Infecções Oportunistas Associadas a Corticoides Sistêmicos
Corticoides estão relacionados a vários eventos adversos, entre eles as infecções. Em abril de 2024, a revista Clinical Infectious Diseases publicou um artigo sobre o risco de infecções oportunistas associadas ao uso crônico de corticoides. Este tópico traz os principais pontos da publicação [1].
Por que os corticoides aumentam o risco de infecções?
Os corticoides agem em muitas vias do sistema imune. Isso justifica os benefícios em várias situações e explica o aumento do risco de infecções, especialmente com uso crônico [1]. São usados em intercorrências agudas, como na exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica e asma e choque séptico refratário. Também tem aplicações em condições crônicas como doenças autoimunes, transplante de órgãos sólidos e adjuvantes em terapias oncológicas.
A dose de corticoide está relacionada ao aumento do risco de infecções. A equivalência de corticoides (tabela 1) reflete a afinidade do medicamento ao receptor e à capacidade anti-inflamatória [1]. Doses baixas a moderadas são definidas como menores que 1 mg/kg/dia de prednisona (pediatria) ou inferiores a 40 mg/dia de prednisona (adultos). Doses altas tem associação mais forte com eventos adversos.
Alguns estudos encontraram aumento da incidência de infecções mesmo com doses menores, como maior risco de herpes zoster em pacientes com artrite reumatoide em uso de prednisona 7,5 mg/dia [2]. O risco de reativação de tuberculose é sete vezes maior em indivíduos em uso de 15 mg/dia de prednisona [3].
A associação de corticoides a outros imunossupressores ou inibidores de checkpoint é comum e também aumenta o risco de infecções. A duração do uso de corticoides e a doença de base também influenciam o risco de infecções.
As três principais estratégias que reduzem o risco de infecções associadas a corticoides são:
- Rastreio de infecções oportunistas
- Profilaxia antimicrobiana
- Cuidados gerais, como vacinação e redução de dose e tempo de uso de corticoides sistêmicos quando possível.
Rastreio de infecções e profilaxia antimicrobiana
Pacientes que usarão dose igual ou superior a 15 mg/dia de prednisona (ou equivalente) por 28 dias ou mais devem ser rastreados para tuberculose latente, pelo risco de reativação [4, 5]. O rastreio e tratamento da tuberculose latente foram revisados no tópico tuberculose latente.
A profilaxia de pneumocistose (PCP) é indicada a depender da dose de corticoide e da doença subjacente. Em pacientes com doenças reumatológicas, a profilaxia deve ser considerada quando doses maiores 15 a 30 mg/dia de prednisona (ou equivalente) são usadas por pelo menos duas a quatro semanas [4]. O benefício parece surgir a partir dessa dose, mas cada doença reumatológica e imunossupressores associados conferem um risco diferente. Linfopenia persistente, idade avançada e doença pulmonar prévia também aumentam o risco de PCP.
Granulomatose com poliangeíte (GPA, a antiga granulomatose de Wegener) e miopatias autoimunes inflamatórias parecem ter maior risco. A diretriz americana sugere a profilaxia de PCP para pacientes com GPA em uso de rituximabe ou ciclofosfamida [6]. A diretriz brasileira de miopatias autoimunes considera a profilaxia especialmente em pacientes com fatores de risco (acometimento do interstício pulmonar, uso de outros imunossupressores e presença de anticorpo anti-MDA-5) [7].
Quando existe outra situação de imunocomprometimento (como nas doenças onco-hematológicas ou uso de outro imunossupressor), a profilaxia de pneumocistose é considerada para pacientes em uso de 20 mg/dia de prednisona ou equivalente por pelo menos quatro semanas [8,9]. Como nas doenças reumatológicas, cada condição tem um risco específico, mas duas situações de maior risco são a leucemia linfocítica aguda e transplantes (órgão sólido e células-tronco hematopoiéticas, especialmente alogênico) [10].
A recomendação é a prescrição de sulfametoxazol/trimetoprima em doses diárias (200/40 mg) ou três vezes por semana (400/80 mg) por até um mês após a suspensão do corticoide [11].
A estrongiloidíase disseminada pode ocorrer após uso de corticoides sistêmicos. Não há um consenso sobre a dose e o tempo de uso de corticoide que indique o tratamento empírico ou pesquisa da infecção. No Brasil, onde a estrongiloidíase é endêmica, a terapia empírica é recomendada antes do uso de pulso de corticoide [1, 7, 12]. Um esquema possível é de ivermectina 200 mcg/kg por dois dias, devendo ser repetido após duas semanas [13].
Outros cuidados com uso de corticoides sistêmicos
Pacientes em terapia imunossupressora devem ser vacinados para herpes zoster, idealmente antes do início do imunossupressor [1]. A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) considera a dose imunossupressora quando igual ou superior a 2 mg de prednisona/kg/dia ou 20 mg de prednisona/dia por mais de duas semanas.
O esquema vacinal deve ser ajustado em pacientes em uso crônico de corticoide. A SBIm recomenda que não recebam vacinas de microrganismos atenuados quando em uso de doses imunossupresoras. As vacinas de microorganismos atenuados são: BCG, rotavírus, pólio oral (VOP), febre amarela, tríplice e tetraviral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) e dengue. A vacinação pode ser feita após um mês da suspensão do medicamento conforme o calendário de vacinação da SBIm.
Outra medida para reduzir o risco de infecção associada aos corticoides é utilizar a menor dose efetiva e preferir as formulações tópicas ou inalatórias. Algumas evidências mostram que o uso de corticoides em dias alternados pode reduzir as chances de infecções [14].
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