Diretriz de Hipertensão Arterial da ESC 2024 e Como Iniciar Tratamento de Hipertensão

Criado em: 23 de Setembro de 2024 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

A diretriz de hipertensão da European Society of Cardiology (ESC) foi atualizada no congresso europeu de cardiologia de 2024 [1]. O documento traz novidades sobre definição de faixa terapêutica, escalonamento das medicações e exames iniciais. Esse tópico discute as novidades da diretriz e como iniciar o tratamento de hipertensão.

Diagnóstico de hipertensão e alvos pressóricos

A nova diretriz de hipertensão arterial da European Society of Cardiology (ESC) estabelece duas faixas diferentes de pressão arterial alterada:

  • Pressão arterial elevada: pressão arterial sistólica (PAS) entre 120 e 139 mmHg ou pressão arterial diastólica (PAD) entre 70 e 89 mmHg. 
  • Hipertensão: PAS maior ou igual a 140 mmHg, ou PAD maior ou igual a 90 mmHg.

Pacientes com “pressão arterial elevada” possuem maior risco de eventos cardiovasculares do que a população geral, mesmo que não estejam na categoria “hipertensão” [2]. Esse grupo deve realizar mudanças no estilo de vida e pode se beneficiar de terapia farmacológica quando agregam comorbidades que aumentam o risco cardiovascular.

Valores elevados de pressão arterial (PA) no consultório devem ser confirmados com uma medição ambulatorial, preferencialmente por medida ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou medida residencial de pressão arterial (MRPA) (recomendação forte). Veja mais em "MAPA, MRPA e diagnóstico de hipertensão". Caso não seja possível uma medida fora do consultório, deve-se repetir medidas no consultório em dias diferentes. Em casos de valores acima de 160/100 mmHg, essa confirmação deve ser realizada em até um mês. Em valores acima de 180/110 mmHg, deve-se excluir emergência hipertensiva.

A diretriz traz uma mudança no alvo de tratamento. No posicionamento de 2018, o objetivo era manter a PA menor que 140/90 mmHg, podendo chegar em valores menores de 130/80 na maioria dos pacientes. A diretriz de 2024 recomenda o alvo da PAS entre 120 a 129 mmHg, se bem tolerado (recomendação forte). Se a PAS estiver no alvo, mas a PAD estiver acima de 80 mmHg, pode se intensificar a terapia anti-hipertensiva para manter uma PAD de 70 a 79 mmHg (recomendação fraca). O documento considera que o alvo da PAS pode ser menos rígido naqueles com 85 anos ou mais, fragilidade ou baixa expectativa de vida.

Exames iniciais e rastreio de hiperaldosteronismo

No momento do diagnóstico, a diretriz recomenda exames iniciais para cálculo do risco cardiovascular e triagem de hipertensão secundária. O cálculo do risco cardiovascular interfere no início do tratamento. Os exames recomendados pela diretriz estão na tabela 1.

Tabela 1
Exames iniciais para cálculo de risco cardiovascular e triagem de hipertensão secundária
Exames iniciais para cálculo de risco cardiovascular e triagem de hipertensão secundária

O documento também pontua que o rastreio de hiperaldosteronismo primário deve ser considerado em todos os pacientes com diagnóstico de hipertensão utilizando a relação aldosterona/renina (recomendação moderada). Trabalhos recentes detectaram prevalência de 12% de hiperaldosteronismo primário na população com PA acima de 180/110 mmHg [3]. A hipocalemia espontânea ou induzida por diurético pode ser um indicativo de hiperaldosteronismo como causa de HAS secundária.

Alguns medicamentos interferem na análise da razão aldosterona-renina. As drogas que interferem são betabloqueadores, clonidina, alfa-metildopa, bloqueadores do sistema renina-angiotensina e diuréticos. Os anti-hipertensivos que não interferem são os bloqueadores dos canais de cálcio e os alfa-bloqueadores (doxazosina e tansulosina). 

Quando iniciar o tratamento farmacológico

Todos os pacientes com PA acima de 140/90 mmHg devem iniciar terapia medicamentosa e mudança de estilo de vida.

Naqueles com “pressão arterial elevada” (PAS entre 120 e 140 mmHg e PAD de 70 a 90 mmHg), a conduta é baseada no risco cardiovascular. No risco cardiovascular leve a moderado (menor que 10% de evento cardiovascular em 10 anos), a diretriz recomenda mudança no estilo de vida, sem tratamento medicamentoso. Em pacientes com alto risco, se a PA se mantiver acima de 130/80 mmHg após três meses de mudança de estilo de vida, deve se iniciar terapia farmacológica. 

A abordagem completa está no fluxograma 1.

Fluxograma 1
Decisão terapêutica no paciente com “pressão arterial elevada”
Decisão terapêutica no paciente com “pressão arterial elevada”

Cálculo do risco cardiovascular

Algumas características classificam o paciente como de alto risco cardiovascular independente de escores: 

Alguns fatores aumentam o risco cardiovascular, mas não estão na calculadora e não são suficientes para isoladamente rotular o paciente como alto risco. Esses fatores estão na tabela 2. Em casos de pacientes com risco cardiovascular moderado (5 a 10%), esses fatores podem elevar o risco cardiovascular do paciente para alto risco. A diretriz traz como sugestão o uso de exames complementares (como escore de cálcio) em caso de pacientes que permanecem como risco moderado (tabela 2). Veja mais em "Avaliação de Risco Cardiovascular: Calculadora PREVENT".

Tabela 2
Modificadores de risco cardiovascular
Modificadores de risco cardiovascular

Escolha de anti-hipertensivos

As terapias anti-hipertensivas que possuem maior benefício em redução de eventos cardiovasculares e consideradas de primeira linha de tratamento são: 

  • Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA)
  • Bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA)
  • Bloqueador de canal de cálcio diidropiridínicos (anlodipino)
  • Diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida) e tiazídicos-like (clortalidona e indapamida)

Os betabloqueadores não são considerados primeira linha de tratamento. Os betabloqueadores foram inferiores aos anti-hipertensivos de primeira linha na prevenção de eventos cardiovasculares, especialmente AVC. Betabloqueadores estão relacionados a menor adesão medicamentosa devido a efeitos adversos [5]. Veja mais em "Betabloqueadores para Hipertensão Arterial".

A diretriz recomenda o uso de dois anti-hipertensivos em baixa dose para pacientes com hipertensão (PA ≥ 140/90 mmHg) como terapia inicial, ao invés de monoterapia (recomendação forte). As combinações preferidas são um bloqueador do sistema renina-angiotensina (iECA ou BRA) com um bloqueador de canal de cálcio ou com um tiazídico.

A monoterapia é recomendada para pacientes que não necessitam de controle rigoroso da PA. Exemplos desse grupo são aqueles com mais de 85 anos, presença de sintomas de hipotensão ortostática e fragilidade moderada a grave. Pacientes com “pressão arterial elevada” com indicação de tratamento também podem usar monoterapia.

Após o início da medicação, o paciente deve ser reavaliado em um a três meses. Caso o alvo ainda não tenha sido atingido, a diretriz recomenda a adição de um terceiro anti-hipertensivo, ao invés de aumento de dose dos anti-hipertensivos já em uso. Se a meta não for atingida com três drogas em baixa dose, a diretriz recomenda o aumento das doses dos medicamentos (recomendação forte).

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