Síndromes e Cenários

Síndrome da Antidiurese Inapropriada (SIAD)

Criado em: 09 de Junho de 2024 Autor: Caio Bastos

A síndrome da antidiurese inapropriada (SIAD) é a causa mais frequente de hiponatremia. Em outubro de 2023, foi publicada do New England Journal of Medicine uma revisão sobre o tema [1]. Esse tópico traz os principais pontos da revisão.

O que é a síndrome da antidiurese inapropriada?

A síndrome da antidiurese inapropriada (SIAD) é uma síndrome clínica causada pelo aumento de atividade do hormônio antidiurético (ADH), sem que existam estímulos osmóticos ou volêmicos [2]. Pelo aumento da reabsorção de água livre pelos túbulos renais, o paciente desenvolve um quadro de hiponatremia e suas possíveis complicações.

Os pacientes com SIAD não apresentam alterações significativas da volemia. Esse quadro difere da hiponatremia hipervolêmica (como na insuficiência cardíaca ou cirrose) e da hiponatremia hipovolêmica, situações em que a hipersecreção do ADH é considerada “apropriada” já que o volume arterial efetivo está reduzido.

A hiponatremia acontece em 15 a 30% dos pacientes internados e 1,7 a 7,7% da população geral [3]. Os idosos possuem maior risco de hiponatremia e estima-se uma prevalência de até 40% nesta população [2].

Tabela 1
Causas de síndrome da antidiurese inapropriada
Causas de síndrome da antidiurese inapropriada

A SIAD aparece como a causa mais comum de hiponatremia em estudos observacionais, representando cerca de 35 a 40% dos casos [3]. Muitas condições podem evoluir para SIAD. A tabela 1 resume as principais causas.

Diagnóstico

A confirmação de SIAD exige o preenchimento de critérios (tabela 2) e a exclusão de diagnósticos diferenciais.

Tabela 2
Critérios diagnósticos para síndrome da antidiurese inapropriada
Critérios diagnósticos para síndrome da antidiurese inapropriada

O primeiro passo para o diagnóstico é a confirmação da hiponatremia hipotônica, também chamada de hiponatremia verdadeira [3]. A hiponatremia verdadeira deve ser distinguida de duas condições:

  • A pseudo-hiponatremia, quando o sódio aparece erroneamente reduzido por artefatos laboratoriais, mas a osmolaridade medida é normal,
  • A hiponatremia por translocação, quando outro soluto osmoticamente ativo (como a glicose) causa a alteração laboratorial.

A SIAD ocorre em pacientes euvolêmicos, porém a avaliação da volemia pode ser difícil. Alternativas que auxiliam no diagnóstico de SIAD incluem a avaliação da osmolaridade e do sódio urinários. Um algoritmo diagnóstico para investigar SIAD pode ser utilizado (fluxograma 1).

Fluxograma 1
Fluxograma para diagnóstico de síndrome da antidiurese inapropriada (SIAD)
Fluxograma para diagnóstico de síndrome da antidiurese inapropriada (SIAD)

A partir da confirmação da SIAD, deve ser investigada a causa da síndrome (tabela 1). Muitas vezes, a etiologia pode ser determinada apenas com anamnese e exame físico, como em pacientes com sinais sugestivos de doenças pulmonares, alterações no sistema nervoso central ou uso de medicações. Exames complementares são solicitados conforme a suspeita principal, mas alguns especialistas sugerem a realização de tomografia de crânio e tórax como rastreio [2].

Tratamento

O primeiro passo do tratamento da SIAD é avaliar a necessidade de correção rápida dos níveis de sódio [3]. O tópico Hiponatremia na Emergência revisa o manejo da hiponatremia, incluindo as estratégias terapêuticas e os alvos. A correção rápida é indicada na presença de [2]:

  • Sintomas graves (sonolência, crises convulsivas ou coma);
  • Sintomas moderados (vômitos, confusão mental) com risco de progressão da hiponatremia (estado pós-operatório, hiponatremia induzida pelo exercício);
  • Doenças intracranianas em que o risco de edema cerebral associado à hiponatremia pode trazer consequências.

