Betabloqueadores e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
A doença cardiovascular é a principal causa de morte em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Os betabloqueadores são medicamentos que podem reduzir a mortalidade cardiovascular em diversas condições, porém podem aumentar o risco de broncoespasmo e exacerbação de DPOC. O estudo BICS, publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em maio de 2024, avaliou a segurança do bisoprolol em pacientes com DPOC [1]. Este tópico do guia revisa o tema e resume o estudo.
Tipos e aplicação de betabloqueadores
Betabloqueadores (BB) são medicamentos que atuam bloqueando a ação das catecolaminas nos receptores beta-adrenérgicos. Os receptores β₁-adrenérgicos predominam no miocárdio, enquanto os receptores β₂ são mais encontrados na musculatura lisa endotelial e brônquica.
O bloqueio beta-adrenérgico é benéfico em situações como a insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER), taquiarritmias, angina e hipertensão portal. A escolha do BB deve considerar sua seletividade em relação ao receptor beta-adrenérgico.
Alguns exemplos de BB β₁-seletivos são atenolol, bisoprolol e metoprolol [2]. Esses medicamentos podem ter afinidade até 20 vezes maior pelos receptores β₁ em comparação aos receptores β₂ [3]. Os BB não seletivos, como propranolol e carvedilol, são preferidos para manejo de hipertensão portal. Na ICFER, os BB com benefício são o succinato de metoprolol, carvedilol e bisoprolol [4]. Esse não é um efeito de classe e outros BB, como o tartarato de metoprolol, não demonstraram benefício na ICFER [5].
A ação em múltiplos receptores adrenérgicos explica efeitos colaterais importantes dos BB, como bradicardia, hipotensão e broncoespasmo.
O Guia tem outros tópicos com aplicações dos BB: no paciente com cirrose, na hipertensão arterial, após infarto agudo do miocárdio, na doença coronariana crônica e na fibrilação atrial.
Uso de betabloqueadores e risco de broncoespasmo
O uso de BB pode estar associado à exacerbação de broncoespasmo em pacientes com asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) através do bloqueio dos receptores β₂. Essa preocupação motivou diversos estudos sobre o tema, especialmente em pacientes com DPOC, já que estes pacientes estão em uma demografia com sobreposição de comorbidades cardiovasculares que se beneficiam do uso de BB.
As evidências atuais indicam que, havendo indicação clara de benefício de BB, esses medicamentos não devem ser contraindicados pelo risco de broncoconstrição e piora da função pulmonar. Uma metanálise de estudos observacionais publicada em 2014 avaliou o uso de BB em pacientes com DPOC e encontrou redução de mortalidade geral e cardiovascular nos pacientes em uso de BB [6].
A atualização de 2024 do Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease reforça que BB devem ser usados em pacientes com DPOC que possuam indicação cardiovascular aprovada. Nesses casos, o documento favorece o uso de BB cardiosseletivos [7].
A diretriz da Sociedade Internacional de Hipertensão indica que o tratamento de escolha da hipertensão em pacientes com DPOC seja o mesmo da população geral (bloqueadores de receptor da angiotensina, bloqueadores do canal de cálcio e/ou diuréticos). Os BB cardiosseletivos podem ser usados em populações com indicação de BB (como na doença arterial coronariana e insuficiência cardíaca) [8].
Análises secundárias de estudos que avaliaram os BB β₁-seletivos em pacientes com DPOC e doenças cardiovasculares encontraram redução de exacerbações de DPOC [6, 9]. Contudo, o estudo BLOCK COPD de 2020 mostrou achados contrários. Esse estudo avaliou a segurança do metoprolol em pacientes com DPOC que não tinham motivo cardiovascular para usar BB [10]. O estudo foi interrompido precocemente, por futilidade e preocupações com segurança. Foram acompanhados mais de 500 pacientes por cerca de sete anos. Não houve diferença no tempo para a primeira exacerbação de DPOC entre pacientes em uso de metoprolol ou placebo. Porém, aqueles em uso de metoprolol tiveram maior risco de exacerbações com necessidade de hospitalização.
As incertezas sobre o risco de broncoespasmo e complicações respiratórias com BB motivaram a realização do BICS, um novo estudo sobre essa questão em pacientes com DPOC.
O que o estudo BICS encontrou?
