Herpes Simples
A infecção pelo herpes simples é comum e pode recorrer. Este tópico revisa a apresentação clínica, diagnóstico e tratamento das infecções pelos vírus do herpes simples HSV1 e HSV2.
Manifestações clínicas e história natural
A doença pelos vírus herpes simples (HSV1 e HSV2) divide-se em primoinfecção e reativações (flair). Considerava-se que o HSV1 acometia exclusivamente a região orolabial e o HSV2 a região genital, mas essa diferenciação tem sido questionada com os estudos atuais. Ambos os sorotipos podem afetar qualquer compartimento, porém há, de fato, predileção do HSV1 pela região orolabial e do HSV2 pela região genital [1].
A primoinfecção em região orolabial costuma se manifestar na infância com lesões ulceradas exsudativas em lábios, mucosa bucal (gengivoestomatite herpética) e faringite. Pode ocorrer febre e linfadenopatia cervical [2]. A reativação nesta região se apresenta como lesões labiais vesiculares dolorosas, precedidas em cerca de 80% dos casos por sintomas prodrômicos como dor e parestesias até 24 horas antes [3].
Em região genital, a primoinfecção herpética ocorre no início da vida sexual e na maioria das vezes é assintomática. Quando sintomática, apresenta pápulas, vesículas, úlceras dolorosas, fissuras, irritação vulvar e/ou disúria, com duração média de 10 a 15 dias. Sintomas sistêmicos estão presentes em cerca de metade dos casos, com cefaleia, mialgia, mal-estar e, raramente, febre [4]. Pacientes previamente infectados pelo HSV1 podem sofrer primoinfecção por HSV2, normalmente com sintomas mais brandos. A reativação genital é precedida por sintomas prodrômicos em metade dos pacientes e a duração e a intensidade dos sintomas tende a ser menor nas recorrências [5].
Manifestações cutâneas também podem ocorrer. Algumas manifestações estão reunidas na tabela 1. Pacientes com imunossupressão tem manifestações sistêmicas com maior frequência (tabela 1).
Diagnóstico
O diagnóstico clínico pode ser realizado baseado na apresentação sindrômica clássica de erupções vesiculares dolorosas orais ou genitais. A abordagem sindrômica para diagnóstico e tratamento na população geral é um método validado e preconizado pelo Ministério da Saúde e OMS [6, 7].
Em apresentações clínicas atípicas pode ser necessário confirmar o diagnóstico com exames complementares. A reação em cadeia de polimerase em tempo real (PCR) é um exame molecular de detecção do HSV por meio de swab da ferida. Possui especificidade próxima a 100% e sua sensibilidade é melhor em lesões mais recentes (< 5 dias), idealmente ainda em fase de vesículas [8].
O esfregaço com coloração de Tzanck consegue demonstrar as alterações citopáticas do HSV em raspado de lesões genitais ativas, no entanto, possui sensibilidade de 60 a 80%. O esfregaço de Tzanck não diferencia o efeito citopático do HSV e do vírus varicella-zoster [9, 10].
A sorologia para HSV tem papel controverso. O IgM para HSV não possui utilidade diagnóstica. O IgG para o HSV1 não é recomendado, já que a maioria da população possui anticorpos adquiridos pela infecção por via oral durante a infância. Contudo, para HSV2 há duas possíveis utilidades da sorologia:
- Em um episódio compatível com herpes em que há dúvida diagnóstica, a positivação do IgG para HSV2 12 semanas após o quadro sugere o diagnóstico [7]
- Em episódios recorrentes ou atípicos com exame molecular negativo, um IgG para HSV2 positivo reforça a hipótese de infecção
Não se sabe quanto tempo os títulos de anticorpos permanecem positivos após a infecção [11]. O rastreio com sorologia para HSV na população geral não é recomendado [12].
Tratamento
O tratamento antiviral sistêmico é recomendado para a maioria dos pacientes com sintomas agudos, seja em primoinfecção ou reativação. O benefício é de controle parcial dos sintomas e redução da duração dos episódios, principalmente se iniciado nas primeiras 72 horas. Há três antivirais aprovados: aciclovir, valaciclovir e famciclovir. Todos têm eficácia similar, porém não conseguem erradicar os vírus latentes [12-14].
No SUS, o aciclovir é a medicação recomendada e disponível em comprimidos de 200 mg. O uso de outros antivirais (valaciclovir e famciclovir) permite melhor comodidade posológica, porém com custos mais elevados. O tratamento pode ser realizado na primoinfecção, reativação e para supressão contínua. As doses e durações são diferentes conforme a indicação (tabela 2).
O tratamento antiviral tópico (pomada de aciclovir) não possui benefício clínico e não é recomendado [15, 16].
Manejo de recorrência
A maioria dos indivíduos apresenta ao menos um episódio de recorrência após a primoinfecção. As principais diretrizes consideram como herpes recorrente quando há mais de 4 a 6 episódios por ano [7, 12, 15]. O herpes labial recorrente é comum, com prevalência estimada de 18 a 37% na população geral [16].
A terapia antiviral para os casos de recorrência pode ser feita de duas formas: tratamento episódico e tratamento supressivo crônico. A tabela 2 resume as opções. Enquanto o tratamento episódico reduz intensidade e duração dos sintomas em cada reativação, o tratamento supressivo contínuo consegue reduzir a frequência das recorrências. Estima-se uma redução de 70 a 80% dos episódios com a terapia supressiva crônica, com melhor qualidade de vida em comparação ao tratamento episódico. O tratamento contínuo parece se manter ativo a longo prazo, com raros episódios de emergência de resistência. Não é necessário monitorar eventos adversos por serem drogas extremamente seguras, conforme diretriz do CDC [12, 17].
A escolha entre os dois esquemas deve ser feita em conjunto com o paciente, considerando o impacto na qualidade de vida em cada episódio. Se ocorrerem mais de 6 episódios por ano, a supressão crônica deve ser considerada. A decisão de manter o tratamento deve ser reavaliada anualmente.
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