Novos Critérios Diagnósticos e Rastreio de Diabetes e Pré-Diabetes

Criado em: 12 de Agosto de 2024 Autor: Ênio Simas Macedo

Em julho de 2024, a Sociedade Brasileira de Diabetes atualizou a sua diretriz de diagnóstico e rastreio de diabetes e pré-diabetes [1]. O documento traz mudanças para a prática clínica. O tópico “Novos critérios diagnósticos e rastreio de diabetes e pré-diabetes” comenta sobre as recomendações da diretriz.

Glicemia de jejum, hemoglobina glicada e teste de tolerância à glicose por via oral

Os três exames recomendados para diagnóstico de diabetes são a glicemia de jejum (GJ), a hemoglobina glicada e o teste de tolerância à glicose por via oral (TTGO).

A GJ representa a glicemia plasmática medida após 8 horas de jejum. A sua vantagem é o baixo custo. As desvantagens são a necessidade de jejum, processamento inadequado que pode gerar falsos negativos e erros causados por variações decorrentes de eventos estressores, doenças agudas e atividade física [2].

A hemoglobina glicada (HbA1c) é a fração A1 da hemoglobina, onde a glicose se liga ao longo da meia vida da hemácia. Tem como vantagens refletir a média glicêmica dos últimos dois a três meses e não necessitar de jejum. Como desvantagens, é um exame de baixa sensibilidade, maior custo e há influência de diversos fatores sobre a acurácia (tabela 1). Valores mais elevados de HbA1c podem ser encontrados em indivíduos afrodescendentes e hispânicos, contudo a concordância dos níveis de HbA1c com a ocorrência de complicações parece similar em todas as etnias [2].

Tabela 1
Fatores que influenciam a acurácia da hemoglobina glicada (HbA1c).
Fatores que influenciam a acurácia da hemoglobina glicada (HbA1c).

O TTGO-2h é realizado com uma medida da glicemia plasmática após 2 horas do consumo de 75 g de glicose. A principal vantagem em relação aos demais é a maior sensibilidade para o diagnóstico de diabetes. As desvantagens são a baixa conveniência e haver a necessidade de uma dieta com pelo menos 150 g/dia de carboidratos por pelo menos três dias antes do exame [2].

Novos critérios diagnósticos: inclusão do teste de tolerância à glicose por via oral após uma hora

Em março de 2024, a International Diabetes Federation (IDF) publicou uma recomendação para o uso do teste de tolerância oral à glicose com medida de glicemia plasmática após uma hora (TTGO-1h) ao invés do TTGO-2h quando este for indicado [3].

Essa recomendação foi baseada em estudos que apontaram o TTGO-1h como superior e mais prático que o TTGO-2h para a detecção precoce de diabetes e pré-diabetes, além de ser mais prático e rápido [4-7]. Em dois desses estudos, a sensibilidade do TTGO-1h foi de 75%, em comparação com valores entre 45-56% para o TTGO-2h. 

Tabela 2
Critérios diagnósticos atuais de diabetes e pré-diabetes.
Critérios diagnósticos atuais de diabetes e pré-diabetes.

Em julho de 2024, a Sociedade Brasileira de Diabetes passou a incluir o TTGO-1h em seu critério diagnóstico (tabela 2). Além disso, para confirmar o diagnóstico de pré-diabetes com HbA1c ou GJ, é necessário realizar pelo menos um TTGO-1h [1]. A diretriz da American Diabetes Association de 2024 ainda não recomenda o uso do TTGO-1h na prática clínica, mas os demais exames e valores de corte são similares [2]. 

Novas recomendações de rastreio de diabetes e o papel do FINDRISC

O rastreio de diabetes pode ser indicado para adultos com 35 anos ou mais. Essa é uma modificação da idade de rastreio universal em relação à última diretriz, de 45 para 35 anos.

Caso o paciente assintomático tenha menos do que 35 anos, o rastreio também está indicado nas duas situações abaixo:

  • Sobrepeso ou obesidade e um ou mais fatores de risco (tabela 3)
  • Escore FINDRISC alto ou muito alto
Tabela 3
Fatores de risco para a indicação de rastreio de diabetes e pré-diabetes.
Fatores de risco para a indicação de rastreio de diabetes e pré-diabetes.

O uso do Finnish Diabetes Risk Score (FINDRISC) para rastreio é uma novidade da diretriz. Esta é uma escala que utiliza dados clínicos e antropométricos para estratificar o risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2 nos próximos 10 anos. A escala FINDRISC pode ser acessar por este link da SBD. O FINDRISC de alto ou muito alto risco passou a ser uma nova indicação de rastreio independente das demais

O rastreio deve ser feito com a GJ e/ou HbA1c (fluxograma 1).

Fluxograma 1
Algoritmo para o rastreio de diabetes mellitus tipo 2.
Algoritmo para o rastreio de diabetes mellitus tipo 2.

Se os exames de GJ ou HbA1C estiverem em valores de pré-diabetes, o TTGO-1h está indicado, por ser mais sensível e poder reclassificar esses pacientes como diabéticos caso o resultado seja ≥ 209 mg/dL.

Nos casos de pacientes com glicemia de jejum e hemoglobina glicada normais, o TTGO-1h é recomendado quando há um dos seguintes:

  • Três ou mais fatores de risco
  • FINDRISC alto ou muito alto

Segundo a diretriz brasileira, pessoas sem sintomas de hiperglicemia e com um único exame de rastreio (GJ e HbA1c) em valores de diabetes não fecham critérios para diabetes. Deve-se repetir os exames ou realizar o TTGO-1h. Caso os novos testes não confirmem o diabetes, está indicada a repetição dos exames em seis meses.

Para pessoas com exames normais com menos de três fatores de risco e FINDRISC baixo ou moderado, é recomendado a repetição em três anos. Para todos os outros casos, deve-se repetir anualmente.

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