Os quadros não graves de hiponatremia representam 95% dos casos e não necessitam de tratamento emergencial [2]. Para esses pacientes, o foco é a identificação e reversão da condição causadora da SIAD. Quando essa reversão não é possível ou quando uma causa básica não é identificada, as quatro medidas básicas abaixo são recomendadas, geralmente realizadas em contexto ambulatorial (tabela 3) [3, 4].

Tabela 3
Opções de tratamento para a síndrome da antidiurese inapropriada
Opções de tratamento para a síndrome da antidiurese inapropriada

Restrição hídrica

Restrição hídrica é a primeira conduta diante de um paciente assintomático com SIAD [3, 4] . Essa recomendação é justificada por ser uma terapia de fácil introdução e baixo custo. Uma opção sugerida é a restrição de 500 ml a menos do que o débito urinário. Na maioria dos estudos, valores fixos de restrição (ex: 500 a 1000 ml) foram utilizados [2]. Existem poucas evidências que embasam essa conduta e a efetividade da intervenção, isoladamente, é limitada. O impacto na qualidade de vida do paciente pode limitar a adesão à terapia de restrição hídrica.

Tabletes de sal

A suplementação de sais pela via oral é uma alternativa terapêutica. O aumento da ingesta de sal incrementa a reserva corporal de sódio e atua como meio para a excreção de água livre. Diuréticos de alça também podem ser associados. De forma prática, a recomendação é a reposição de 2 a 5 g de sal por dia [3].

Tabletes de ureia

O mecanismo do funcionamento da ureia é semelhante ao de altas doses de cloreto de sódio. Altas concentrações de ureia no filtrado glomerular induzem diurese osmótica, reduzem a natriurese e aumentam a excreção de água livre. Os estudos que embasam essa terapia são pequenos e, em sua maioria, observacionais. A ureia não é facilmente disponível no Brasil. Como alternativa, o aumento da ingesta proteica para aproximadamente 1g/kg de peso pode gerar efeitos semelhantes, apesar de ainda faltarem evidências para apoiar essa conduta [2].

Tolvaptana

Os antagonistas do receptor V2 da vasopressina bloqueiam a ação do ADH no néfron distal, promovendo excreção de água livre. Assim, eles atuam no mecanismo fisiopatológico da SIAD. A principal representante da classe é a tolvaptana, disponível em opções orais em outros países, mas ainda não aprovada no Brasil [3, 4].

Aproveite e leia:

30 de Setembro de 2024

Antidepressivos

Os antidepressivos formam uma classe de medicamentos diversa, usados mais comumente para tratar depressão e outras doenças psiquiátricas. O Brasil é um dos países mais atingidos por depressão e ansiedade e o uso dessas medicações cresce progressivamente. Esta revisão aborda a prescrição, efeitos colaterais, suspensão, troca e escolha entre os antidepressivos mais comuns.

20 de Fevereiro de 2023

Hiponatremia na Emergência

Hiponatremia é um dos distúrbios eletrolíticos mais comuns. O American Journal of Emergency Medicine publicou um artigo de revisão sobre o tema em outubro de 2022, com foco na perspectiva do médico na sala de emergência. Vamos revisar esse tema neste tópico.

27 de Novembro de 2023

Intercorrências na Hemodiálise

A hemodiálise (HD) é a modalidade de terapia renal substitutiva (TRS) que utiliza a circulação extracorpórea para remover as substâncias dialisáveis e realizar a ultrafiltração (retirada de líquido do organismo). É realizada nos pacientes com injúria renal aguda (IRA) e doença renal crônica (DRC) no contexto hospitalar, nas clínicas de diálise e até em domicílio. As sessões são seguras, mas intercorrências podem acontecer. Esta revisão trata das intercorrências mais importantes durante a hemodiálise.

22 de Abril de 2024

Bicarbonato na Doença Renal Crônica

Foi publicada em abril de 2024 a diretriz de doença renal crônica do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO). Não houve recomendação de reposição de bicarbonato de sódio para acidose metabólica por ausência de ensaios clínicos grandes que embasam o uso. Essa mudança revisita a pergunta: será que tem evidência para uso do bicarbonato na doença renal crônica? Este tópico revisa o assunto.

16 de Outubro de 2023

Reposição de Potássio

A hipocalemia é uma alteração eletrolítica frequente e que pode causar repercussões graves. A reposição de potássio exige cuidados para ser segura e efetiva. Este tópico revisa o tema.