Síndromes e Cenários

Cardiomiopatia Hipertrófica: Diretrizes de 2024

Criado em: 10 de Junho de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira

Em 2024, a American Heart Association/American College of Cardiology (AHA/ACC) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) publicaram diretrizes de cardiomiopatia hipertrófica. Este tópico aborda a definição, apresentação clínica, diagnóstico e tratamento da cardiomiopatia hipertrófica com base nas duas diretrizes [1, 2].

O que é cardiomiopatia hipertrófica?

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença genética que causa aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo (VE) com ou sem hipertrofia do ventrículo direito. A doença pode causar consequências hemodinâmicas e eletrofisiológicas para o paciente. Na CMH, o espessamento da parede ocorre na ausência de outra condição capaz de produzir hipertrofia ventricular - por exemplo, HAS e estenose da valva aórtica [3, 4].

A CMH é a doença cardíaca de origem genética mais frequente, sendo transmitida de forma autossômica dominante. Uma coorte norte-americana encontrou um aumento de incidência e prevalência de CMH, com taxa de mortalidade global maior do que a população em geral (HR 1,44, IC 95%, 1,21 a 1,71; P <0.001), porém em queda [5].

No Brasil, estudos realizados em diferentes regiões indicam a presença consistente de mutações associadas com CMH (genes MYH7, MYBPC3 e TNNT2), o que sugere uma significativa prevalência dessa condição [6, 7].

Apresentação clínica

Muitos pacientes com CMH são assintomáticos e têm expectativa de vida normal. Quando sintomáticos, as principais manifestações são angina, arritmias, síncope, insuficiência cardíaca (IC) com hipertrofia ventricular e morte súbita cardíaca (MSC). A CMH é uma das principais causas de MSC em jovens e atletas [8, 9]. MSC abortada, mesmo na ausência de sintomas prévios, é uma apresentação possível de CMH.

A angina pode ser desencadeada pelo exercício físico ou ocorrer em repouso, e habitualmente não existe correlação com aterosclerose. Mesmo assim, deve-se excluir doença arterial coronariana em pacientes com alto risco cardiovascular.

As arritmias mais comuns são extrassístoles (supraventriculares e ventriculares), fibrilação ou flutter atrial e taquicardia ventricular sustentada ou não sustentada (TVS e TVNS). Pode manifestar-se com palpitações, pré-síncope e síncope. A extensão da fibrose miocárdica está associada com maior risco de ocorrência de TVNS [10].

Em pacientes sintomáticos, geralmente as queixas ocorrem por IC como consequência à obstrução da via de saída do VE (VSVE) e regurgitação mitral secundária. Os sintomas mais comuns são dispneia e fadiga. A IC avançada com congestão sistêmica ou pulmonar é rara. A maioria dos pacientes sem obstrução da VSVE é assintomática, com 10% progredindo para quadros avançados [11].

O eletrocardiograma (ECG) está alterado em 90-95% dos pacientes com CMH. As principais alterações são sinais de sobrecarga de VE e alterações de repolarização [12, 13].

Tabela 1
Caracterização dos fatores de risco para morte súbita cardíaca na cardiomiopatia hipertrófica (CMH)
Caracterização dos fatores de risco para morte súbita cardíaca na cardiomiopatia hipertrófica (CMH)

Os principais fatores de risco para MSC estão na tabela 1 [14].

Diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica e diferenciais

O diagnóstico da CMH é realizado com o auxílio do ecocardiograma transtorácico (ECOTT) ou ressonância magnética cardíaca (RMC), sendo esta última indicada quando o ECOTT é inconclusivo [1]. Na impossibilidade de RMC, a tomografia cardíaca pode ser considerada (fluxograma 1).

Fluxograma 1
Avaliação inicial diagnóstica da cardiomiopatia hipertrófica (CMH)
Avaliação inicial diagnóstica da cardiomiopatia hipertrófica (CMH)

Em adultos, CMH é definida pela presença da espessura diastólica final em quaisquer segmentos do VE ≥ 15 mm na ausência de outra causa de hipertrofia ou ≥ 13 mm em familiares de um paciente com CMH ou pessoas com teste genético positivo [1, 15].

