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Atualização de DPOC: GOLD 2024

Criado em: 02 de Setembro de 2024 Autor: João Mendes Vasconcelos

Anualmente é publicada a diretriz do Global Initiative for Chronic Obstrutive Lung Disease (GOLD), um programa internacional sobre a prevenção, diagnóstico e tratamento do paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O GOLD 2023 foi coberto no Guia em uma revisão que pode ser conferida aqui ("Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - GOLD 2023"). Este tópico traz as atualizações do GOLD 2024.

Condições precursoras de DPOC: pré DPOC e PRISm

O GOLD 2024 pontua novamente os conceitos de pré-DPOC e Preserved Ratio Impaired Spirometry (PRISm), situações precursoras de DPOC na história natural de alguns pacientes. 

Pré-DPOC representa pessoas de qualquer idade com sintomas respiratórios e/ou alterações estruturais pulmonares e/ou alterações funcionais, sem obstrução ao fluxo aéreo na espirometria. Esse grupo é heterogêneo, composto por pessoas com bronquite crônica, enfisema na tomografia ou alterações espirométricas que não atingem critérios de DPOC, e podem ou não evoluir para obstrução persistente ao fluxo de ar. Existe pouca evidência de qualidade para guiar a conduta nesses casos [2].

O termo PRISm define indivíduos com relação VEF1/CVF preservada (> 0,7 após broncodilatador), mas com espirometria alterada (VEF1 < 80% da referência após broncodilatador). A prevalência dessa condição fica em torno de 10% em pessoas expostas ao tabagismo [3]. PRISm está associada a um maior risco de doenças cardiopulmonares, hospitalizações e mortalidade [4]. Preditores de transição de PRISm para DPOC incluem VEF1 e VEF1/CVF mais baixos, idade avançada, sexo feminino e tabagismo ativo [5]. 

O significado clínico desses grupos é pouco definido e não se sabe a conduta adequada. Um estudo que testou o uso de broncodilatadores em pacientes sintomáticos com pelo menos 10 maços ano de tabagismo, porém sem critério espirométrico de DPOC, não encontrou benefício [6]. Contudo, a atenção para fatores de risco modificáveis, como tabagismo, deve ser reforçada nesse grupo.

Rastreio de DPOC

O impacto de DPOC não diagnosticado é grande e predomina em países de baixa e média renda [7]. Apesar disso, as evidências não apoiam o rastreio populacional de DPOC com espirometria e essa estratégia não é recomendada pelo United States Preventive Service Task Force [8]. Um dos argumentos contrários ao rastreio é que as intervenções para pacientes com obstrução leve ao fluxo de ar não parecem ter benefício. Além disso, pacientes com obstrução leve ao fluxo de ar, mas que são assintomáticos e não são tabagistas ativos, não apresentam a mesma queda progressiva de função pulmonar que pacientes sintomáticos ou tabagistas [9].

Por outro lado, existe evidência que a busca ativa de casos pode resultar em melhores desfechos [10]. A busca de casos seria uma estratégia mais direcionada do que o rastreio, focada em pessoas sintomáticas ou com risco aumentado para DPOC. Nesse sentido, dois grupos de interesse são: os pacientes elegíveis para rastreio de câncer de pulmão e os pacientes com anormalidades na TC de tórax. O rastreio de câncer de pulmão é recomendado em pessoas entre 50 e 80 anos com carga tabágica de pelo menos 20 maços/ano que são tabagistas ativas ou que pararam de fumar nos últimos 15 anos [11]. Anormalidades nos exames de imagem incluem enfisema, sinais de aprisionamento aéreo, espessamento das paredes brônquicas e impactação mucosa. O GOLD recomenda a espirometria direcionada para esses grupos para busca de casos de DPOC.

