Profilaxia Farmacológica de Enxaqueca

Criado em: 07 de Outubro de 2024 Autor: João Urbano Revisor: Raphael Coelho

A enxaqueca é a cefaleia mais frequente nos atendimentos de emergência e uma das causas mais comuns de incapacidade no mundo [1]. Um novo alvo para profilaxia da enxaqueca foi avaliado em um estudo no New England Journal of Medicine em setembro de 2024. Esse tópico revisa as opções terapêuticas e perspectivas futuras sobre o tema.

Indicações de tratamento profilático para enxaqueca

Enxaqueca é caracterizada pelos critérios diagnósticos da 3ª Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD-3), conforme tabela 1.

Tabela 1
Critérios diagnósticos de enxaqueca pela 3ª Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD-3)
Critérios diagnósticos de enxaqueca pela 3ª Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD-3)

A profilaxia de enxaqueca tem o objetivo de diminuir a frequência, duração e gravidade das crises de dor e deve ser considerada quando houver limitação funcional importante. Segundo a American Headache Society, o tratamento profilático deve ser oferecido se o paciente possui três ou mais crises de enxaqueca ao mês, dependendo da sua gravidade (tabela 2) [2]. Estima-se que mais de um quarto dos pacientes com enxaqueca seriam candidatos a profilaxia e muitos ainda não a recebem [3]. O impacto é maior em mulheres na idade reprodutiva e em grupos com piores condições socioeconômicas [4].

Tabela 2
Indicações de profilaxia para enxaqueca, segundo a American Headache Society
Indicações de profilaxia para enxaqueca, segundo a American Headache Society

A terapia preventiva também pode ser considera em pacientes que não respondem bem ou que tem eventos adversos ou contraindicações as medicações para tratamento agudo. Veja mais em "Tratamento Agudo de Enxaqueca".

Auras atípicas ou síndromes raras associadas à enxaqueca, como a enxaqueca hemiplégica familiar, podem ser indicações de profilaxia independentemente da frequência de crises por causarem incapacidade ao paciente. Outro motivador de profilaxia nesses casos é o risco de eventos adversos se os pacientes forem atendidos em serviços pouco familiarizados com essas apresentações. Exemplos de auras raras e atípicas são distúrbio de linguagem (afasia), sintomas motores (hemiparesia) e sintomas de tronco (diplopia ou ataxia) [2].

Opções para profilaxia de enxaqueca

O tratamento farmacológico pode ser organizado em medicações específicas e não específicas para enxaqueca (tabela 3) [5, 6, 7]. A American Headache Society também classifica as medicações conforme o nível de evidência na prevenção de enxaqueca, como assinalado na tabela 3.

Tabela 3
Fármacos para tratamento preventivo de enxaqueca
Fármacos para tratamento preventivo de enxaqueca

O tratamento medicamentoso para profilaxia de enxaqueca deve considerar as comorbidades do paciente e o acesso às medicações. Não há evidências robustas de comparação direta entre as opções. As medicações com evidências de melhor qualidade são o topiramato e os anticorpos monoclonais contra o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP). Os anti-CGRP parecem ter menos eventos adversos que levam a suspensão do tratamento [8].

O tratamento é eficaz se houver redução de aproximadamente 50% das crises de enxaqueca. Esse alvo deve ser comunicado ao paciente antes do início do tratamento, para alinhar expectativas. É recomendado que o paciente faça um diário de cefaleia para quantificação mais precisa da diminuição dos dias com dor.

A falha de um tratamento profilático deve ser considerada se houver: [2]

  • Intolerância à medicação ou ausência de resposta após titulação para dose adequada
  • Tratamento por pelo menos 2 a 3 meses. 

O que há de novo para profilaxia de enxaqueca?

Foi publicado no New England Journal of Medicine em setembro de 2024 um estudo de fase 2, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo testando um novo anticorpo monoclonal como profilaxia de enxaqueca [9]. A medicação é direcionada contra um novo alvo na fisiopatologia da doença, o polipeptídeo ativador da adenilato ciclase (PACAP). Estudos experimentais mostram que a infusão de PACAP em pessoas com enxaqueca induz crises de cefaleia. O bloqueio dessa via de sinalização é promissora na prevenção de enxaqueca. O anticorpo testado desempenha essa função.  

O estudo envolveu 237 pacientes com enxaquecas refratárias, com ou sem aura, episódicas ou crônicas. A refratariedade foi definida como falha prévia de dois a quatro tratamentos profiláticos adequados. Os participantes foram divididos em três grupos: placebo, dose única do anticorpo de 100 mg e dose única do anticorpo de 750 mg. A média de dias de enxaqueca no mês na população era de 16,7 dias.

Houve diminuição com significância estatística no número de episódios de enxaqueca no grupo do anticorpo na dose de 750 mg comparado ao placebo (−6,2 dias vs −4,2 dias; diferença -2,0 dias, intervalo de confiança 95% −3,8 a −0,3). O pequeno número de pacientes é uma crítica ao estudo.

Apesar de alcançar significância estatística, a magnitude do efeito foi modesta. Essa é uma realidade para os tratamentos preventivos de enxaqueca, sendo um padrão de eficácia comum considerar uma redução de 50% na frequência de enxaqueca em pelo menos 50% dos pacientes [10]. Contudo, o artigo expõe um novo alvo potencial para o tratamento profilático de enxaqueca e representa um avanço nesse campo.

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13 de Novembro de 2023

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