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Controle de Glicemia no Paciente Internado

Criado em: 19 de Agosto de 2024 Autor: Tiago Lima Arnaud Revisor: João Mendes Vasconcelos

Hiperglicemia hospitalar está associado a piores desfechos e maior risco de complicações. Em julho de 2024, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) publicou uma diretriz com recomendações práticas sobre hiperglicemia em pacientes não críticos no hospital [1]. A Society of Critical Care Medicine (SCCM) também trouxe atualizações sobre metas e indicações do controle glicêmico no paciente crítico [2]. Este tópico aborda o controle de glicemia no paciente internado.

Controle de glicemia no paciente crítico

Hiperglicemia é comum em pacientes críticos, em parte por uma reação ao estresse fisiológico de uma doença grave. É um marcador de gravidade do quadro, com associação com morbidade e mortalidade. Apesar disso, os estudos não encontraram benefício de um controle intensivo de glicemia na UTI, porém essa estratégia resultou em maior incidência de hipoglicemia [3, 4].

A recomendação mais habitual é intervir quando há valores persistentemente acima de 180 mg/dL [5]. A meta é manter a glicemia entre 140 e 180 mg/dL. A Society of Critical Care Medicine (SCCM) traz uma atualização nos valores, estabelecendo um alvo glicêmico de 140 e 200 mg/dL, com objetivo de reduzir o risco de hipoglicemia [2]. Alguns estudos mais recentes colocaram como limiar para intervenção um valor máximo de 215 mg/dL, refletindo a ausência de benefício com controles mais intensivos e maior chance de hipoglicemia com essa abordagem [6, 7]. 

A insulina no paciente crítico pode ser realizado por via intravenosa contínua ou por via subcutânea intermitente [8]. Não há uma padronização sobre qual regime de insulinização deve ser instituído inicialmente. A maioria das instituições tem protocolos próprios, contendo geralmente a infusão contínua de insulina com monitorização glicêmica em intervalos de até uma hora. A diretriz da SCCM ressalta que a preferência por insulina intravenosa é uma recomendação fraca e com incerteza, pontuando que o alvo glicêmico é mais facilmente atingido com infusão contínua, porém com maior risco de hipoglicemia. Pacientes com hipoperfusão, drogas vasoativas ou edema significativo geram dúvidas quanto a absorção de insulina subcutânea.

Após controlar a doença aguda e atingir o alvo glicêmico com estabilização da taxa de infusão de insulina, recomenda-se a transição do esquema de tratamento para a via subcutânea. 

Tabela 1
Sugestão de protocolo de infusão contínua de insulina em pacientes críticos.
Sugestão de protocolo de infusão contínua de insulina em pacientes críticos.

Exemplos de protocolos de insulinização intravenosa pode ser vistos na tabela 1 ou nos links abaixos:

Paciente não crítico: como monitorizar e quais os esquemas possíveis

No paciente não crítico, hiperglicemia hospitalar é definida quando a glicemia é superior a 140 mg/dL. No entanto, valores acima de 180 mg/dL estão mais associados a complicações. A diretriz de 2024 da SBD define que duas ou mais glicemias acima de 180 mg/dL em 24 horas necessitam de controle glicêmico. O fluxograma 1 exibe a recomendação de monitorização da glicemia segundo a SBD nos diferentes perfis de pacientes [1].

Fluxograma 1
Monitorização da glicemia em ambiente hospitalar.
Monitorização da glicemia em ambiente hospitalar.

A meta glicêmica recomendada pela diretriz da SBD é um alvo entre 100 - 180 mg/dL, com objetivo de evitar hiper e hipoglicemia. Para atingir esse controle há diversas estratégias que envolvem associação das insulinas basais (lentas) e bolus (rápidas) e aplicação nos seguintes esquemas:

  • Escala de correção: apenas insulinas rápidas conforme glicemias pré-prandiais.
  • Basal-plus: insulina basal com uso da escala de correção de glicemia pré-prandial [9].
  • Basal-bolus: insulina basal, doses fixas de insulina rápida pré prandial associado a escala de correção de glicemia pré-prandial, se houver hiperglicemia pré-prandial [10].

A escolha do esquema de insulina depende do grau da hiperglicemia, histórico de uso domiciliar de insulina, presença de doenças prévias e uso de corticoides. O fluxograma 2 detalha a escolha do esquema de insulina conforme a SBD. Nos pacientes que não usam insulina domiciliar e que por algum motivo apresentam valores isolados de glicemia superiores a 180 mg/dL, pode ser optado pela escala de correção pré-prandial. Se a hiperglicemia for persistente (dois ou mais episódios em 24 horas) deve-se seguir as sugestões do fluxograma 2.