A CMH é considerada obstrutiva quando o gradiente de pico na VSVE ≥ 30 mmHg. Gradientes em repouso ou dinâmicos (durante manobras provocativas) ≥ 50 mmHg definem obstrução mais grave da VSVE [16]. A CMH obstrutiva tem prognóstico e abordagem terapêutica distintos.

A presença de hipertrofia do VE tem três principais diagnósticos diferenciais além de CMH: cardiomiopatia hipertensiva, estenose aórtica e coração do atleta.

Hipertensão arterial sistêmica é a causa mais comum de hipertrofia do VE, principalmente quando não tratada ou tratada parcialmente. Nesse contexto, raramente a espessura do VE é maior que 15 mm. A hipertrofia por HAS é mais frequente em pessoas com mais de 65 anos ou com mais de dez anos de diagnóstico, principalmente na presença de outras lesões de órgão-alvo.

A estenose aórtica causa hipertrofia do VE que pode ser confundida com CMH. A análise da valva aórtica pelo ecocardiograma ajuda a definir que a hipertrofia é por estenose aórtica.

Tabela 2
Critérios diferenciais entre cardiomiopatia hipertrófica e coração do atleta
Critérios diferenciais entre cardiomiopatia hipertrófica e coração do atleta

A hipertrofia ventricular esquerda secundária ao exercício ("coração do atleta") ocorre em atletas de alto rendimento, cujos treinos podem aumentar a massa do VE e causar hipertrofia. Diferenciar coração do atleta de CMH é crítico, já que o exercício pode aumentar a chance de MSC em pacientes com CMH. Deve-se excluir a presença de CMH nesses pacientes pelo risco de arritmias e MS durante o esforço físico (veja tabela 2).

Manejo de cardiomiopatia hipertrófica

O manejo de CMH passa por avaliar o risco de três complicações: morte súbita cardíaca (MSC), insuficiência cardíaca (IC) e fibrilação atrial (FA).

A estimativa do risco de MSC é realizada através da calculadora HCM Risk-SCD, classificando em três categorias de risco: baixo (< 4%), intermediário (4-6%) ou alto (> 6%) [17]. Independente do risco, recomenda-se o implante de CDI nos pacientes com MSC revertida, TVS ou FV [2]. Os demais pacientes com pelo menos um fator de risco devem ser estratificados conforme a idade e a decisão de implante de CDI tomada individualmente.

Os beta-bloqueadores são o tratamento de primeira linha para o controle sintomático de angina e dispneia na CMH obstrutiva e não obstrutiva. Na persistência de sintomas ou intolerância aos beta-bloqueadores, recomendam-se bloqueadores dos canais do cálcio não dihidropiridínicos (verapamil ou diltiazem) [1].

Em caso de falha e sintomas decorrentes da obstrução da VSVE, recomenda-se associar um inibidor da miosina cardíaca (mavacanteno e aficanteno), disopiramida ou terapia de redução septal [1] (fluxograma 2). O mavacanteno (Camzyos®) é a única dessas medicações que está disponível no Brasil. A terapia de redução septal é feita cirurgicamente ou com ablação alcoólica.

Fluxograma 2
Manejo da cardiomiopatia hipertrófica (CMH) obstrutiva
Manejo da cardiomiopatia hipertrófica (CMH) obstrutiva

Em casos de FE reduzida, as medicações para outras causas de IC com FE reduzida também são recomendadas (fluxograma 3).

Fluxograma 3
Manejo da cardiomiopatia hipertrófica (CMH) não obstrutiva
Manejo da cardiomiopatia hipertrófica (CMH) não obstrutiva

Anticoagulação é indicada para todos os pacientes com FA, independente do CHADSVASC. DOAC são a primeira opção no tratamento. O uso de antiarrítmicos é uma estratégia segura e pode ser considerada.

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