Será que Tem Evidência?

Betabloqueador Após Infarto Agudo do Miocárdio

Criado em: 03 de Junho de 2024 Autor: Raphael Coelho

A prescrição de betabloqueadores após infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma prática baseada em evidências da década de 80 de diminuição de mortalidade. O ensaio clínico randomizado REDUCE-AMI, publicado em abril de 2024 no New England Journal of Medicine [1], avaliou o uso de betabloqueadores no pós-infarto em pacientes com fração de ejeção preservada. Esse tópico traz os resultados do estudo e discute o tema.

Ecocardiograma no infarto agudo do miocárdio

O ecocardiograma transtorácico é o método de escolha para avaliação da função cardíaca após um IAM. O exame avalia a função ventricular, sinais de isquemia e localiza as paredes com déficit de contratilidade, inferindo a coronária afetada. Também identifica complicações pós-infarto como trombos intracavitários, ruptura de musculatura papilar, de parede ventricular e septo [2]. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FE) é considerada pela diretriz de IAM da American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) como um dos melhores preditores de sobrevida pós-infarto [3].

Um valor de FE ≤ 40% caracteriza uma FE reduzida. Esses pacientes têm mortalidade aumentada e se beneficiam de drogas específicas que trazem melhora na sobrevida. Uma FE entre 41 e 49% é classificada como levemente reduzida. Esses pacientes em geral são tratados de maneira similar àqueles com FE reduzida. Uma FE ≥ 50% é considerada preservada.

Um ecocardiograma precoce pode identificar FE reduzida por "miocárdio atordoado", uma disfunção pós isquêmica transitória que melhora após o tratamento de reperfusão [4]. O estudo US HEART identificou que 22% dos pacientes infartados com supradesnivelamento de ST e com FE reduzida recuperaram de maneira completa a função ventricular, principalmente nos primeiros 14 dias após a reperfusão [5]. 

Não há consenso sobre o momento em que o ecocardiograma deve ser realizado após um infarto. A diretriz de IAM da European Society of Cardiology (ESC) recomenda que seja feito antes da alta hospitalar e, caso seja identificada FE ≤ 40%, deve ser repetido em seis a doze semanas após [6]. Realizar um ecocardiograma entre dois a sete dias após o infarto e repeti-lo em algumas semanas pode auxiliar no prognóstico desses pacientes [7].

Betabloqueadores para pacientes com fração de ejeção reduzida (≤ 40%) pós-infarto

Estudos demonstram redução de mortalidade, morbidade e sintomas com o uso de betabloqueador na insuficiência cardíaca (IC) com FE reduzida. Pacientes assintomáticos com FE ≤ 40% são considerados pela ACC/AHA como pré-insuficiência cardíaca (estágio B). Existem evidências para uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) e betabloqueadores para pacientes com FE reduzida, mesmo assintomáticos, para redução de mortalidade. O benefício do betabloqueador ocorre especialmente nos pacientes com IAM prévio [8]. Dessa forma, nos pacientes que infartaram e evoluíram com FE ≤ 40%, a medicação está indicada mesmo se não existirem sintomas de IC [8, 9].

O tópico sobre semaglutida na insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada traz a definição universal de IC. Mais detalhes sobre a diretriz de IC de 2022 da ACC/AHA estão no tópico sobre a diretriz.

Tabela 1
Prescrição de betabloqueadores na insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida
Prescrição de betabloqueadores na insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida

Quatro betabloqueadores são considerados de primeira linha no tratamento da IC com FE reduzida por terem ensaios clínicos randomizados com evidência de benefício:

  • Succinato de metoprolol [10]
  • Bisoprolol [11]
  • Carvedilol [12]
  • Nebivolol [13]

A tabela 1 traz informações sobre a prescrição de betabloqueadores [9].

Betabloqueadores para pacientes com fração de ejeção preservada (≥ 50%) pós-infarto

A evidência para o uso de betabloqueadores em pacientes com IAM e FE > 40% é menos estabelecida. O benefício de redução da mortalidade após IAM foi encontrada em estudos antigos, feitos em uma época em que o tratamento era menos eficaz. A maioria dos trabalhos incluiu pacientes com supradesnivelamento de ST em uma época pré-trombólise e não estratificou os pacientes por FE [14-17].

Estudos observacionais mais recentes foram discordantes e novos ensaios clínicos randomizados estão sendo realizados [18-20]. O estudo japonês CAPITAL-RCT incluiu 800 pacientes com IAM com supradesnivelamento de ST e intervenção coronariana percutânea (ICP) bem sucedida e FE preservada e não houve diferença entre o grupo carvedilol e placebo após três anos de acompanhamento [21].

Apesar da dúvida do benefício, as últimas diretrizes americana e europeia recomendam o uso dos betabloqueadores para todos os pacientes que infartaram, desde que não tenham contraindicações [3, 6, 22]. Existe dúvida se o benefício da medicação pode estar restrito apenas ao primeiro ano de uso [23].

REDUCE-AMI: ausência de benefício sobre betabloqueadores pós-infarto

O REDUCE-AMI foi um ensaio clínico randomizado aberto multicêntrico que selecionou pacientes que infartaram e fizeram tratamento com ICP. Os pacientes tinham FE ≥ 50% após um a sete dias do infarto. Os pacientes do grupo intervenção utilizaram metoprolol ou bisoprolol e o grupo controle foi orientado a não utilizar betabloqueadores. O desfecho primário foi composto de morte e novo infarto.

De setembro de 2017 a maio de 2023, mais de 5000 pacientes foram incluídos com mediana de idade de 65 anos, sendo 80% homens. No momento da entrada no pronto-socorro, 35% tinham supradesnivelamento de ST e 11% já usavam betabloqueadores. A maioria dos pacientes tinha lesão de uma coronária apenas e 16% tinham lesão de tronco ou das três coronárias. O tratamento com ICP foi feito em 95% dos pacientes e revascularização miocárdica cirúrgica em 4%. A população do estudo representava uma população em geral de baixo risco para novos eventos cardíacos.

Em um acompanhamento médio de três anos e meio, o uso de betabloqueadores após um IAM em pacientes com FE ≥ 50% não mudou o desfecho primário composto de morte e novo infarto. Não houve impacto em desfechos secundários como morte por qualquer causa, morte por causa cardiovascular, novo IAM, hospitalização por fibrilação atrial e hospitalização por IC. Houve incidência semelhante nos desfechos de segurança. Esses achados foram encontrados em todos os subgrupos analisados, inclusive nos pacientes com IAM prévio e não houve diferença para pacientes com ou sem supradesnivelamento de ST.

A taxa de eventos de interesse (morte e IAM) na população foi menor do que a prevista, reduzindo o poder estatístico para detectar pequenos benefícios ou malefícios entre os grupos. No grupo controle, 10% tiveram alta com betabloqueador e 14% estavam utilizando o medicamento após um ano de acompanhamento. Não é possível descartar que um possível benefício tenha sido mascarado, levando ao resultado negativo do trabalho.

Novos estudos em pacientes com FE preservada estão em andamento, como o REBOOT-CNIC, BETAMI e DANBLOCK e talvez tragam novas conclusões sobre o tema.

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