Eutireoideo Doente e Função Tireoidiana no Paciente Hospitalizado
A análise da função tireoidiana sofre muitas interferências no paciente hospitalizado, dificultando a interpretação clínica. A alteração dos exames tireoidianos em uma doença sistêmica não tireoidiana é denominada síndrome do eutireoideo doente. Esse tópico revisa o tema.
Eutiroideo doente: definição e mecanismo
A síndrome do eutireoideo doente (SED) é definida como uma alteração dos exames de função tireoidiana em pacientes com doenças agudas ou crônicas, sem evidências de doença tireoidiana própria [1].
Vários mecanismos estão envolvidos na SED. As principais alterações ocorrem na atividade das iodotironina deiodinases, enzimas responsáveis pela conversão de T4 em T3 ou em T3 reverso (rT3), e na secreção de hormônio estimulador da tireoide (TSH).
Em uma doença aguda, a inibição da atividade da iodotironina deiodinase de tipo 1 (D1) reduz a conversão periférica de T4 em T3. Em doenças mais graves ou prolongadas, os níveis de T4 total e livre também podem diminuir. O valor do TSH geralmente está dentro dos limites da normalidade ou discretamente reduzido, refletindo uma supressão do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide [1].
Parte dessas alterações podem corresponder a mecanismos adaptativos ao processo de adoecimento [2].
Medicamentos e doenças que alteram os exames tireoidianos
Alguns medicamentos podem alterar os exames tireoidianos sem afetar a função tireoidiana verdadeiramente. Outros alteram a função tireoidiana de fato (tabela 1).
Sepse, neoplasias, doenças cardíacas agudas e doentes em condições críticas podem exibir alterações nos exames tireoidianos. Condições que levam ao estresse fisiológico intenso (trauma, cirurgias e disfunções orgânicas) também estão envolvidas nessas alterações.
Avaliação da função tireoidiana no paciente internado
A função da tireoide não deve ser avaliada em pacientes graves, exceto se houver forte suspeição de doença tireoidiana. Os exames de função tireoidiana sofrem muitas interferências nesse contexto, dificultando a interpretação. A despeito disso, alguns pacientes graves têm como explicação para o quadro uma tireoidopatia (levando a coma mixedematoso ou tempestade tireotóxica, por exemplo), surgindo a necessidade de avaliação da função glandular se houver esse tipo de suspeita. Veja mais no tópico Coma Mixedematoso.
O perfil laboratorial típico de um paciente com SED é composto por T4 livre e TSH normais ou baixos e T3 baixo. Já o T3 reverso (rT3), se disponível, costuma estar alto [3].
Na suspeita clínica de doença tireoidiana no paciente internado, deve-se solicitar TSH e T4 livre. Se disponíveis, T3 e T4 totais podem ajudar no entendimento do quadro. O passo inicial da interpretação pode ser baseado no valor do TSH.
TSH baixo
Um TSH baixo com T4 livre elevado em um paciente hospitalizado significa SED na maioria das vezes. Contudo, alguns pacientes de fato terão hipertireoidismo. Nesse contexto, a dosagem de T3 e o grau de supressão do TSH podem ser úteis. Espera-se um T3 reduzido na SED, enquanto no hipertireoidismo está elevado.
Apesar de não ser definitivo, o nível de supressão do TSH também pode ajudar. Níveis discretamente reduzidos quase sempre representam SED. Valores abaixo de 0,05 mUI/L ou indetectáveis aumentam a chance de hipertireoidismo verdadeiro. Utilizando um ensaio de TSH de terceira geração, apenas 5 de 37 pacientes com SED tinham TSH < 0,005 mUI/L [4, 5].
Outros achados sugestivos de hipertireoidismo (como bócio, fibrilação atrial, tremores, perda de peso) devem ser considerados na interpretação. Uma nova dosagem após resolução da doença que motivou a internação é recomendada em casos de dúvida.
TSH alto
Apesar de SED habitualmente reduzir o TSH, alguns pacientes podem apresentar níveis elevados de TSH durante a recuperação clínica. A magnitude do aumento de TSH pode ajudar a diferenciar de hipotireoidismo verdadeiro. Valores de TSH acima de 20 mU/L associados a um T4 livre baixo aumentam consideravelmente a possibilidade de hipotireoidismo. Nesse caso, deve-se iniciar tratamento e avaliar a presença de coma mixedematoso [6].
Se o valor de TSH estiver entre o limite superior da normalidade e 10-20 mU/L, deve-se avaliar o T4 livre e, se estiver baixo, considerar início de tratamento para hipotireoidismo caso haja alta suspeita clínica. Em caso de dúvida, pode-se repetir os exames em uma a duas semanas [7].
Para pacientes que possuem TSH elevado, porém T4 livre normal, recomenda-se repetir os exames em uma a duas semanas [7].
Manejo do paciente eutireoideo doente
Para pacientes com baixos níveis dos hormônios tireoidianos, porém sem evidência de doença primária da tireoide, a reposição hormonal não é recomendada [8]. A reposição não mostrou benefício em desfechos de mortalidade, arritmias ou uso de vasopressores [9].
Valores baixos de T3 livre estão associados com aumento do tempo de internação e necessidade de ventilação mecânica na insuficiência cardíaca descompensada, sendo uma alteração com significado prognóstico [10]. Em uma análise semelhante, a presença de SED foi considerada um preditor de mortalidade em 30 dias em pacientes com pneumonia adquirida na comunidade [11].
Apesar desses dados, o objetivo deve ser o tratamento da doença de base, sendo a avaliação dos hormônios tireoidianos uma medida indireta da gravidade [12]. Com a melhora de condição de saúde, ocorre o restabelecimento dos níveis hormonais [5]. A normalização dos exames pode levar meses após a alta, não sendo necessária intervenção farmacológica [13].
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