auxiliar no diagnóstico.
Os critérios diagnósticos da DB foram revisados em 2014 (tabela 4) e devem guiar a investigação clínica [10]. Em casos graves, com alta suspeição clínica, o tratamento deve ser instituído mesmo antes da confirmação pelos critérios diagnósticos.
Tratamento
As opções terapêuticas vão desde corticoide tópico e colchicina para o acometimento cutâneo e articular leve até a combinação de corticoide sistêmico em alta dose e drogas modificadoras de doença antirreumáticas (DMARDs) em casos graves. A tabela 5 agrupa os tratamentos de acordo com cada manifestação [1].
Aproveite e leia:
Tratamento de Lombalgia Aguda
Lombalgia não específica é comum e autolimitada na maioria dos casos. Dor intensa ou persistente exige tratamento sintomático e o papel dos opióides no manejo ainda gera dúvidas. Em julho de 2023, foi publicado um estudo no Lancet sobre o uso dessas medicações em pacientes com dor lombar. Este tópico revisa as estratégias terapêuticas para lombalgia aguda e traz os resultados do artigo.
Artroplastia para Osteoartrite de Joelho e Quadril
A artroplastia é uma das opções terapêuticas para osteoartrite (OA) de joelho ou quadril. A indicação e o momento ideal para a cirurgia ainda não são claramente estabelecidos na literatura. Este tópico revisa a diretriz de novembro de 2023 do American College of Rheumatology e da American Association of Hip and Knee Surgeons sobre o melhor momento para a realização destas cirurgias.
Carcinoma Hepatocelular
O carcinoma hepatocelular é o câncer hepático primário mais prevalente e possui alta mortalidade quando diagnosticado tardiamente. Os resultados de um estudo sobre o impacto do rastreio dessa condição em pacientes de risco, publicados em abril de 2024 no Journal of the American Medical Association, motivaram a revisão sobre o tema.
Desprescrição de inibidores de bomba de prótons
A Associação de Gastroenterologia Americana (AGA) publicou um documento em fevereiro de 2022 sobre a desprescrição de inibidores de bomba de prótons (IBP). Vamos ver quando e como fazer!
Vonoprazana para Helicobacter pylori
A vonoprazana pertence a uma nova categoria de medicações anti-ulcerosas disponíveis recentemente. Em junho de 2022, um estudo publicado no Gastroenterology avaliou o uso de vonoprazana no tratamento de Helicobacter pylori. Em outubro de 2022, a mesma revista também publicou um artigo que avaliou o uso de vonoprazana no tratamento de esofagite erosiva. Este tópico revisa o mecanismo de ação e os usos dessa nova medicação.