Uso de Drogas Vasoativas e Albumina na Cirrose

Criado em: 22 de Abril de 2024 Autor: Lucca Cirillo

Pacientes com cirrose podem ter complicações que necessitam de tratamento com drogas vasoativas (DVA) e albumina. Em janeiro de 2024, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou uma atualização sobre o uso de DVA e albumina nesse contexto. Neste tópico são revisadas as recomendações para as principais descompensações de cirrose [1].

Como definir cirrose compensada e descompensada?

Conforme a definição do VII consenso de Baveno, a cirrose ou insuficiência hepática crônica tem três estágios de prognóstico [2]:

  • Cirrose compensada: ausência de complicações clinicamente evidentes;
  • Cirrose descompensada: desenvolvimento agudo de ascite, encefalopatia hepática ou sangramento varicoso;
  • Cirrose com descompensação adicional (tradução do termo further decompensation): desenvolvimento de um segundo evento de descompensação, ascite recorrente (requerendo paracenteses de grande volume, acima de cinco litros), sangramento varicoso recorrente, encefalopatia hepática recorrente, peritonite bacteriana espontânea (PBE), síndrome hepatorrenal (SHR) e/ou icterícia.

A progressão da hipertensão portal e insuficiência hepatocelular causa vasodilatação e um estado circulatório hiperdinâmico. O resultado é uma diminuição progressiva da volemia efetiva e da perfusão renal, levando a complicações.

Drogas vasoativas (DVA) como terlipressina, somatostatina, octreotide e noradrenalina, são empregadas na cirrose para vasoconstringir o leito vascular esplâncnico e reduzir a pressão venosa portal. A albumina endovenosa aumenta a volemia efetiva do paciente e melhora a perfusão renal.

Sangramento varicoso

O sangramento varicoso é a causa mais comum de hemorragia digestiva alta (HDA) em indivíduos com cirrose, responsável por 70% dos casos. Já na população geral, a principal causa é o sangramento por úlcera péptica.

Nos casos de hemorragia varicosa, o uso de DVAs com vasoconstrição esplâncnica reduz as taxas de ressangramento precoce, necessidade transfusional e mortalidade em seis semanas [3]. As DVAs com vasoconstrição esplâncnica podem ser divididas em dois grupos:

  • Somatostatina e análogos (como octreotide);
  • Vasopressina e análogos (terlipressina);

A atualização recomenda o octreotide como DVA de escolha no sangramento varicoso, baseado principalmente no perfil de segurança e efeitos adversos [1]. Parte dessa recomendação vem do fato de que a terlipressina foi recentemente aprovada pela Food and Drug Administration no mercado norte-americano, e não incluiu o sangramento varicoso como indicação na liberação.

A terlipressina é contra-indicada em pacientes que se apresentem com hipoxemia ou piora de sintomas respiratórios, bem como doença arterial obstrutiva em atividade (coronariana, mesentérica ou periférica). Os principais eventos adversos envolvem dor abdominal, náusea, congestão e edema agudo pulmonar, além de hiponatremia. Já o octreotide pode ocasionar disglicemias (tanto hipo como hiperglicemia).

A vasopressina não é mais recomendada no tratamento de sangramento varicoso pelo alto risco de efeitos adversos cardiovasculares.

Um vasoconstritor esplâncnico deve ser usado em todo paciente com cirrose que apresenta HDA, mesmo antes da endoscopia digestiva alta (EDA) confirmar se a origem do sangramento é varicosa. Em até 80% dos casos a DVA consegue conter o sangramento, tornando a hemostasia endoscópica mais fácil [1].

Após a hemostasia com o tratamento endoscópico, a DVA deve ser continuada por dois a cinco dias, para prevenir ressangramento precoce. Não há uma recomendação precisa sobre a duração do tratamento. A decisão deve considerar o risco de sangramento precoce (baseado em achados endoscópicos como sangramento ativo durante o exame, coágulo no cordão varicoso, numerosas ligaduras) e a gravidade da cirrose (baseada no MELD, presença de ascite e alargamento do tempo de protrombina do paciente). O tempo pode ser encurtado para dois dias após a EDA em pacientes com escore de Child-Pugh A ou B sem sangramento ativo identificado na EDA.

Tabela 1
Esquemas terapêuticos de drogas vasoativas no sangramento varicoso
Esquemas terapêuticos de drogas vasoativas no sangramento varicoso

Caso a EDA demonstre uma causa de sangramento não varicoso (como úlcera péptica sangrante), o tratamento com vasoconstritores deve ser descontinuado [3]. A tabela 1 resume os principais esquemas de DVA para sangramento varicoso.

Lesão renal aguda e síndrome hepatorrenal

A causa mais comum de lesão renal aguda (LRA) na cirrose é a hipovolemia [4]. A investigação das causas de LRA nessa população foi detalhada no tópico Lesão Renal Aguda no Paciente com Cirrose. A albumina é o expansor volêmico de escolha no paciente com cirrose, LRA e evidência de depleção do volume intravascular ou hipovolemia. Quando indicada, a administração é realizada como teste terapêutico por 48 horas. Não está indicada para toda LRA, pelo risco de sobrecarga volêmica e complicações como edema pulmonar. A tabela 2 traz as principais recomendações e posologias para administração de albumina.

Tabela 2
Indicações e posologia para administração de albumina no paciente cirrótico
Indicações e posologia para administração de albumina no paciente cirrótico

A ausência de resposta a expansão com albumina é um dos critérios diagnósticos da síndrome hepatorrenal com lesão renal aguda (SHR-LRA). O manejo de SHR-LRA foi revisado no tópico Droga Vasoativa na Síndrome Hepatorrenal.

A atualização recomenda a terlipressina como escolha no tratamento da SHR-LRA [1]. Uma das vantagens da terlipressina é que não necessita de monitorização em UTI e pode ser administrada por via endovenosa em acesso periférico.

A posologia da terlipressina é 1 mg EV, em bolus, a cada seis horas. A dose pode ser titulada para até 2 mg a cada seis horas, caso resposta ineficaz da melhora da função renal (queda < 30% da creatinina no quarto dia de tratamento).

Ascite e peritonite bacteriana espontânea

A administração de albumina no contexto de ascite e PBE é recomendada nas seguintes situações [1]:

  • Paracentese de grandes volumes (mais de cinco litros de líquido ascítico);
  • Paracentese de qualquer volume em pacientes com ACLF;
  • Presença de PBE, como prevenção de LRA.

A administração de albumina após a paracentese visa prevenir o desenvolvimento de LRA e equilibrar os efeitos hemodinâmicos da retirada de volume. Em pacientes com ACLF (ou seja, disfunção orgânica ativa) esses efeitos podem ser exacerbados mesmo com paracentese menor que cinco litros, justificando a reposição de albumina [5].

Pacientes com PBE tem risco aumentado para desenvolver ou agravar um quadro de LRA, podendo evoluir para SHR-LRA mesmo após a resolução da PBE. O risco é maior naqueles com bilirrubina total > 4 mg/dL ou LRA no momento do diagnóstico (creatinina > 1,0 mg/dL e ureia > 30 mg/dL). A albumina está indicada no momento do diagnóstico da PBE, para prevenção de LRA e diminuição de mortalidade, com maior benefício para pacientes ictéricos ou com LRA.

Os principais eventos adversos da terapia com albumina envolvem sobrecarga volêmica, principalmente durante a infusão, podendo ocasionar edema pulmonar. Reações alérgicas, como rash cutâneo, prurido, hipertermia e anafilaxia podem ocorrer, mas são raros.

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