Avaliação de Risco Cardiovascular: Calculadora PREVENT
Existem várias formas de estimar o risco cardiovascular para determinar estratégias de prevenção. Em 2024, a American Heart Association (AHA) lançou a PREVENT, uma nova calculadora de risco de eventos cardiovasculares [1]. Este tópico revisa o assunto e traz as novidades sobre a ferramenta.
Quando e como estratificar o risco cardiovascular?
Doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. Pessoas que já tiveram eventos cardiovasculares, como AVC e infarto, são consideradas de muito alto risco para novos eventos. A avaliação de risco em indivíduos que nunca tiveram eventos é feita pela análise de condições que favorecem o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Indivíduos que nunca tiveram evento podem estar sob elevado risco. A classificação do risco cardiovascular e as recomendações sobre rastreio e manejo das comorbidades não são consensuais.
A European Society of Cardiology (ESC) indica que o risco cardiovascular deve ser avaliado em todos os pacientes com fator de risco importante para doença cardiovascular, como hipertensão, tabagismo, diabetes, obesidade, dislipidemia ou história familiar de evento cardiovascular. Na ausência desses fatores, a avaliação pode ser considerada em homens com mais de 40 anos e em mulheres com mais de 50 anos ou após a menopausa [2]. A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) recomenda avaliação rotineira dos fatores de risco cardiovasculares para adultos entre 30 a 75 anos e a American Heart Association (AHA) sugere avaliação entre 40 e 75 anos [3, 4].
As diretrizes concordam em recomendar o uso de ferramentas para prever o risco cardiovascular. De modo geral, são usadas calculadoras validadas para estimar a probabilidade de um evento cardiovascular em determinado período (por exemplo, nos próximos 10 anos).
A diretriz brasileira sugere o uso do escore de risco global de Framingham (ERG) para estimar a incidência de eventos coronarianos, cerebrovasculares, doença arterial periférica ou insuficiência cardíaca [4]. Veja a calculadora brasileira para estratificação de risco cardiovascular.
A ESC usa o algoritmo SCORE2, enquanto a AHA recomenda a calculadora ASCVD Risk Estimator.
A tabela 1 resume a estratificação de risco recomendada pela SBC.
A maioria das estimativas apresenta algum grau de super ou subestimação do risco cardiovascular. Condições de maior risco que não estão contempladas nas calculadoras incluem doenças crônicas como infecção por HIV, doenças autoimunes e a hipercolesterolemia familiar [3]. Veja mais em "Hipercolesterolemia Familiar".
Exames adicionais
Alguns exames complementares ajudam a aumentar a precisão da avaliação do risco de eventos cardiovasculares.
O escore de cálcio coronariano (ECC) é uma ferramenta adicional para predição de risco cardiovascular. A diretriz da SBC recomenda o uso quando o escore de risco global de Framingham é intermediário, pela possibilidade de identificar doença aterosclerótica subclínica [4]. Dessa forma, indivíduos inicialmente considerados de risco intermediário, mas que possuam escore de cálcio elevado, são reclassificados como alto risco cardiovascular. As diretrizes da ESC e AHA concordam com essa reclassificação do risco cardiovascular individualizada a depender do resultado do ECC [2, 4].
Outros exames também podem indicar alterações subclínicas que aumentam o risco cardiovascular, como a presença de placa aterosclerótica em carótidas, índice tornozelo-braquial < 0,9, aneurisma de aorta abdominal e doença renal crônica (estimativa de taxa de filtração glomerular < 60 ml/min). Essa avaliação complementar, apesar de não ser recomendada como rastreio universal, pode ser usada na população inicialmente estratificada como de risco intermediário. Veja mais em "Estenose de Carótida Assintomática".
A angiotomografia de coronárias pode ser usada na avaliação do paciente com dor torácica estável, como revisado no tópico "Avaliação de Dor Torácica Estável com Angiotomografia". Não há consenso sobre o uso deste exame como estratificador de risco adicional em pacientes assintomáticos, sem doença coronariana conhecida.
Calculadora PREVENT
A calculadora PREVENT, apresentada pela AHA em 2024, foi desenvolvida com base na análise de mais de seis milhões de indivíduos dos Estados Unidos, sem doença cardiovascular, acompanhados por cerca de quatro anos [1]. A tabela 2 agrupa os parâmetros analisados.
Dentre as novidades da PREVENT, destacam-se:
- Estimativa de risco cardiovascular em 30 anos, vantajoso para estimar risco cardiovascular em pacientes mais jovens.
- Predição de risco de desenvolvimento de insuficiência cardíaca, além de outros eventos cardiovasculares já contemplados por outras calculadoras, como IAM e AVC.
- Retirada de raça como parâmetro analisado, considerando outros fatores sócio-econômicos na determinação do risco cardiovascular.
- Inclusão de outros fatores de risco cardiometabólicos relevantes, como a taxa de filtração glomerular e albuminúria.
A nova ferramenta pode ser aplicada em indivíduos entre 30 e 79 anos sem evidência de doença cardiovascular ou insuficiência cardíaca. Estudos retrospectivos sugerem que a PREVENT seja mais acurada que as calculadoras anteriores [5]. Ainda não há recomendação para uso segundo diretrizes dos Estados Unidos e faltam dados que determinem a aplicabilidade em outras populações.
O que fazer após estimar o risco cardiovascular?
O principal objetivo da estimativa de risco cardiovascular é a individualização do tratamento dos fatores de risco cardiovasculares. Pacientes com maior risco devem receber tratamentos mais intensos. Os principais fatores de risco a serem acompanhados são:
- Dislipidemia - alvos do tratamento e escolha medicamentosa foram revisados no tópico "Estatinas e Eventos Adversos"
- Hipertensão - classificação, indicações de tratamento medicamentoso, metas e drogas de primeira linha da hipertensão estão no tópico "Comparação entre Diretrizes de Hipertensão"
- Diabetes
- Sobrepeso e obesidade - o estudo recente SELECT encontrou benefício da semaglutida na prevenção secundária de eventos cardiovasculares para pacientes com sobrepeso e obesidade [6]. Alguns autores sugerem aplicar as estratégias de prevenção secundária na prevenção primária de pacientes de muito alto risco [7]. Veja mais em "Semaglutida para Prevenção Cardiovascular Secundária"
- Tabagismo - para detalhes sobre cessação de tabagismo, acesse o episódio 205: cessação de tabagismo.
Não há recomendação forte para uso de aspirina como prevenção primária de eventos cardiovasculares, especialmente em pacientes de baixo a moderado risco cardiovascular. O tópico "Aspirina para Prevenção de Eventos Cardiovasculares" revisa o assunto.
Todos os pacientes devem ser encorajados a manter um estilo de vida saudável, envolvendo adequação da dieta, prática de atividade física regular e evitar o consumo abusivo de álcool.
A periodicidade da avaliação do risco cardiovascular não é bem definida entre as diretrizes. A AHA recomenda que seja feita a cada quatro a seis anos em pacientes com menos de 40 anos e, a partir de 40 anos, é razoável ser realizada com maior frequência [4].
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