O BICS foi um estudo randomizado, duplo cego, controlado por placebo, realizado no Reino Unido [1]. Os autores avaliaram o uso de bisoprolol em pacientes com DPOC com obstrução pelo menos moderada do fluxo aéreo (VEF1/CVF < 0,7 e VEF1 < 80% do predito) e pelo menos duas exacerbações da doença no último ano (tabela 1). O estudo excluiu indivíduos que tinham indicação de uso do BB por alguma indicação (como ICFER ou doença coronariana).
O desfecho primário avaliado foi o número de exacerbações de DPOC com necessidade de corticoide sistêmico e/ou antibióticos, com a hipótese de que o bisoprolol poderia reduzir o número de exacerbações. Foram randomizados 258 pacientes para o placebo e 261 para o bisoprolol (em dose inicial de 1,25 mg/dia até o máximo de 5 mg/dia).
Após um acompanhamento de 52 semanas, não foi observada diferença no desfecho primário entre os grupos. Também não houve diferença em eventos adversos graves.
Apesar de não ter comprovado a hipótese, o estudo não encontrou sinais deterioração de DPOC com bisoprolol, com segurança similar ao placebo. Esses achados reforçam as recomendações das metanálises e diretrizes quanto à segurança do uso de BB em pacientes com DPOC. Porém, se opõem à conclusão do BLOCK COPD realizado em 2020. Os autores ressaltam três aspectos que podem explicar as diferenças:
- No BLOCK COPD, a população selecionada tinha doença mais grave (maior prevalência de uso de oxigenoterapia domiciliar e menor VEF1).
- Antagonistas muscarínicos de longa ação foram usados com menor frequência no BLOCK COPD. Alguns estudos sugerem que essa classe de broncodilatadores é superior às demais em prevenção de exacerbações e hospitalizações por DPOC [11-13].
- Apesar de ambos os BB estudados serem β₁-seletivos, o bisoprolol é ainda mais β₁-seletivo que o metoprolol.
Broncoespasmo induzido por outros medicamentos
Além dos BB, outros medicamentos podem causar broncoespasmo e piorar sintomas na DPOC ou em outras comorbidades. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina são frequentemente relacionados a sintomas respiratórios, especialmente a tosse. Porém, também estão associados a asma e broncoespasmo [14].
Anti-inflamatórios e aspirina podem estar relacionados a broncoespasmo, pois aumentam a síntese de eicosanoides e leucotrienos [15]. Intolerância a aspirina acontece em 10 a 15% dos pacientes com asma [16, 17].
Existe risco de indução de broncoespasmo com administração de medicamentos inalatórios. O tópico de antibióticos inalatórios revisa o assunto.
Aproveite e leia:
Betabloqueador Após Infarto Agudo do Miocárdio
A prescrição de betabloqueadores após infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma prática baseada em evidências da década de 80 de diminuição de mortalidade. O ensaio clínico randomizado REDUCE-AMI, publicado em abril de 2024 no New England Journal of Medicine, avaliou o uso de betabloqueadores no pós-infarto em pacientes com fração de ejeção preservada. Esse tópico traz os resultados do estudo e discute o tema.
Tratamento de Angina Estável
Uma das principais indicações de angioplastia em pacientes com doença coronariana crônica é a persistência de angina. No entanto, ainda existem dúvidas sobre a efetividade do procedimento no controle de sintomas. O estudo ORBITA-2, publicado pelo New England Journal of Medicine em dezembro de 2023, avaliou a eficácia da angioplastia no manejo de angina. Esta edição do Guia revisa a terapia antianginosa na doença coronariana crônica e traz os detalhes do estudo.
Antibióticos Inalatórios
Em novembro de 2023, foi publicado no New England Journal of Medicine um estudo que avaliou a amicacina inalatória para prevenção de pneumonia associada à ventilação. Este tópico aborda o uso de antibióticos por via inalatória em diversos cenários, incluindo este.
Betabloqueadores para Hipertensão Arterial
Um dos pontos mais polêmicos do tratamento de hipertensão arterial é o uso de betabloqueadores. Inspirados pela nova diretriz da Sociedade Europeia de Hipertensão Arterial (ESH), disponível em novembro de 2023, trazemos hoje uma revisão sobre o tema. Será que tem evidência para usar betabloqueadores na hipertensão?
Controle Farmacológico de Frequência Cardíaca na Fibrilação Atrial
O controle da frequência cardíaca na fibrilação atrial é parte essencial do manejo. O controle de frequência reduz a incidência de taquicardiomiopatia e diminui sintomas. Esse tópico do "como fazer" revisa o controle farmacológico de frequência cardíaca na fibrilação atrial.