Eosinófilos e Anormalidades do Interstício Pulmonar

O GOLD 2024 dedica um subtópico para a contagem de eosinófilos na periferia. A contagem de eosinófilos se correlaciona com exacerbações futuras e com a capacidade do corticoide inalatório (ICS) de reduzir essas exacerbações [12]. Os valores para guiar a avaliação são os seguintes:

  • Exacerbações e > 300 eosinófilos/microL: resposta boa ao ICS é provável. Deve-se considerar como terapia inicial o ICS associado a beta agonista e antimuscarínico de longa ação (LABA e LAMA), preferencialmente em um único inalador. A retirada de ICS nessa população aumenta o risco de exacebações [13]. 
  • Exacerbações e valores entre 100 e 300 eosinófilos/microL: resposta boa ao ICS é possível. Deve-se considerar acrescentar um ICS se o paciente persiste com exacerbações a despeito da terapia com LABA e LAMA.
  • Exacerbações e < 100 eosinófilos/microL: baixa probabilidade de benefício com ICS e maior chance de complicações infecciosas, como pneumonia.

A contagem de eosinófilos pode variar durante uma exacerbação [14]. Eosinopenia é comum em exacerbações e se correlaciona com piores desfechos [15]. O ideal é aguardar a estabilização clínica para avaliar os eosinófilos.

Anormalidades do interstício pulmonar (AIP) são definidas como o achado incidental de alterações intersticiais não dependentes da gravidade em pelos menos 5% da área de uma zona pulmonar (superior, média e inferior) em um paciente sem o diagnóstico de uma intersticiopatia [16]. As anormalidades incluem opacidades em vidro fosco ou reticulares, bronquiectasias de tração, distorção arquitetural, faveolamento e cistos não enfisematosos. Um estudo encontrou uma prevalência de AIP de 10% em pacientes com DPOC [17]. Desses pacientes, metade preenchia critérios para uma intersticiopatia, definida como AIP e pelo menos um dos seguintes: presença de fibrose definitiva na TC, CVF pós-broncodilatador < 80% do predito e DLCO < 70% do predito após ajuste para enfisema. Esses pacientes têm pior prognóstico e devem ser encaminhados para avaliação especializada. Veja mais sobre o tratamento de fibrose pulmonar idiopática no tópico "Tratamento da Fibrose Pulmonar Idiopática". 

Usando dispositivos inalatórios

Existem pelo menos 22 tipos de dispositivos inalatórios. Apesar do número elevado, em geral os dispositivos são variações de três tipos: inaladores dosimetrados ("bombinhas") com ou sem espaçadores, inaladores de névoa úmida e inaladores de pó seco. Os inaladores dosimetrados e de névoa úmida necessitam de uma respiração longa e profunda, enquanto os inaladores de pó seco precisam de uma inspiração forte e rápida. Não existe um dispositivo que seja superior aos outros para todos os pacientes [18].

Pico expiratório forçado subótimo e erros na técnica inalatória estão associados a maior utilização do sistema de saúde e maiores custos [19]. Um estudo brasileiro encontrou que mais de 90% dos pacientes com asma ou DPOC cometem pelo menos um erro ao usar dispositivos inalatórios [20]. Estudos internacionais também mostram que esse é um problema comum [21]. Idade avançada e baixa escolaridade estão associados com erros na técnica inalatória [22].

O uso de espaçador permite que o paciente não precise sincronizar o disparo da medicação com uma inalação prolongada, facilitando o uso. Os inaladores dosimetrados com espaçadores também são uma opção para pacientes que não conseguem uma inspiração rápida para usar o inalador de pó seco adequadamente. Os pacientes devem levar os dispositivos para a consulta e idealmente as unidades de saúde devem ter dispositivos placebo para facilitar a orientação ao paciente. Uma técnica recomendada é a de “ensinar de volta” (teach back), em que o paciente é solicitado a ensinar como o dispositivo deve ser utilizado [23]. As orientações sobre uso adequado parecem perder efeito com o tempo, por isso é recomendado reforçar a técnica correta em toda consulta [24].

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