Fluxograma 2
Escolha do tratamento da hiperglicemia hospitalar.
Escolha do tratamento da hiperglicemia hospitalar.

Na prescrição da escala de correção, as doses de insulina rápida devem considerar os perfis de paciente e a sensibilidade à insulina. Aumenta-se a dose de correção da glicemia quanto mais resistente à insulina for o paciente, conforme a tabela 2.

Tabela 2
Dose de correção de glicemia de acordo com a sensibilidade à insulina.
Dose de correção de glicemia de acordo com a sensibilidade à insulina.

A tabela 3 detalha como utilizar o esquema basal bolus. O primeiro passo é calcular a dose total diária de insulina e 50% desse total irá corresponder a dose de insulina basal. A outra metade será de insulina rápida em 2 a 3 doses diárias conforme as refeições realizadas. 

Tabela 3
Cálculo da dose de insulina em esquema basal-bolus.
Cálculo da dose de insulina em esquema basal-bolus.

A diretriz brasileira acrescenta que os inibidores dipeptidil peptidase 4 (iDPP4) podem ser adicionados ao esquema para auxiliar o controle glicêmico. 

Exemplo: paciente com DM2 em uso de metformina e gliclazida, IMC de 35, interna para biópsia excisional de linfonodo inguinal. No pós operatório apresenta repetidas glicemias acima de 300 mg/dL. Realizado HbA1c que demonstrou valor de 9,5%. Qual regime a ser instituído? A escala de correção deve ser ajustada?

Resposta: O paciente apresenta uma hiperglicemia nível 2 e com resultado de HbA1c que justifica início de um esquema basal-bolus (0,3 - 0,6 UI/Kg/dia) com aumento das doses de insulina de correção no período pré-prandial devido perfil de resistência à insulina aumentado.

Paciente não crítico: situações especiais

Pacientes em jejum com hiperglicemia não devem utilizar esquema basal-bolus pelo alto risco de hipoglicemia. Nesses casos, a preferência é pelo uso da escala de correção com a monitorização da glicemia capilar a cada 6 horas. Se a dieta for interrompida após a aplicação de uma insulina basal, deve-se infundir glicose endovenosa para minimizar o risco de hipoglicemia. 

Nos pacientes que recebem dieta enteral ou parenteral, a prescrição de insulina basal segue os mesmos princípios do fluxograma 2. A dieta enteral pode ser administrada em infusão contínua ou intermitente. Na infusão intermitente, deve-se coordenar a aplicação das insulinas rápidas com os períodos alimentares. Na infusão contínua, a monitorização da glicemia capilar pode ocorrer a cada 6 horas e uso do esquema basal-plus (ou seja, insulina rápida apenas se escapes de hiperglicemia).

A hiperglicemia associada aos glicocorticoides se apresenta de duas formas: a hiperglicemia persistente (múltiplos valores >180 mg/dL ao longo do dia) e a hiperglicemia vespertina. Na hiperglicemia persistente, seguem-se as recomendações do fluxograma 2. Na hiperglicemia vespertina, a curva de alteração da glicemia é semelhante ao efeito da insulina NPH administrada pela manhã. Um esquema sugerido pela SBD é o uso da insulina NPH pela manhã, com a dose inicial 0,1 UI/Kg/dia para cada 10 mg de prednisona ou equivalente. A dose máxima inicial é 0,4 UI/Kg/dia, utilizada para pacientes em uso de 40 mg de prednisona ou mais. Essa recomendação se aplica apenas aos pacientes com predomínio de hiperglicemia vespertina [1]. 

A solicitação da hemoglobina glicada (HbA1c) durante a hospitalização ajuda a diagnosticar casos desconhecidos de DM e a guiar a conduta na alta hospitalar [11]. A prescrição de alta pode seguir da maneira abaixo:

  • HbA1C < 8%: alta hospitalar com o mesmo esquema de tratamento utilizado antes da internação.
  • HbA1C entre 8 a 10%: alta hospitalar com otimização do tratamento domiciliar prévio
  • HbA1C > 10%: alta hospitalar com esquema basal-bolus ou uso de antidiabéticos orais associados a insulina basal. 

Exemplo: paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica recebendo 40 mg/dia de prednisona às 8 horas da manhã está apresentando hiperglicemias por volta das 17 horas sempre em valores entre 200 e 300 mg/dL. O que fazer

Resposta: Pode-se instituir um esquema de 0,4 UI/Kg/dia de insulina NPH a ser aplicada em dose única pela manhã ou associada a outras formas de insulinização caso apresente descontroles em outros momentos do dia.

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