Tratamento de Tabagismo no Paciente Internado

Criado em: 05 de Agosto de 2024 Autor: Joanne Alves Moreira

A hospitalização é uma oportunidade para a cessação do tabagismo, mas a manutenção da abstinência após a alta é um desafio. Uma revisão da Cochrane de maio de 2024 avaliou os efeitos das diferentes estratégias de cessação de tabagismo em pacientes hospitalizados [1]. Este tópico abordará dependência e abstinência à nicotina, assim como os tratamentos disponíveis.

Oportunidade de mudança do estilo de vida

Oferecer tratamento para a cessação do tabagismo no hospital aumenta as taxas de abstinência a longo prazo após a alta. Um estudo avaliou a manutenção da cessação em pacientes que receberam terapia de reposição de nicotina (TRN) durante a internação e a prescrição de medicamentos na alta. O recebimento de TRN durante a internação e a alta com um plano de cuidados foram independentemente associados com manutenção do tratamento um mês após a internação [2]. A abstinência durante a internação foi um forte indicador de abstinência após a alta [3]. Os principais preditores da cessação do tabagismo em pacientes internados estão disponíveis na tabela 1 [4]. 

Tabela 1
Principais preditores da cessação do tabagismo em pacientes internados.
Principais preditores da cessação do tabagismo em pacientes internados.

Em maio de 2024, a Cochrane publicou a atualização da revisão que avalia efeitos de qualquer tipo de programa de cessação do tabagismo para pacientes internados [1]. Foram incluídos 82 estudos nesta atualização. Os achados reforçam as intervenções realizadas atualmente e serão discutidos ao longo do tópico.

Dependência e abstinência ao tabagismo

O diagnóstico de dependência à nicotina é clínico, baseado no autorrelato do paciente. Os critérios diagnósticos estão disponíveis na tabela 2 (e no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do tabagismo do ministério).

Tabela 2
Diagnóstico de dependência à nicotina.
Diagnóstico de dependência à nicotina.

O grau de dependência é avaliado pelo teste de Fagerström (tabela 3). O teste tem seis perguntas, com escore variando de zero a dez. Pacientes com pontuação acima de seis têm maior grau de dependência nicotínica e podem ter sintomas da síndrome de abstinência [5]. 

Tabela 3
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.

Os sintomas da síndrome de abstinência de nicotina incluem ansiedade, irritabilidade, depressão, insônia, dificuldade de concentração e aumento do apetite [6]. Pacientes críticos com síndrome de abstinência apresentam maiores índices de agitação e retirada inadvertida de dispositivos, além de maior necessidade de sedativos, analgésicos, neurolépticos e contenções físicas. No entanto, não parece haver diferença no tempo de permanência e na mortalidade na UTI [7]. 

A avaliação dos sintomas de síndrome de abstinência deve ser contínua e várias escalas podem ser utilizadas [8]. Um exemplo é a Wisconsin Smoking Withdrawal Scale (WSWS) - em tradução livre, escala de abstinência ao tabagismo de Wisconsin, já validada em português [9]. 

A síndrome de abstinência de nicotina difere da síndrome de abstinência alcoólica. A abstinência alcoólica pode ter manifestações graves como convulsões tônico-clônicas generalizadas, delirium tremens e até morte se não tratada, manifestações não descritas na síndrome de abstinência a nicotina [10]. O tratamento do transtorno por uso de álcool foi abordado no tópico "Baclofeno para Transtorno por Uso de Álcool".

Terapia não farmacológica e terapia de reposição de nicotina (TRN)

A abordagem é composta pela intervenção comportamental associada ao tratamento farmacológico [11]. As intervenções comportamentais incluem materiais escritos contendo orientações sobre como parar de fumar, programas de terapia em grupo com várias sessões ou sessões de aconselhamento individual baseadas na terapia cognitivo-comportamental [12].  

