Insuficiência Cardíaca na Hospitalização: Posicionamento do Colégio Americano de Cardiologia
A insuficiência cardíaca (IC) é uma das principais causas de hospitalização em todo o mundo. O Colégio Americano de Cardiologia publicou um posicionamento sobre a abordagem do paciente hospitalizado por IC em agosto de 2024 [1]. Este tópico aborda os principais pontos do tema.
Terapia modificadora de doença
O documento publicado pelo Colégio Americano de Cardiologia (ACC) em 2024 traz informações sobre diureticoterapia, terapia médica direcionada por diretrizes e o planejamento para alta [1]. As estratégias de diureticoterapia comentadas no documento já são mencionadas na revisão "Diureticoterapia na Insuficiência Cardíaca Aguda".
Uma etapa importante é o início da terapia modificadora de doença da IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr), chamada de terapia médica direcionada por diretrizes. Ela é composta por:
- Betabloqueador
- Inibidores da SGLT2 (iSGLT2)
- Antagonista do receptor da aldosterona
- Bloqueio do sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA): inibidores da ECA, bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA) e inibidores da neprisilina e do receptor da angiotensina (ARNI)
Aqueles já em uso dos medicamentos devem permanecer em uso no hospital, exceto quando ocorrer instabilidade hemodinâmica ou disfunção renal. Caso o paciente não utilize as medicações, o início durante a internação está relacionado à melhor adesão e menos eventos adversos nos primeiros meses após a alta [2, 3]. Os iSGLT2 e os antagonistas do receptor da aldosterona podem ser iniciados na fase de descongestão, já que possuem efeito diurético. Os betabloqueadores e o bloqueio do SRAA deve ser introduzidos quando o paciente já está em melhora do quadro de IC descompensada.
O bloqueio do SRAA pode ser feito com iECA, BRA ou ARNI. O ARNI está relacionado a menores taxas de peptídeo natriurético do que o enalapril, com tendência de menor hospitalização e mortalidade [4]. Ao associar-se com o betabloqueador, o ARNI é o que mais causa hipotensão sintomática [5]. O documento afirma que, se houver risco de hipotensão, pode-se iniciar um iECA ou BRA e em um segundo momento transicionar para ARNI. A troca do BRA para ARNI pode ser feita de maneira direta, porém de iECA para ARNI o paciente precisa ficar sem o iECA por pelo menos 36 horas.
Em pacientes hospitalizados que não utilizam tratamento para ICFEr, não há uma resposta clara se o betabloqueador ou os bloqueadores do SRAA devem ser iniciados primeiro. As doses de início e de alvo dos medicamentos estão listados na tabela 1.
Inibidores da SGLT2
Os iSGLT2 ganharam destaque no tratamento da IC, independente da fração de ejeção ou da presença de diabetes. Novas evidências mostram o benefício de iniciar essa terapia no paciente com IC descompensada agudamente. Trabalhos como EMPULSE [6], EMPA-RESPONSE AHF [7], EMPAG-HF [8], DICTATE-AHF [9] e DAPA-Resist [10] demonstraram a segurança da introdução em pacientes hospitalizados.
Nesses estudos, o iSGLT2 era iniciado geralmente quando o paciente apresentava os seguintes critérios:
- Pressão arterial sistólica acima de 100 mmHg
- Não estar em uso de inotrópicos nas últimas 24 horas
- Sem sintomas de hipotensão
- Sem necessidade de aumento de diurético nas últimas 6 horas
- Não estar em uso de vasodilatadores intravenosos
Os iSGLT2 possuem efeito diurético e devem ser evitados em pacientes com hipovolemia. Além disso, independente do cenário, os iSGLT2 são aprovados apenas para pacientes com taxa de filtração glomerular acima de 20 mL/min/m². Veja mais sobre os iSGLT2 na cardiologia em "Diretriz Americana de Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada" e "Gliflozinas (inibidores da SGLT2)".
Transição para alta hospitalar
O estudo ESC-EOPR HFA [11]. ressalta a importância da alta hospitalar sem sinais de congestão. Essa coorte encontrou que 70% dos pacientes internados por IC estavam congestos e bem perfundidos (perfil úmido e quente) e 31% recebiam alta com esse mesmo perfil. Receber alta com perfil úmido estava relacionado com maior mortalidade em um ano. Alguns fatores relacionados com maior chance de receber alta com congestão são insuficiência tricúspide, diabetes e NYHA mais elevado.
Um dos maiores trabalhos de desospitalização do paciente com IC é o STRONG HF. Os pesquisadores avaliaram se o incremento rápido nas doses dos medicamentos modificadores de doença na IC poderia trazer benefícios. O protocolo envolvia começar os medicamentos na metade da dose ideal e atingir a dose ideal em até duas semanas após a alta hospitalar. Os pacientes realizaram quatro retornos médicos em um período de dois meses. O estudo foi interrompido precocemente já que o grupo da titulação rápida teve menores taxas de internação do que o grupo que realizou tratamento usual [12].
O documento do ACC trouxe formulários e checklists para auxiliar a comunicação entre o médico do hospital e a equipe responsável pelo acompanhamento ambulatorial. Além das informações das medicações prescritas durante a internação e na alta, destaca-se a avaliação do perfil de ferro e vacinação para infecções respiratórias, que impactam em reinternações por IC. Veja mais em "Vacina Pneumocócica no Adulto" e "Reposição de Ferro na Insuficiência Cardíaca".
Cuidados paliativos na insuficiência cardíaca
A hospitalização por IC é um marcador de alto risco de mortalidade. A mortalidade pós-internação é de 20% a 35% em um ano e 50% em dois anos [11]. A progressão da doença é acompanhada de mais intervenções, como drogas vasoativas, dispositivos intracardíacos (marcapasso e cardiodesfibrilador implantável) e diálise. Isso pode causar sofrimento físico e emocional ao paciente e familiares.
Alguns trabalhos encontraram que fornecer cuidados paliativos ou encaminhar o paciente a um serviço que ofereça esse suporte está relacionado com menor número de reinternações [13], melhor qualidade de vida e melhor controle de ansiedade e depressão [14].
Não há consenso sobre a indicação de avaliação da equipe de cuidados paliativos no paciente com IC. Algumas indicações de diferentes documentos estão agrupados na tabela 2. [13, 15, 16].
Aproveite e leia:
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Piperacilina-Tazobactam e Cefepima: Uso Empírico e Riscos Associados
Piperacilina-tazobactam e cefepime são as principais opções quando há risco de infecção por bacilos gram-negativos resistentes, incluindo Pseudomonas. Existem discussões sobre a nefrotoxicidade relacionada à piperacilina-tazobactam e a neurotoxicidade do cefepima. O estudo ACORN, apresentado na IDWeek e publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) em outubro de 2023, avaliou esses riscos. Este tópico analisa as evidências prévias e os resultados do ACORN.
Tratamento de Constipação Crônica
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Infecção Articular Periprótese
A infecção articular periprotética é uma complicação que pode ocorrer após uma artroplastia. Com o aumento do número de artroplastias, essa complicação se tornou ainda mais importante. Um artigo de revisão publicado em 2023 no New England Journal of Medicine (NEJM) foi usado como base para revisar o assunto neste tópico.