Bacteremia por Staphylococcus aureus

Criado em: 16 de Setembro de 2024 Autor: Raphael Gusmão Barreto Revisor: Frederico Amorim Marcelino

A bacteremia por Staphylococcus aureus tem uma mortalidade de 10 a 30% [1]. Indicação de ecocardiograma, necessidade de repetir hemoculturas e tempo de tratamento são dúvidas frequentes. Este tópico revisa as manifestações, abordagem inicial e tratamento dessa condição.

Tipos e características de bacteremia por S. aureus

Bacteremia é o crescimento de bactérias em hemocultura associado a um processo infeccioso. O termo infecção de corrente sanguínea (ICS) às vezes é usado na literatura médica como sinônimo de bacteremia, mas também inclui a presença de fungos na corrente sanguínea (fungemia). Os termos são usados de forma heterogênea. Com relação ao S. aureus, a terminologia mais comum é bacteremia [2]. 

As infecções por S. aureus podem ser divididas em:

  • Infecções de pele e partes moles e pneumonia.
  • Infecções associadas a dispositivos e pós-procedimento: infecção associada a cateter venoso central, dispositivo intracardíaco e infecção de sítio cirúrgico.
  • Infecções secundárias à disseminação hematogênica: endocardite, osteomielite, pielonefrite, artrite, piomiosite, abscesso cerebral, abscesso intra-abdominal e outros abscessos.

Infecção metastática significa o espalhamento de uma infecção de um sítio primário para um sítio secundário. Como exemplo, um paciente com endocardite (sítio primário) pode evoluir com osteomielite vertebral e abscessos intra-abdominais (sítios secundários). O S. aureus consegue se aderir a tecidos e dispositivos, o que facilita essa complicação.

Um cenário possível é a identificação da bacteremia em pacientes com sintomas inespecíficos. O crescimento de S. aureus na hemocultura deve sempre ser considerado patogênico e não deve ser interpretado como contaminação.  A partir desta cultura positiva, deve-se procurar um foco, mas em até 25% dos pacientes o foco não é encontrado [3].

Tabela 1
Bacteremia por S. aureus complicada e não complicada
Bacteremia por S. aureus complicada e não complicada

A bacteremia por S. aureus pode ser classificada em complicada e não complicada (tabela 1). O termo complicada é usado para pacientes que possuem fatores associados a maior mortalidade e morbidade, como presença de endocardite ou ausência de melhora clínica em 72 horas. Existe a recomendação de aumentar o tempo de tratamento em pacientes com esses fatores. Contudo, a divisão não é consensual e recentemente alguns autores sugerem que outros fatores devem ser considerados para determinar o tempo de tratamento [4].

Abordagem do paciente com bacteremia por S. aureus

Após a identificação da bacteremia, uma sugestão de avaliação é composta por quatro pontos: ecocardiografia, investigação de infecção metastática, repetição de hemoculturas e consulta com infectologista. 

Ecocardiografia

É recomendado o rastreio de endocardite em todos os pacientes com bacteremia por S. aureus. A prevalência de endocardite nesses pacientes é de até 22%. Em pacientes com valva protética, a prevalência chega a 38% [5].  Estudos que utilizaram o ecocardiograma como rastreio de endocardite em pacientes com bacteremia por S. aureus encontraram a doença em pacientes sem sinais clínicos sugestivos.

A técnica da ecocardiografia é motivo de discussão. O ecocardiograma transesofágico é mais sensível para o diagnóstico de endocardite, mas tem maior custo e risco [6-9]. Alguns escores foram criados para predizer o risco de endocardite e a necessidade de realização de ecocardiograma transesofágico [10, 11]. Desses escores, o mais sensível é o VIRSTA (tabela 2) com sensibilidade de 96% e valor preditivo negativo de 99% para excluir endocardite.

Tabela 2
Escore VIRSTA
Escore VIRSTA

Confrontando o risco de não diagnosticar endocardite e o risco do procedimento, alguns autores criticam o uso desses escores, enfatizando o ecocardiograma transesofágico para todos [12]. Apesar disso, um estudo publicado no Clinical Infectious Disease em 2024 sugere que após estratificação de risco, pacientes de baixo risco podem não se beneficiar de exames de rastreio [13]. 

Investigação de infecção metastática

A investigação de focos metastáticos depende de manifestações clínicas. Como exemplo, pacientes com dor à palpação da coluna devem ser investigados para osteomielite vertebral e aqueles com dor abdominal devem ser avaliados para abscesso intra-abdominais [4, 14]. 

Não há recomendação direta de realizar fundoscopia em pacientes com bacteremia por S. aureus sem sintomas oftalmológicos. Dois fatores devem ser considerados para realizar fundoscopia em pacientes assintomáticos. Primeiro, a fundoscopia faz parte da investigação de endocardite (veja mais em "Novos Critérios de Duke para o Diagnóstico de Endocardite Infecciosa"). Segundo, em um estudo retrospectivo com 1109 pacientes,  acometimento ocular foi encontrado em 9% dos pacientes com bacteremia por S. aureus e, entre aqueles que podiam reportar sintomas, apenas 36% relataram queixas visuais [15]. 

Repetição de hemoculturas

Hemoculturas seriadas auxiliam na avaliação do prognóstico. A persistência de cultura positiva após 72 horas está associada a piores desfechos e deve levantar a suspeita de infecção metastática. A frequência ideal de coleta não é bem definida, mas algumas referências sugerem repetir as hemoculturas a cada 2 a 4 dias e interromper a coleta após documentar a resolução da bacteremia [4].