A revisão da Cochrane de 2024 encontrou que intervenção hospitalar com aconselhamento estruturado com duração maior que 15 minutos e continuação por mais de um mês após a alta aumentou a taxa de cessação do tabagismo [1]. 

Existem duas apresentações de nicotina no SUS: liberação lenta (adesivo transdérmico) e liberação rápida (goma e pastilha). A TRN é iniciada quando o paciente cessa o tabagismo. TRN combinada (formas lenta e rápida de liberação de nicotina) é a abordagem preferencial pela maior taxa de manutenção de cessação a longo prazo quando comparada com TRN isolada (uso de apenas forma lenta ou rápida de liberação de nicotina) [13, 14]. 

O adesivo de nicotina deve considerar 1 mg de nicotina para cada cigarro fumado. Apesar do Ministério da Saúde recomendar a dose máxima de 42 mg/dia, uma revisão da Cochrane de 2023 encontrou respostas semelhantes com uso de adesivos de 21 e 22 mg/dia comparados aos adesivos de 42 e 44 mg/dia [13]. Não é indicado o uso de adesivo em pacientes com consumo de até 5 cigarros/dia. Deve-se iniciar com goma ou pastilha e não ultrapassar 5 unidades ao dia. Outras orientações do tratamento farmacológico estão disponíveis na tabela 4 e tabela 5.

Tabela 4
Tratamento farmacológico da cessação de tabagismo.
Tratamento farmacológico da cessação de tabagismo.

A evidência disponível sugere que a TRN é segura em pacientes internados [15]. Um estudo publicado no JAMA em 2018 avaliou o risco de evento cardiovascular associado às opções de tratamento farmacológico da cessação. A incidência de eventos cardiovasculares durante o tratamento e o acompanhamento foi baixa e não houve diferença significativa entre os tratamentos [16]. Em pacientes submetidos à revascularização coronariana, American Heart Association (AHA) recomenda a combinação de intervenções comportamentais e farmacoterapia durante a hospitalização e na alta para potencializar a cessação [17].  

Tabela 5
Orientações de uso das terapias de reposição de nicotina.
Orientações de uso das terapias de reposição de nicotina.

A revisão da Cochrane de 2024 encontrou que a TRN foi superior ao placebo/ausência de tratamento na cessação do tabagismo [1].

Medicamentos sem nicotina

A bupropiona é uma opção em pacientes com contraindicação ao uso de TRN. Em pacientes tabagistas com depressão como comorbidade, a medicação também pode ser considerada pelo potencial de benefício nas duas condições. A dose inicial é de 150 mg/dia, preferencialmente pela manhã. Uma das contraindicações absolutas para o uso de bupropiona é a epilepsia e as demais contraindicações estão na tabela 4. A revisão da Cochrane de 2024 aponta que a evidência da bupropiona em pacientes hospitalizados é incerta, com um benefício modesto na melhor das hipóteses [1]. 

Outra opção é a vareniclina (Champix®), um agonista parcial do receptor de nicotina, reduzindo a fissura e bloqueando o efeito recompensador da nicotina [18].O efeito adverso mais comum é náusea, mas geralmente desaparece com o tempo. A vareniclina não está disponível no SUS e está fora de comercialização no Brasil.

Uma revisão da Cochrane de 2023 descreveu maior probabilidade de parar de fumar com uso de vareniclina do que usando bupropiona ou TRN [19]. A revisão da Cochrane de 2024 encontrou maior probabilidade de cessação em pacientes hospitalizados com a vareniclina comparado com placebo ou ausência de tratamento, porém com evidência de menor qualidade [1]. 

Nortriptilina e clonidina são consideradas opções de segunda linha no tratamento farmacológico. A nortriptilina foi superior ao placebo na manutenção da abstinência ao tabagismo, porém a associação com TRN não foi mais eficaz que usar apenas TRN [20].

Na alta hospitalar, deve-se encaminhar os pacientes para cuidados nos grupos de cessação do tabagismo. Quanto ao manejo ambulatorial, confira o episódio 205 sobre cessação do tabagismo.

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