Avaliação do infectologista

A maioria das referências sugere o acompanhamento conjunto com infectologista. Essa estratégia está associada a melhores desfechos [1, 4, 16].

Tratamento de bacteremia por S. aureus

O controle do foco infeccioso com intervenções cirúrgicas, desbridamento de tecidos desvitalizados, troca de dispositivos e drenagem de abscessos deve ser feito em todos os pacientes. O tratamento antimicrobiano depende do perfil de sensibilidade do S. aureus.

S. aureus sensível a meticilina (MSSA)

Cefazolina e oxacilina são as medicações de escolha para tratar bacteremia por MSSA (tabela 3). Alguns estudos sugerem que a vancomicina está associada a maior mortalidade quando comparada a beta-lactâmicos nesse cenário [4, 17, 18]. Entre cefazolina e oxacilina, estudos observacionais sugerem menor mortalidade com a cefazolina [19-21]. A cefazolina também está associada a menor nefrotoxicidade, hepatotoxiciade, reações de hipersensibilidade e menor taxa de descontinuação do tratamento por eventos adversos [22]. 

Tabela 3
Opções de tratamento de bacteremia por Staphylococcus aureus sensível à oxacilina (MSSA)
Opções de tratamento de bacteremia por Staphylococcus aureus sensível à oxacilina (MSSA)

S. aureus resistente a meticilina (MRSA) e terapia empírica

Vancomicina, teicoplanina, linezolida e daptomicina são opções nessa situação. Veja mais sobre tratamento de MRSA em "Staphylococcus aureus Resistente à Meticilina (MRSA) e Vancomicina". 

Antes do resultado do antibiograma, o paciente com hemocultura positiva para S. aureus ou com crescimento de cocos gram-positivos agrupados ainda sem diferenciação é tratado com um antimicrobiano baseado na possível sensibilidade do patógeno (terapia empírica). Há divergência em relação a qual o esquema antibiótico ideal nesse momento. Algumas referências sugerem um esquema com dois antibióticos, composto por vancomicina em conjunto com cefazolina ou oxacilina [14, 17]. Essa recomendação valoriza a vantagem da cefazolina e oxacilina em relação à vancomicina para tratamento de MSSA. Outras referências propõem o uso de vancomicina como monoterapia. Nesse caso, uma das justificativas é um estudo observacional com mais de 5000 pacientes, que não encontrou vantagem em adicionar outro antibiótico [18]. 

Duração do tratamento e transição para via oral

A duração do tratamento com antimicrobianos varia conforma a apresentação clínica. Para bacteremia não complicada, recomenda-se 14 dias de tratamento [4, 14, 23]. Novos estudos avaliando tempos menores de tratamento estão em curso [24]. Para bacteremias complicadas (por exemplo, com focos metastáticos ou endocardite), o tempo de tratamento recomendado é de 4 a 6 semanas após o foco ser considerado controlado [4, 14, 25]. Existe a recomendação de contar o tempo de tratamento a partir da primeira hemocultura negativa, mas não há evidência clara de melhores desfechos com essa conduta. O fluxograma 1 organiza a abordagem e tratamento da bacteremia por S. aureus.

Fluxograma 1
Manejo de bacteremia por Staphylococcus aureus
Manejo de bacteremia por Staphylococcus aureus

A transição do antibiótico para a via oral nas bacteremias é assunto de muitos estudos atuais. Evidências recentes apontam para segurança e eficácia similares das terapias intravenosas e orais, sendo apropriado a troca para via oral uma vez que o paciente esteja estável e em condições de receber tratamento por essa via [4, 26, 27].

Aproveite e leia:

28 de Outubro de 2024

Infecções Associadas a Cateter Intravascular

As infecções associadas a cateter intravascular são complicações graves. Representam a segunda causa mais comum de infecção adquirida em UTI no Brasil, atrás apenas de pneumonia associada à ventilação mecânica. Essa revisão aborda os principais conceitos, diagnóstico, tratamento e prevenção de infecções associadas a cateteres intravasculares.

18 min
Ler Tópico
22 de Maio de 2023

Novos Critérios de Duke para o Diagnóstico de Endocardite Infecciosa

A endocardite infecciosa é uma doença de difícil diagnóstico, com alta taxa de mortalidade. Em 2023, foi divulgada no Congresso Europeu de Infectologia (ECCMID) a atualização dos critérios de Duke para o diagnóstico de endocardite, publicados posteriormente no Clinical Infectious Diseases. Este tópico revisa os novos critérios e as implicações para o diagnóstico de endocardite infecciosa.

12 min
Ler Tópico
27 de Fevereiro de 2023

Staphylococcus aureus Resistente à Meticilina (MRSA) e Vancomicina

A infecção por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é causa importante de mortalidade e morbidade no hospital. O tratamento gera dúvidas, especialmente com relação a vancomicina e sua monitorização. Na revisão do mês, abordamos infecções por MRSA, seu tratamento e monitorização de vancomicina.

21 min
Ler Tópico
6 de Junho de 2022

Abordagem à Elevação de Enzimas Hepáticas

Marcadores de lesão e função hepática são exames comuns dentro e fora do hospital. Aproveitando uma revisão recente, vamos aprofundar no assunto.

10 min
Ler Tópico
13 de Abril de 2022

AVC Isquêmico Maligno

AVCi maligno é uma doença grave com até 78% de mortalidade. O tratamento é semelhante aos outros tipos de AVCi, com poucas condutas específicas que mudem seu desfecho. Em 07 de abril foi publicado um artigo original no New England Journal of Medicine sobre terapia endovascular em AVCi maligno. Vamos aproveitar para revisar esse tópico e avaliar o que essa nova evidência acrescenta na prática.